sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Sobre livros e sobre vidas

 

Foi este livro que me inspirou a criar o título O Último Café do Coronel

 "Até no mundo real
  Pode ter dualidade.
  No campo da ficção
  Pode existir verdade.
  A verdade nunca é
  plena
  E a ficção armazena
  Algo da realidade."
              Ademar Rafael Ferreira


Alguns títulos de livros me atraíram à leitura. Vou citar quatro, são eles e na ordem de leitura:

- Travessuras da Menina Má;  O Negociante de Inícios de Romances; O Vendedor de Passados e, O Mapeador de Ausências.

Todos os livros trazem invenções com fatos concretos, só não consegui concluir a leitura de O Negociante de Inícios de Romances. Na metade da leitura não entendi a proposta do autor e parei.

Travessuras da Menina Má, de Mário Vargas Llosa, é um livro do qual tenho uma enorme dúvida, mesmo passado tanto tempo da sua publicação. Enquanto lia, logo após tê-lo feito e 14 anos depois da leitura, sempre que lembro dele sinto o comichão da dúvida. O romance é uma história real? Se não for, a sua capacidade de  iludir chegou à perfeição. Para mim é o melhor livro de Vargas Llosa, dos seis que li. É de uma mulher diferente de tudo e de um homem esquisitão, com um amor perpétuo e impossível por essa mulher.

Muito tempo depois estou em uma livraria e vejo o romance: O Vendedor de Passados.  Desta vez li a quarta capa e a orelha.  Aquela apresentação curta me fez comprar o livro. A prosa leve, um português parecido com o nosso, uma história cativante, um personagem engenhoso, outras tantas querendo um passado novo e distante do período colonial de Angola.  José Eduardo Agualusa, com uma prosa leve, passeia pelo bom humor, pelo trágico e pela história da violência da Polícia Política colonial de Portugal.

Na última segunda-feira conclui a leitura de O Mapeador de Ausências. Ele se assemelha ao livro de Agualusa nas revelações das atrocidades da polícia portuguesa em Moçambique, nos estertores do regime colonial. Tal como, O Vendedor de Passados, a prosa é leve. O vai e vem do presente e passado é bem marcado.

Fui buscar nesse livro ideias que me propiciasse desenrolar o novelo que se transformou o rascunho de O Último Café do Coronel. Um livro que sai da ficção e cai com uma bomba na biografia de um período pesado de Bom Conselho, de minha mãe e irmãos, como para mim, dos amigos de meu pai e até de alguns adversários dele daquele período.

Não posso afirmar que achei um caminho, ou uma ideia para prosseguir, ou mesmo um modo de imitar Mia Couto.  Não achei nada, além de uma ótima leitura. Mas fiquei a matutar. Quanto de passado a ser “resolvido” existe nas pessoas? Quanto de história precisa ser “revivida” na mente e no coração para ser, de fato, colocada no mapa da ausência?

Como projeto de escritor, este talvez seja o maior desafio da minha vida, como um controlador de voo das emoções que estão amarradas com correntes de um elo só, para que não escape, nem tenha espaço para se mover e não perturbar.

Como muito se escuta por aí, o passado deve ficar no passado. Mia Couto vem trazendo as histórias dos ausentes como se elas fossem mal contadas pelos que estão no futuro e no presente.

É um contraponto com O Vendedor de Passados, onde o passado não precisa ser esclarecido na sua inteireza, que seja de verdade. O passado é para os vivos, é para se transformar em um passado que os orgulhe e que possam apresentar-se bem com eles.

Aqui e acolá estoura uma fraude de uma biografia inventada, a mais comum, uma pessoa que diz que fez doutorado no estrangeiro, sem ter feito; ter feito formação profissional e as apresenta como concluído, sem que tenha de fato ocorrido. O Vendedor de Passado é para esse público, que deseja uma biografia foda.

O Mapeador de Ausências é como um mapa, em que aqueles personagens vão revisitar os ausentes há muito enterrados, mas vivos. É um pouco como o que veio ocorrendo quando tive o impulso de escrever O Último Café do Coronel. As pessoas que poderiam me ajudar a entender aquele tormento, toda aquela confusão e toda a dor, estão quase todas ausentes. Os poucos que restam, não conseguem falar do assunto, a emoção toma conta e eu choro junto.

Escrever Decisão de Matar, com toda a sua gama de história real, ficcionada, foi muito mais fácil. Várias daquelas ocorrências drásticas eu soube em tempo real, mas fui mero expectador, a dor não me atingiu, o sufoco e as mortes foram de outras famílias. Apesar disso, mais de 25 anos após certos eventos que estão no livro, eles passam por minha mente como se visse um filme. Aqui foi um ficcionista olhando as coisas quase de longe.

Cá, em O Último Café do Coronel, a emoção estava presente em cada hora que escrevi, em cada hora que ficou na gaveta. Eu não era um ficcionista inventando, até tem muita invenção, também não era um biógrafo, trazendo os fatos com a objetividade do historiador, ainda que se utilize das técnicas literárias. Era o filho que quis escrever sobre os últimos meses da vida de um pai, morto em meio de uma disputa política, história da qual nenhum historiador se aventurou em contar, nem eu conseguirei fazer.

 

Abraço e ótimo final de semana.

Marconi Urquiza


Capas dos livros:




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