
Na última terça eu saí de Boa Viagem para uma avenida apelidada de canal do Cavouco, aqui em Recife. Um percurso de 13 km. Quase na metade do caminho o cliente que iria ver a casa liga dizendo que não vai poder ir a visita. Me balancei para desistir, catuquei o celular para ligar, decidi ir lá sozinho. Eu estava com duas motivações: demonstrar atenção a dona da casa e satisfazer a curiosidade profissional de ver o documento de propriedade do imóvel. Satisfiz as duas e ganhei de presente mais um episódio para contar.
Um dos pontos que a minha atenção registrou foi que internamente a casa é bem cuidada, arrumada e asseada. O que se vê pelo lado de fora engana.
Cheguei lá quinze minutos antes do combinado e fiquei indeciso, terminei por fazer o que me propus.
A senhora veio me atender desconfiada. Expliquei a ela que o cliente não viria e indaguei sobre o tamanho documentando da casa, ela entrou e voltou com a pasta amarelada.
Folhei os documentos, vários, e achei o tamanho inicial da casa, nem lembro mais quando perguntei sobre seu esposo, então ouvi: "ele morreu em 2016", falei do inventário e ela respondeu que não seria necessário, pois não estavam legalmente casados no Brasil e então disse: "nós fomos casar na Bolívia. Ele era desquitado."
Aí me lembrei de ter ouvido na infância que casais haviam ido se casar naquele país. Infância quero dizer década de 1960.
Continuei folheando e ela falou mais uma vez, "vivemos 40 anos".
40 é um número insignificante, vejo quase todo dia: 200.000; 500.000; 800.000, até a exorbitância de 4.500.000.
Só que acordei nesta quarta-feira repetindo a frase "vivemos 40 anos juntos" e tentando imaginar os seus sentimentos, com os filhos longe, sem que os netos venham aplacar a saudade, trazendo o amor que ficou depois de 2016 junto com a tristeza da ausência, abraçada pela realidade de não poder viver sozinha em uma casa enorme e ser obrigada a deixar para traz as doces lembranças, que de tão grandes cabem no "breve espaço de um beijar".
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Abraço,