Édouard Louis é escritor francês, 32 anos, seis livros publicados, livros de autoficção, que é o gênero literária como uma autobiografia ficcional. Foi ele que disse que a violência ser como um fluxo, como uma corrente elétrica, repassando a violência para outros!
Ele esteve na FLIP - Feira Literária de Parati e na última segunda-feira foi o entrevistado no programa Roda Viva da TV Cultura. Foi lá que o conheci. Vi na quarta-feira e repeti ontem.
Quis ouvir de novo suas reflexões a respeito da violência como um sistema, especialmente contra os pobres e precarizados.
Falou de um paradoxo que sua mãe revelou, que um livro era para ela uma agressão, de algo que seria inatingível e que ela se sentia humilhada e tinha raiva quando ele aparecia com livros em casa, mas, ao mesmo tempo, sonhava em ter uma casa como a Donald Trump, ainda mais inatingível. Mas mesmo assim, com tal sonho se sentia feliz.
Já na primeira vez que ouvi Édouard Louis o tema da violência ganhou outra dimensão nas minhas reflexões, nas minhas quase autoficções dos três romances que escrevi em que isto é muito forte, dois publicados e um no prelo.
Há tempos que eu perguntava a razão de, ao escrever romances, me voltei para retratar a violência, no sentido amplo do termo. Pois uma violência física também vem acompanhada de uma psicológica e esta pode ser sútil quando for, provoca tanta dor quanto um tiro na barriga.
Então, voltando. Há tempos que eu me perguntava por que essa tendência de escrever romances em que a violência é o personagem oculto; se nos contos e nas crônicas isto não ocorre, são textos suaves, alguns idílicos, como o poema Decreto do Carinho. Este é o meu paradoxo, o confronto com a realidade que me atingiu em diversos momentos da vida e o desejo de que tudo fosse de uma paz imensa.
Enquanto tenta prestar atenção na legenda das respostas do escritor eu me ausentava pensando nas violência percebidas ao longo da vida. Naquela que conduziu minha vida nos últimos 12 anos de trabalho no Banco do Brasil, aquela de minha adolescência, sendo fustigado por ter um espírito independente e de certo modo altivo. Na defesa que achei no silêncio, ora para não sucumbir, ora para não agredir.
Era ele respondendo, e era, sobretudo, eu viajando nas minhas reflexões. Foi tanto que esbarrei nos tempos iniciais que comecei a jogar futebol. Grosso, perna de pau, de levar drible e ainda ser gozado. Da minha imitação, quando me defini com peladeiro defensivo, que para ser respeitado era preciso ser caceteiro (gíria do futebol que indica que o cara bate dos demais jogadores), até que em algum momento eu mudei, comecei a imitar os jogadores mais técnicos da defesa.
Ontem conversando sobre jogar futebol com o Personal da academia eu achei a resposta: para ser respeitado era preciso jogar bem e não necessariamente violento ou viril, na nomenclatura enviesada do futebol. O fato é que me tornei um peladeiro melhor e surpreendentemente para mim, mais técnico. Nunca me imaginei dotado de alguma técnica, mas aprendi a dominar bem a bola, dar um bom passe e outras coisinhas a mais.
Aí Édouard Louis falou: a violência como fluxo... que atravessa os corpos... violência que recebe e faz nos outros como uma corrente elétrica. Nesse momento tive um curto-circuito.
Pela primeira eu tive consciência de que o personagem Aleixo, do romance Decisão de Matar, sou eu e que as suas ações foram as minhas fantasias de vingança pela morte de papai.
Imaginei uma pequena bomba estourando um pneu em uma curva de alta velocidade no caminho de Garanhuns e lá do lado uma ribanceira esperando o carro para despedaçá-lo.
Aleixo criou uma arma, a partir de um tanque de guerra de brinquedo com controle remoto, para poder matar o personagem Carlos Rivera, que nem sequer o havia feito mal, mas havia feito mal a muitos com sua cobiça e desonestidade.
Nisso a entrevista prosseguia enquanto eu fazia tais reflexões, em certo instante ele disse que fugiu daquela situação que o oprimia, ser diferente do sonho que seu pai tinha dele. Das pessoas que o agrediam com palavras, da pobreza e da precariedade em que vivia no norte da França e da literatura que o salvou de alguma forma.
Não posso dizer que escrever o personagem Aleixo e sua história no romance Decisão de Matar me livrou de fluxo de violência, não. Isto ocorreu por que meu próprio pai que nos educou evitando a cultura e o pensamento de vingança, de não cultivar um espírito de rancor, apesar de ter dito que se fosse morto era para nós nos vingarmos. Mas seguimos em frente, juntando os cacos, evitando os encontros que pudessem ocasionar o desejo insano de se vingar.
O que Aleixo fez para mim foi a oportunidade de sepultar aquelas lembranças que um dia tive, com ele enterrei todas as minhas fantasias de ser um vingador e as transformei em uma narrativa ficcional.
Posso afirmar que isto foi maravilhoso, pois não teria tido nenhuma chance de ver os filhos crescerem e de conhecer agora, os nossos netos.
Enfim, Édouard Louis me fez um enorme favor ao me estimular a escrever estas reflexões.
Por hora é só.
Abração, Marconi Urquiza
