sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Só faltava um defunto.


Foi preciso esperar até o começo do século XX para se presenciar um espectáculo incrível: o da peculiarísssima brutalidade e agressiva estupidez com que se comp... Frase de José Ortega y Gasset.



1 Conheci o filósofo espanhol Ortega y Gasset por acaso, quando um presidente de sindicato utilizou uma das suas frases mais famosas ao iniciar uma assembleia: " O homem é o homem e suas circunstâncias", só não disse a autoria. A frase me tocou tanto que meses depois não a havia esquecido. Era necessário ler o autor, felizmente um filósofo de fácil leitura e aí dei de cara com a versão escrita no livro: "Eu sou eu e minhas circunstâncias, se não salvo a ela, não me salvo a mim." 

2 Nesta semana eu estava tentando diagramar um poema para a crônica Minha Utopia, perdi a paciência e abandonei a ideia, foi quando surgiu, quase pronta esta crônica. Uma narrativa longa em um texto curto, a história dando o seu testemunho e fui atrás de Ortega y Gasset para me ajudar nesta tarefa.

3 Essa história começou bem longe, longe no tempo. 1911. Naquele ano uma violenta eleição saiu de Recife e chegou em Bom Conselho. Foi a briga entre os Dantas Barreto contra os Rosa e Silva e a bala forrou o solo pedregoso da cidade.

Um rancor eterno se instalou no espirito do povo, mas hoje sei que é muito mais que isso, pois aqueles lá de antigamente já se foram todos e esse rancor foi se renovando a cada geração, a cada eleição. Só que eu nunca entendi, o caso esteve acima da capacidade de compreensão até bem pouco tempo.

Cansei de me perguntar, Por que? Por que eram amigos, conversavam, bebiam juntos e no tempo de uma eleição se tornavam inimigos? E não eram poucos.

Em 1968, em plena ditadura militar no Brasil, eu presenciei o primeiro arranca rabo de fazer jus a uma briga fratricida. O coronel Zé Abílio ainda estava vivo, a sua habilidade de liderar fez conviverem perfis tão diferentes quanto os povos que formaram a Iugoslávia. Mas teve um custo, a semente do rancor virou uma pequena árvore agourenta.

Lembro que em primeiro de janeiro de 1969 todo o grupo político do Coronel Zé Abílio saiu da casa do prefeito eleito, Manoel Luna, foi visitar a  casa do adversário derrotado em uma tentativa de apaziguar os ânimos. Mas aquela plantinha estava vicejando.  

8 A eleição de 1968 foi tão crítica, tiveram tantos conflitos que as lideranças se reuniram e decidiram escolher um candidato único em 1972. Uma frustrada tentativa para pacificar a cidade, pois o resultado foi a ascensão de um homem truculento, belicoso, um coronel no espírito vicejante da República Velha. Aquela arvorezinha de 1968 já era uma árvore crescida, bem no meio da praça, sem que ninguém se desse conta que ela estava lá. Ela estava lá, sempre agourenta.

9 Chegou 1976, minha percepção dos conflitos daquela eleição eram difusos, meu pai esteve enterrado nela até o pescoço. Hoje me parece que o grupo político, novamente com a liderança de Manoel Luna, queria lavar a alma pela escolha errada de 1972, era fundamental derrotar o prefeito e seu indicado. Bem, mas, aí a peleja saiu da quase violência para uma violência real, explícita. Só faltou o defunto. Eleição ganha pelo grupo de Manoel Luna, mas o ambiente ficou em eterno suspense. A árvore era agora adulta, viva e incapaz de oferecer uma sombra.

10 Sabe, a violência regada desde 1911, regada em pequenas doses, foi criando um valor para aquela comunidade. Valia mais a truculência que o diálogo, o rancor imanente virou um ódio difuso e escancarado. Bem, eleição de 1982 e o defunto que faltava chegou, chegou com o meu pai, chegou na figura de um pistoleiro, chegou depois que as urnas se fecharam na figura de cidadãos comuns, chegou, finalmente, na figura de um agente público. O Estado agiu, encerrando os desmandos.

11 Li outro dia que o marco de ódio que corre envenenando os brasileiros se iniciou em 2014, foi não, o seu maior incentivo ocorreu bem antes. É uma construção histórica. Pode escrever, desde as primeiras eleições da República. Mas puxando para uma situação bem mais recente, trinta anos, desde que na disputa pela presidência da República se enfrentaram candidatos, um apoiado pela elite brasileira, de qualquer estirpe, e o outro, um candidato sem pedigree.

12 Lembram daquela árvore agourenta que falei no início, ela é agora uma gigante que sombreia com seus galhos secos, mais agourenta que nunca, os nossos dias.

Abraço,

Marconi Urquiza



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