sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

cOrPO ESTranHo

"Não encontre um defeito, encontre uma solução."... Frase de Henry Ford.     

   Na semana passada escrevi um texto todo pretensioso, achei uma palavra que imaginei significar o que pensava. Arrastei da memória e pesquisei o que significava Distopia. Por falta de convicção se este era o termo que desejava usar deixei o rascunho como rascunho. É mais um item do estoque de crônicas inacabadas, nesta, por ter encontrado depois o termo correto: Disrupção.

    Distopia é um termo de origem médica que diz que um órgão está em lugar diferente de onde deveria estar. O exemplo clássico para uma distopia: o coração no lado direito do corpo humano. Já havia escrito um belo libelo sobre as mudanças no Banco do Brasil, foi quando esbarrei na palavra disrupção, a danada da mudança radical, um novo modelo de negócio que rompe com um já estabelecido. Os exemplos, também clássicos: Uber e Airbnb.

     Não queria escrever alguma coisa que não envolvesse um lado bem pessoal, como disse um desses orientadores da internet, que a crônica para ser uma boa crônica tem que fugir do risco do narcisismo. O danado é que já escrevi muita coisa assim. Talvez este relato sirva para alguma reflexão.

      Em 2015, em circunstâncias de coação, saí do Banco do Brasil. Queria cumprir 35 anos, não deu. Parecia naquele tempo, que todo ser com mais de 50 anos e com mais de 30 anos de contribuição para a PREVI era um ser distópico, mas não apenas em 2015. 

    Quando ocorreu comigo, senti motivar a formação de um conclave de gente querendo cumprir esse modelo de distopia, tirar um "órgão" das entranhas do "corpo humano" da empresa. Por causa disso revisitei o que muitos colegas passaram lá no Paraná pós PDV - Plano de Demissão Voluntária, será que todas foram voluntárias?

      Retrocedendo a 2015, eu estava lá, mas forças de uma cultura medonha não queria que eu estivesse. O momento do PAI - Plano de Aposentadoria Incentivada era de disrupção para o BB, colocar um monte de gente para casa, seja por aceitarem os incentivos financeiros, seja pelo caráter do mau padrasto desse PAI.

     Saí da empresa e caí em casa, quase afundo em uma depressão ou escapei dela bem depois. A frustração junto com o sentimento de derrota quase me empurraram, para o que os italianos chamam de vendetta. 

     Muita raiva e muita adrenalina circulou pelos meus olhos injetados. Aí eu tive a minha primeira e mais forte disrupção, encontrei um desafeto oriundo do PAI de 2015 em um supermercado, só não fui preso porque ele não estava mais quando eu paguei meu kit de lazer, seis latinhas de cerveja. Foi tão forte que me sentei exausto no sofá naquela manhã de domingo, pensando no poderia ter acontecido. Não houve autocontrole, só tive sorte que esse desafeto evitou a briga.

     O tempo passou, iniciei vários projetos, fazer doutorado, fazer inglês instrumental, representar uma consultoria de detecção de mentira na seleção de talentos, entre outros trabalhos, comprar uma lotérica e tudo era atrapalhado pela raiva de todo o processo da minha saída do Banco do Brasil. Era uma lembrança permanente, dia e noite, dia e noite, com um único pensamento me corroendo a alma, aí me ocorreu surgir uma ideia para escrever um livro,  que me ocupou o coração.  Nesse meio tempo iniciei o curso de corretor imobiliário.

     No dizer do amigo Zé Carlos, ao voltarmos para casa após 30 anos nós somos um Corpo Estranho para as nossas esposas, é um full time que parece incomodar. 

     Agora entrei na imobiliária para fazer o estágio obrigatório. Depois de três semanas eu sinto que pareço um corpo estranho: Bom dia!, Até logo!, Até manhã! Cumprimentar as pessoas ao chegar ou ao ir embora, tudo isso parece naquela ambiente fora de moda ou fora da cultura da empresa.

     Não estou ganhando nada, se conseguir alguma venda, ótimo, se não conseguir, pago para trabalhar. O trabalho tem suas complexidades, mas não se compara ao trabalho no Banco do Brasil, tem as suas nuances, como aprendiz meus sentidos estão todos ligados, a primeira lição foi dita e confirmada na prática, em regra: somos todos concorrentes um dos outros, por causa disso registro todos os contatos que fiz.

     Ontem fui atender a um cliente que colocou seu imóvel para vender, uma casa, dias antes reclamações dele pipocaram na imobiliária, fui designado para amenizar as coisas, peguei duas placas de venda e fui até ela. Cheguei antes e vi que não poderia fixá-las no modo tradicional no muro por não haver pontos de apoio, aí me lembrei da fita dupla face, comprei uma por R$ 11,50, voltei lá e fixei as placas com a ajuda dos donos do imóvel.

     Ao sair fotografei e mandei para o grupo de Whatsapp com a mensagem: Missão cumprida. Mas meu contentamento não foi por fazer uma coisa tão simples, meu contentamento foi por ter usado um pouco da velha criatividade para encontrar soluções. 

Abração.
      

        

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