sexta-feira, 2 de abril de 2021

LOUCO PARA ABRAÇAR




    Marano não gostava do seu nome, preferia o apelido Marinho. Quando alguém lembrava desse nome estrangeiro em tom jocoso, ele se irritava.
    Há muito que não viajava. Lhe deu vontade de pegar o carro e sair sem destino certo, com paradas aleatórias. Uma viagem longa.
    No mesmo impulso do pensamento, ligou para os filhos, avisou para onde iria. Andava sozinho há tempos. Arrumou a mala, a bolsa com as roupas que trocaria na estrada. Supriu a nécessaire com os remédios e com os itens de toalete.
    O seu carro estava quase sem uso, saía pouco nele, não era raro encontrar teias de aranha nos pneus. Fez uma revisão básica. O tempo corria para a Semana Santa. Faltando três dias para o Sábado de Aleluia pegou a estrada. Concentrado e descansado, conseguiu percorrer no primeiro dia 1.100 km, no segundo dia, o cansaço chegou mais cedo e perto das cinco horas da tarde encostou em um hotel com mais 900 km na bagagem.
    Faltava cerca de 500 km. Às quatro da manhã do terceiro dia caiu na estrada. Dirigiu rápido, às onze horas ele foi vendo a Serra Majestosa.
    Entrou na cidade, deu uma volta, reconheceu algumas casas e nenhuma das pessoas que transitavam na rua. "Onde estão meus conhecidos? Morrerão?" Talvez não reconhece mais nenhum depois de 30 anos.
    Sentiu sede, lembrou do Bar do Pereira, virou o carro e foi para a rodovia que ligava a sua cidade natal com a vizinha. Viu o bar, o velho nome permanecia, o local também, haviam repaginado o prédio.
    Entrou, passou por uma porta, ao sentar chegou o garçom, pediu uma cerveja e uma batata frita.
    Daquela mesa ele via a Serra Majestosa inteira. Estava verde. Havia chovido naquela semana.
    Marinho levantou o copo e começou a beber, nisso passou um homem, que olhou para trás e foi a quatro mesas de distância. Juntou mais três e sentou. De novo olhou para Marinho, que já era servido na segunda cerveja.
    Lá na mesa do outro homem chegaram mais três amigos, quase todos da mesma idade. De cabeça baixa o nosso visitante não viu a aproximação do seu vizinho de bar.
    Quando deu por si, o homem estava a um metro dele, o olhando fixamente:
    — Pois não?
    O homem não respondeu e continuou com aquele olhar de quem via um fantasma.
    — Diga! — A voz de Marinho saiu meio irritada.
    — Venha cá, Marinho! Dê um abraço. Ei, turma, Marinho voltou!!!

    Em algum lugar um poeta começava a declamar:
       Estamos louquinhos,
       Louquinhos para beijar.
       Nem fale,
       o quanto estamos
       louquinhos para congraçar.
       Estamos louquinhos pela vida,
       Nem diga,
       louquinhos para abraçar.


      Doidinho para abraçar. Feliz Páscoa.
     Marconi Urquiza


PS:
Era para ser apenas um exercício de escrita criativa, mas se transformou no desejo, o mesmo de Marinho de reencontrar pessoas queridas.

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