Era ágil como um gato
E era alto como um
coqueiro
Magro igual uma gilete
E era um grande
goleiro
Resistente igual imbira
E causava muita ira
Em todo grande
artilheiro.
Poema de Ademar Rafael Ferreira
O futebol vai retornando devagar, a saudade das peladas aumentando, a ponto que eu comecei a sonhar. Hoje acordei lembrando de umas peladas em que eu jogava com gosto e com raiva de goleiro bom.
Eu tinha entrado naquela fase de peladeiro artilheiro, menos né, para não parecer conversa de mentiroso, fake de mim mesmo.
Mas foi nessa fase de peladeiro, zagueiro metido a fazer gol, que eu fui criando raiva de goleiro bom. Metido a chutador de longe, eu ganhei a confiança de chutar, e cheguei a chutar bolas de até 30 metros do gol. Isto ocorreu lá no Paraná.
Aqui e acolá eu acertava um chute de longe e a bola era gol, menos em um dia em que enfrentei, na pelada AABB (Associação Atlética Banco do Brasil) de Barbosa Ferraz (PR), um goleiro medonho de bom. Alto, magro e muito ágil.
Depois continuo essa história, vou dar um salto de alguns anos para frente. Nesta época, estava em Araruna, também no Paraná. Certo dia o meu vizinho da frente, Zé Carlos, me chamou para jogar na pelada dele e de seus amigos. Lá os grupos de peladas fazem os seus próprios minicampos, cujo apelido é "Panela". O gramado daquela "Panela" era um tapete, ótimo de jogar.
Como convidado, eu fiquei esperando o segundo tempo, para quando um dos sócios da Panela saísse e eu fosse jogar. Em uma dessas vezes que fui como convidado, fiquei assistindo na sua arquibancada natural, o corte do barranco. Nesse dia tinha goleiro novo na pelada.
Nessa pelada tinha uns caras fazedores de gol. Esse meu amigo, Zé Carlos, um canhoto habilidoso, era um deles. Aquele goleiro era vendedor em São Paulo de uma indústria alimentícia. Natural de Barbosa Ferraz, vinha uma vez por mês visitar os familiares.
A pelada era de uma hora. Mais ou menos com uns cinco minutos de jogo, o time de Zé Carlos começou a criar uma chance em cima da outra. O goleiro fez sua primeira defesa e aí foram se sucedendo outras. Era de perto, era de longe, a queima-roupa e pelada foi assim até o fim. No final, o time desse goleiro fez um magro gol e venceu a pelada.
O rapaz era um fenômeno para mim. Um mês depois, nova pelada, novo show do dele, então minha curiosidade apareceu e eu comecei a soltar perguntas e ouvi o seguinte:
- Ele era goleiro de futsal e foi campeão por aqui um bocado de vezes.
Outras peladas com ele se repetiram ao longo do ano, naquela pelada da Panela de Zé Carlos, quando ele jogava, seu time não perdia.
Vamos voltar, anos atrás, àquela pelada da AABB de Barbosa Ferraz. Naquela pelada, com aquele goleiro, magro, ágil e excepcional, eu comecei a ficar com raiva. Pois bem, a pelada corria para acabar no zero a zero. O nosso time atacava forte e esbarrava no goleiro. Eu, metido a lateral esquerdo, atacando muito, devo ter dado cinco, seis chutes certeiros no gol e todos eles defendidos pelo goleiro.
O sol já não era tão quente, só a linha da luz aparecia no firmamento, o final da pelada se aproximava. Nós fomos para o ataque, dois, três passes, chute a gol, escanteio. A defesa se posicionou, o goleiro no lugar dele, um defensor no lado direito da defesa, mais perto do poste, outro no meio, o lateral esquerdo marcando o nosso lateral, o outro atacante mais enfiado, perto do goleiro, junto com seu marcador. Eu saí da lateral esquerda e fiquei pelo meio, na frente do nosso zagueiro central, distante da disputa da bola.
Nessa linha de rebote, eu aguardava a cobrança do escanteio, que era, no ataque, da esquerda para a direita. Então um colega de time foi bater, de perna direita. Ele se arrumou e bateu o escanteio, todo mundo imaginou um tipo de chute, não sei o que ele queria de fato fazer, pois o chute saiu espirrado. Quando ele cobrou o escanteio, o nosso centroavante se adiantou imaginando que a bola viria na altura da sua cabeça, mas ela mal saiu do gramado. A bola subiu apenas uns trinta centímetros e veio trôpega, enganou o nosso atacante, também quebrou a vigilância do zagueiro perto do poste, ludibriou o zagueiro central e foi passando.
Quando vi aquela bola minguando, um buraco enorme na marcação na frente do gol, eu corri, devia estar a uns cinco metros dela, estava mais ou menos em uma distância equidistante para mim e para o goleiro.
A bola veio, quicou no chão, o goleiro se adiantou um pouco, como não chegaria antes de mim na bola, ele procurou fechar o gol e fechou bem ângulo. Depois que ela quicou, subiu um pouquinho, ainda tinha força, a bola devia estar a três metros do goleiro. Nessa hora ele já era um gigante na minha frente. Quando a bola quicou a segunda vez, veio correndo mansa pelo gramado lisinho. Nessa hora eu já estava com raiva, pois todos os meus chutes, alguns bem difíceis, tinha sido defendido por aquele goleiro.
A bola continuou vindo e eu fui chegando de corpo inteiro, veloz e sem marcação, com o goleiro a menos de três metros, enfiei o pé, enfiei o pé com jeito e com gosto, nada de dominar, tentar na categoria fazer o gol, chutei como um zagueiro chuta no sufoco. Chutei com raiva e o choque do meu pé com a bola fez um som forte, a velocidade foi tanta que mal o goleiro se mexeu, gol. Nem sei se gritei, vou imaginar que eu disse assim:
- Porra!!!! Gol!!!!
Mas do goleiro, eu ouvi claramente:
- Você tá doido! Precisava dar um chute desse, com tanta força!!!!
- Precisava, você tava defendendo tudo.
O goleiro se calou, eu dei as costas e voltei para a lateral do minicampo.
E o placar da pelada? Não sei, deve ter sido um a zero.
Abração. Semana Iluminada.
Marconi Urquiza