TANTAS VEZES CHEGAMOS, TANTAS VEZES PRECISAMOS IR ALÉM.
Vou começar com o título de um poema que tentei escrever em agosto de 2000: "TANTAS VEZES CHEGAMOS, TANTAS VEZES PRECISAMOS IR ALÉM. O revi nesta semana, depois de muitos anos, ao encontrar um minúsculo caderno, onde me propus, naquele mês, escrever um poema por dia.
Talvez ficasse assim:
TANTAS VEZES CHEGAMOS,
TANTAS VEZES PRECISAMOS IR ALÉM.
¨ Quantas vezes
pulsamos,
¨ Quantas vez
amargamos,
¨ Quantas desistimos, ....
Tantas vezes chegamos,
tantas vezes precisamos ir além.
Aqui acabou a redação original.
Escrevi isto, ao sabor de enormes dificuldades que me perturbava o espírito naquele tempo. Dificuldade de ordem financeira, de uma jornada extenuante. Do trabalho, como gerente do Banco do Brasil, de uma faculdade que cada vez mais exigia dos alunos, de minha própria visão de mundo, que queria ser mais e via diante de mim um enorme escudo invisível a me impedir de realizar meus sonhos profissionais. Tal como hoje, o escudo era perceptível, mas era invisível, tanto como estamos hoje, de modo amplo, diante do novo coronavírus.
Logo na primeira semana de confinamento, do distanciamento social, meu filho me indicou uma live gravada por vários profissionais que comentavam sobre a saúde mental, sobre o estado de espírito que se perturba em uma situação crítica como esta que estamos vivendo.
Ele foi muito específico ao dizer que deveria ver uma parte do vídeo (Construindo Sentido em Momentos Difíceis), onde um médico psiquiatra observava um ponto significativo para a continuação da vida em momentos extremos. Nesse vídeo ele citou um austríaco, preso em vários campos de concentração nazistas e autor de vários livros, entre eles: "Em busca de sentido". Seu nome: Viktor E. Frankl. Uma pequena biografia desse homem: Ele entrou em Auschwitz já médico e psicoterapeuta.
Acabei de ler o livro nesta quarta-feira.
Como toda leitura deste nível, ela tem inúmeras paradas, inúmeras, pelo menos comigo. Lendo e lembrando. Lembrando e lendo. Entre estas lembranças, escolhi umas poucas. Que podem ser marcos muito fortes.
Tantas vezes chegamos,
tantas vezes precisamos ir além.
Vou começar por uma mais recente. Em 2013, a agência do Banco do Brasil recebeu um novo gerente geral. Nesta época, a minha função nessa agência era de gerente de atendimento. Em dois meses, "esse cidadão", revelou a sua personalidade. De uma maldade, um capo. Nos termos utilizados por Viktor Frankl ao se referir aos homens que tomavam conta dos barracões de judeus, eles próprios, também judeus. Ele atingiu forte todo mundo, mas me escolheu como seu alvo prioritário. Pegou forte, pegou duro, pegou com raiva, mas ele não tinha raiva, tinha maldade.
Em uma das suas costumeiras reuniões unitárias comigo, eu senti que queria que eu sentisse medo, que tivesse medo dele como todas as horas.Quando eu tive a consciência disso, eu me levantei, fiquei conversando em pé. Não poderia mais deixar o medo me acorrentar.
Sabe, quantas vezes eu controlei me impulso para esmurrá-lo, quantas vezes usei o silêncio para criar uma resistência interna e não sucumbir a todo aquele assédio. Mas era o começo do fim e eu não notei.
Em fevereiro de 2015, após ele sair, eu marquei uma reunião com outro "cidadão", chefe de todo uma regional e fui lá, apesar das minhas tergiversações posteriores ao recado que queria dar.
Naquele dia eu disse, firme, intimamente com raiva. Nem sei se isso transpareceu na minha voz ou no meu rosto, mas eu disse a esse outro "cidadão": "Olhe, mande um cara que nos una, pois esse que você mandou só nos fez mal." Devia ter dito mais, mas me calei.
Naquele dia eu disse, firme, intimamente com raiva. Nem sei se isso transpareceu na minha voz ou no meu rosto, mas eu disse a esse outro "cidadão": "Olhe, mande um cara que nos una, pois esse que você mandou só nos fez mal." Devia ter dito mais, mas me calei.
Se já era alvo, arrumei uma bazuca apontada para a minha cabeça. Meses depois foi lançado o plano de aposentadoria incentivada. Como um tolo, eu estava desguarnecido emocionalmente, crendo que só por ser produtivo, me empenhar como nunca, ser um facilitador entre os funcionários e a gerência eu estaria salvo.
