sexta-feira, 28 de maio de 2021

Viagem de Uber


De repente a sabedoria se preenche toda em uma frase: Cada coisa tem sua hora e cada hora o seu cuidado.

Em muitos momentos da vida como gostaria de ter visto e absorvido essa frase de Rachel de Queiroz. Teria poupado muita agressividade gratuita.

Pois bem, essa história começa nos primórdios de andar de Uber em Recife. Naquele tempo ainda causava briga com os taxistas. Temendo um encontro desagradável, saí da frente da Honda na Av. Mascarenhas de Morais. Atravessei a avenida e fui caminhando até um ponto de ônibus. Pedi o carro e sentei-me para aguarda-lo. Chegou um ônibus e esvaziou a parada. Um pouco depois chegou uma passageira e ficou na beira da calçada.  

Pelo GPS vi o carro tomar um rumo diferente e se demorar. Mais um tempo, ele chegou e o motorista reduziu a velocidade, parou alguns metros depois da parada.  Dei um trote e entrei no Palio marrom.  Com cheiro de novo.

O motorista deu partida e mais à frente disse que o GPS do Uber o havia enviado para trás da concessionária da Honda, motivo do seu atraso. Aquiesci. O papo correu mais algumas palavras, não recordo como mudou de assunto e o motorista, em certo momento falou que tinha 65 anos. Disse-lhe que a sua aparência não revelava a sua idade. Não houve aquele sorriso costumeiro de contentamento. Isto já beira uns sete anos.

Quando o fim da avenida se aproximava perguntei como estava a praça, se estava ganhando dinheiro. Pergunta que fazia sempre que tomava um Uber. Não lembro bem como o assunto de negócio virou uma conversa pessoal. Ao escrever veio claro em minha mente ele me olhando, aquele olhar, que só depois de muito tempo é que entendemos ser o prenúncio que o interlocutor quer dizer algo diferente do de uma conversa meramente casual. 

Queimei as minhas lembranças em busca do momento em que a conversa, de pessoal virou séria, de repente ouvi:
- Eu tenho câncer - olhei para o homem.  Não parecia doente. Depois de pensar um pouco, disse:
- É uma doença medonha, afeta toda a família 
Ele emendou:
- Meus filhos querem que eu fique em casa, mas eu disse que ficar sem trabalhar morrerei mais cedo. Um pouco de dinheiro ajuda, mas tenho que me ocupar. 

Balancei a cabeça concordando com ele, depois silenciei. A minha mente em turbilhão pouco podia dizer, não sabia como consolar e se era possível. Sequer tentei mudar de assunto, deixei que ele tivesse a iniciativa de continuar falando ou não.

Um tempo depois chegamos ao meu destino.  Ao sair  do carro me sentia pesaroso, penso que ele, um pouco aliviado.

Sabe por que tudo isso veio agora, sabe? De repente, para mim, um amigo anunciou que faria uma cirurgia no dia seguinte. Surpreso quis saber por que: câncer.

Ao ler a resposta desse amigo me ocorreu o mesmo silêncio introspectivo do dia do encontro no Uber. Igual silêncio que  me  ocorreu várias vezes nos anos em que atendia os clientes bem doentes no Banco do Brasil, na agência Agamenon Magalhães, situada próxima a vários hospitais e clínicas de Recife. 

Em vários momentos, alguns clientes mostravam nos braços e na face a saúde em declínio. Até me pareciam terminais. 

Tentava compreender e não ser agoniado, ouvir as queixas sem reclamar e nem condenar.  Sem demonstrar desconforto e nem pressa. Ajudava no que fosse possível.  Aqueles anos foram os do meu sacerdócio e de profundo significado para a vida. Aprendi a ouvi-las respeitosamente, olhando nos seus corações.

Para finalizar quero lembrar de um amigo que se encantou.  Uma pessoa de voz suave,  rosto leve, sorriso doce e índole acolhedora. Assim era Adilson Tilim, lá de Surubim. 


Abração. Ótimo final de semana.

Marconi Urquiza




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