
Estava iniciando a conversa com um amigo e ele já perguntou se estava adivinhando sobre morte nesta campanha presidencial. Se referia ao assassinato, na Bahia, do músico e capoeirista, Moa do Katendê, após uma discussão sobre o resultado do primeiro turno, onde o morto defendia as teses do Partido dos Trabalhadores e o assassino as teses do candidato do Partido Social Liberal. A sua indagação se deveu a minha crônica: Só faltava um defunto, escrita há quase duas semanas. A minha resposta foi de que eu estava observando uma crescente tendência de haver mais violência por causa da condução da campanha neste ano.
Há muitas pessoas que estão se sentindo empoderadas pela lado ruim, liberados de qualquer temor de punição, sem ligar para a lei, sem ligar para a sociedade, para nada, apenas para sua própria maldade. Destravou qualquer princípio moral que pudesse estar bloqueando a violência nos agressores. Não existe mais o motivo de autodefesa. É punir e punir, punir e punir quem seja minimamente discordante. Foi-se embora por um bom tempo a aceitação da pluralidade, da diversidade.
Esta liberação, incitada por um discurso político radical, agressivo e que apaixonou brasileiros demais. Vou repetir, apaixonou, jogou a razão pelo ralo sem um cordão por onde ela pudesse ser puxada.
Políticos ao longo da história fizeram isto. Armênios foram diziminados na Turquia no início do Século XX, os judeus, nem preciso falar, os curdos iraquianos durante a ditadura de Saddam Hussein. Os Tútsis foram mortos aos montes pelo Hutus em Ruanda, 800 mil pessoas mortas de todos os jeitos, facões, tiro, estrangulamento.
Vi uma entrevista de um homem Hutu na qual ele disse uma coisa mais ou menos assim. Antes do genocídio nunca havia feito nada de violento, mas no meio da barbárie saiu matando, perguntado se havia algum motivo, a resposta foi nestes termos: senti um ódio imenso por aquelas pessoas. A outra pergunta: muito foram seus vizinhos. Tiveram problemas com eles? Não, eles eram Tútsis e os Hutus estavam matando, eu sou Hutu. O contexto transformando boas pessoas em más.
A barbárie no Brasil está empoderada nesta campanha eleitoral, até parece que todos que não estão com ele formam uma etnia como os Tútsis. O líder que instiga tais comportamentos não tem controle sobre seus apoiadores e ao responder sobre o assassinato de Moa do Katendê quase que eu ouvia um: "Que é que eu tenho haver com isso." Pilates?
A barbárie no Brasil está empoderada nesta campanha eleitoral, até parece que todos que não estão com ele formam uma etnia como os Tútsis. O líder que instiga tais comportamentos não tem controle sobre seus apoiadores e ao responder sobre o assassinato de Moa do Katendê quase que eu ouvia um: "Que é que eu tenho haver com isso." Pilates?
Eu tenho duas vivências que podem ilustrar o destravamento moral. Em uma delas houve a mudança de religião, em outra ocorreu a mudança de um gestor de uma empresa, grande, cheia de regras, normas de conduta, de ética, compliance, regras externas, legislação a dá na canela.
Em tese, qualquer religião deve ter preceitos morais que tendem a levar os fieis a terem condutas morais superiores, respeito ao próximo, respeito a sociedade, tolerância à diversidade sexual e racial, apoio a drogados na sua recuperação, união das famílias, respeito as autoridades em geral. Todas pregam o temor doutrinário a Deus como forma de manterem as "bestas" interiores de cada pessoa dominada.
Minha exemplificação se deveu ao convívio de nove anos com uma funcionária da nossa família. Em 1988 ela mudou de religião. De imediato observamos um fervor religioso que ela não tinha. Contentes vimos a vaidade pessoal mudar, passou a andar arrumada, se enturmou com as colegas de igreja, até a sua conduta mudar conosco. Alguns meses depois da conversão à nova religião começaram os problemas, algumas pequenas perdas, deixou de cumprir a sua responsabilidade diária com zelo, começou provocar perdas de alimentos por negligência, ora cozinhava demais, ora não armazenava no refrigerador, entre outros problemas. Era como se suas falhas fossem a cada evento religioso perdoadas. Ela viveu nesta religião por uns seis anos, até que se enamorou de um rapaz e a igreja condenou esse namoro, ela saiu da religião e recuperou seu comportamento anterior.
Exemplo simplista, concordo.
No entanto, quando uma influência ganhas ares de "certeza absoluta" o bom senso deixa de ser exercido, só a nova certeza é que conta e se o temor à lei, ao Estado não existem, acabou-se os freios institucionais. Ter aprovação dos seus pares se torna mais importante que respeitar a lei e a ordem, a barbárie tende a virar regra.
Vamos para o segundo exemplo.
Eu trabalhei nessa empresa muito tempo. Certo dia recebemos um novo gerente, técnico, de extrema habilidade interpessoal, organizado como nenhum outro com quem trabalhei e, principalmente, um líder absoluto. Vou repetir, um líder absoluto. Não encontrei em mais de 33 anos de trabalho um líder como ele. A liderança tornou fácil o trabalho, o desempenho e os resultados. Como se dizia à época: tudo de bom.
Feita esta pequena contextualização, vou trazer outra. A empresa atua em um ramo negócios dos mais regulados em qualquer nação, mesmo nos Estados Unidos. Leis, um "moi", regulamentos estatais, uma montanha, regras internacionais, rigorosas, compliance, vigilância de condutas on-line. Finalmente, regras e mais regras pela higidez dos negócios. Ponto final? Não.
Dentre os vários funcionários, havia um, bem exigente no cumprimento das regras. Certo dia eu notei que ele havia deixando de cumprir uma das regras mais fundamentais em um cadastro de um negócio, a fidelidade à informação cadastral da renda.
Pois bem, mediante o discurso que a organização era conservadora essa liderança começou a liberar os freios institucionais, os funcionários começaram a agir burlando as regras para o "bem" dos resultados (Colocando seu trabalho em risco para atender ao seu líder). No final da sua passagem os resultados ruins começaram a aparecer, mas agora havia um novo gestor que herdou e, "Toma que o filho é teu."
Comentamos acima esses dois cosmos, um bem pequeno e o outro enorme. Neste, o esforço de controle da organização é imenso, pois luta com dois aspectos, a sua cultura, que estimula a quebra das regras na busca de se atingir os números de qualquer modo e o seu gigantismo.
Agora, imagine a situação do Brasil hoje. Com sua imensidão e com essa violência que dá ares de epidemia, estimulada desde muito, ultra estimulada neste ano, com milhões de apoiadores cegos para outras considerações, se achando gladiadores e ávidos para destruir, "querendo agradar seu deus".
Suspeito que é o início do medo de uma nação.
Abraço, Marconi Urquiza
PS:
Para uma leitura futura, o contexto desta crônica é a eleição presidencial no Brasil de 2018.