Não estava, logo no primeiro dia eu desmontei ao ouvir o recado que eu deveria aderir aquele plano de aposentaria. Na semana final, em dois eu recebi cinco avisos diretos que deveria sair. Por que sair? Esta era a minha pergunta? Não tinha tempo de INSS, era produtivo, até premiado recentemente. Não suportei, saí em agosto de 2015 e meu chão sumiu.
Não estava, logo no primeiro dia eu desmontei ao ouvir o recado que eu deveria aderir aquele plano de aposentaria. Na semana final, em dois eu recebi cinco avisos diretos que deveria sair. Por que sair? Esta era a minha pergunta? Não tinha tempo de INSS, era produtivo, até premiado recentemente. Não suportei, saí em agosto de 2015 e meu chão sumiu.
Anos e anos, muitos anos, uns quinze, de uma luta por uma sobrevivência corporativa, de repente, perdi o sentido da vida. Mesmo não tendo mais prazer em trabalhar no Banco do Brasil, era essa luta, diária, pesada, brigada, que me mantinha vivo.
Atabalhoado, imerso em uma crise familiar, que estava escamoteada. Que a escondia no trabalho. Eu me choquei com a realidade de ter de enfrentá-la desguarnecido da minha força de espírito. Nem a atitude, que costumeiramente me socorria, fazia sentido: "Só posso ficar assim um dia, amanhã tenho que ir para frente."
Meses fiquei neste estado, comecei a adoecer, arritmia cardíaca, pressa alta, dores de cabeça e foram elas que me levaram para um neurologista. Foi neste momento que tudo começou a mudar.
Enquanto aguardava a hora da consulta, eu peguei um pequeno caderno e comecei a escrever para passar o tempo. Em certo momento, entrou uma lembrança de uma conversa, mas principalmente da companhia que meu pai me fez algumas vezes, ao olharmos para a rua e a praça, defronte a sua farmácia em Bom Conselho, ao entardecer.
Não tinha papo na maior parte, apenas a silenciosa e forte presença dele. Esta recordação me levou a pensar em uma cigana e aí comecei a escrever compulsivamente, na velocidade que a minha mão podia. Estava nascendo o livro A Puta Rainha.
Pouco a pouco, isto foi me dando um sentido para a vida. Foram 35 cadernetas do tamanho A5, com cerca de 90 páginas, 3.150 páginas, manuscritas, durante um ano e meio. Estava tudo não caótico, como eu estava naqueles meses, que levei mais de dois anos para transformar tudo em um texto possível de ser lido.
Hoje, quando estou revendo a pontuação, vejo como havia uma ânsia de escrever, de viver, de me achar e me achei. Trouxe lá do fundo de meu ser, uma vocação, a vontade e o redescobrimento daqueles poemas escritos aos 12 anos. Nunca pensei em ser escritor, quis ser jogador de futebol, quis ser engenheiro, quis ser arquiteto, fiz vestibular para medicina por influência do meu pai, fui bancário por desejo de casar e fui ser gerente por gosto e sentido de realização.
Aqui encerro essa seção autobiográfica.
A maioria do que leem esta crônica estão rodeando os 60 anos. Praticamente todos foram bancários. Quase todos em situação de risco diante dessa pandemia. Muitos, como eu, nervosos, com seus estados emocionais alterados. Muitos, creio, pensando na finitude, talvez pensando nos arrependimentos, das dores do que não fizeram e da maldade que praticaram. Tudo passa rápido, mas agora a câmara lenta entrou em ação. O tempo não passa, os marcadores de tempo, que passavam rápido por nossas vidas, estão vindo lentamente.
Devem estar passando pela tortura de se ver diante de um carrasco, não de um oficial da SS nazista em um campo de concentração, mas do vírus, que não sabemos quando chegará. A ciência diz que chegará em algum momento, pois não tem vacina à vista no curto prazo.
Pode ser que, para algumas pessoas, como tenho visto da varanda do apartamento aqui na Av. Rosa e Silva, vizinho ao Náutico, já tenham desistido de viver e a quarentena não tenha nenhum valor. Por que, para essas pessoas, a vida pode ter perdido o sentido. Que há muito tempo ela já não tinha sentido para elas. A pandemia, pode ser a perfeita desculpa para se desistir de viver.
E para nós?
TANTAS VEZES PRECISAMOS IR ALÉM.
¨ Quantas vezes
pulsamos,
¨ Quantas vez
amargamos,
" Quantas desistimos, ....
Tantas vezes chegamos,
tantas vezes precisamos ir além.
(Araruna, PR - 19.08.2000)
Abração, Marconi Urquiza


Li este Vou ler.
LINK DO VÍDEO:
Ver dos 15 aos 38 minutos.
