sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Merece - um trabalho eterno

 


https://exame.com/bussola/a-mulher-e-a-invisibilidade-do-trabalho-eterno/


        O nome dela não é Merece, muito menos o sufoco de sua vida de 90 anos. 

        Soube que ela chegou naquela família com 15 anos. Os pais tinham falecido e ela já havia sido rejeitada por outra casa.

        Ali, foi como se fosse a última chance de um teto e alimento, antes de virar uma mulher da vida. 

        Teve essa última chance e pode se dizer que  sua vida perdeu todo resquício de vida própria. Não teve forças para reagir.

        Cozinhar,  passar,  arrumar  casa e ainda servir de dama de companhia.  Uma vida absolutamente dedicada à sua senhoria. Outra mulher.

        A conhecemos com 75 anos. Andava cansada,  com a vista ruim e o máximo de sua parca liberdade era fazer compras para a casa no Supermercado Bompreço perto do nosso prédio. 

        Certa vez comentei com a esposa que achava a caminhada de Merece um abuso. Hoje, após saber que as idas dela ao Bompreço era um dos poucos momentos de felicidade daquela mulher, que foi impedida de formar uma família. 

        Aquele passo lento, apesar da idade, era muito mais pelo pesar de voltar para uma casa onde a opressão a massacrava.

        Aí um dia minha esposa ouviu um pedido angustiado de Merece diante de mais uma humilhação: Meu Deus me leve embora daqui!

        Deus não levou, e ela viveu mais três anos proibidas de até ver tevê quando desejava. Às vezes se refugia ouvindo o rádio em som bem baixo para não incomodar à sua senhoria.

        Antes que o senso comum leve a imaginar a cor da pele.  Merece era branca e de olhos verdes. 

        Merece viveu uma vida sem amor.

        E morreu sem amor.

        Sem amor.

        
        Bem, por hora, é só.  Marconi Urquiza. 

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