Foi tudo tão muito, e imensamente, tão pouco.
Por muito pouco eu não iria para um reencontro com amigos. A pandemia já dava as suas caras e eu pensei, no duro, eu pensei: "E se não eu não tiver outra chance?" Por causa dessa pergunta, ganhava em mim uma dimensão, que sempre esteve por aí na vida: a da urgência, do querer fazer tudo que fosse possível.
Pois bem, só fechei a viagem quatro dias antes da data. Mandei revisar o carro e nos preparamos para viajar. Eu e Nega.
Então dois dias antes, pegamos a estrada para o Primeiro Encontro dos Ex-Funcionários do Banco do Brasil em Afogados da Ingazeira. A viagem, com estrada conhecida, muito conhecida por mim até São Caetano. Não sei contabilizar quantas vezes passei por este trecho. Cem vezes, é bem provável. Então foram cerca de 150 quilômetros só olhando para a rodovia da BR 232. O túnel da Serra das Russas já havia ficado para trás.
Caruaru nem via mais no horizonte, quando passamos de São Caetano, a viagem se transformou para mim. A memória começou a comparar o presente com as minhas lembranças e eu comecei a narrar para minha esposa a primeira viagem para Afogados da Ingazeira em janeiro 1982. Naquela tarde de sábado, eu ofereci a um policial militar uma carona, minha companhia até Sanharó, naquela primeira ida, trinta e oito anos antes. Era um jovem de 22 anos.
Uns quilômetros à frente, chegamos em Belo Jardim. Do lado cá, meu sogro teria dito, se referindo do lado direito da rodovia, estava tudo quase do mesmo jeito, mas do lado de lá, esquerdo, muito havia mudado.
Lá na frente, eu me lembrei:
- Você se lembra quando viajamos com três grávidas para Recife?
- Lembro, - foi a resposta de Nega.
Eram as esposas de dois outros colegas. Um dos casais, da Bahia, colocou o nome do seu primogênito de Marconi. Uma honra nunca agradecida. Não lembro do nome desse colega, nem sei onde moram e como está o filho.
Ainda mais à frente, em Pesqueira, fiquei em dúvida e comentei:
- Nega, tem um hotel por aqui, - mas não lembrava de qual lado. Era do lado direito, indo para Afogados. Quando eu vi, exclamei: "Olha, é esse!" Menos de um quilômetro, viramos à esquerda, descemos a ladeira e cinco quilômetros depois a estrada estava na mesma.
Chegamos em Arcoverde, visualizei a Chevrolet Tamboril do lado esquerdo, busquei com os olhos um antigo arquivo geral do Banco do Brasil, do lado direito, até lembrei do dia em que a cruzei o centro da cidade, chovia forte e o velho Chevette jogava água para dentro, por um buraco aberto do canto do para-brisa, pela ferrugem.
Deixamos Arcoverde para trás e vimos Cruzeiro do Nordeste. Aquela vila em que foi rodado parte do filme Central do Brasil. Na frente de Polícia Rodoviária Federal, pegamos a direita e seguimos para Sertânia. Qual não foi o desapontamento, aquele pedaço de rodovia estava congelado no tempo. Asfalto remendado, pintura apagada, beirada da pista comida pelo trafego, acostamento de terra. Tudo bem semelhante a 1994, a última vez que havia passado por ela.
Alguns quilômetros depois de Sertânia, seguimos para Albuquerque Né. Depois do trevo, aquele pedaço rodovia também estava ruim, quase igual a rodovia que a gente passava em 1987. O piso permanecia todo carcomido. Quando a vila apareceu, diminui a velocidade e fui procurando com avidez a bodega, onde perdido em 1982, parei para perguntar como faria que para chegar em Afogados da Ingazeira. Até disse a Nega que pedi uma Coca-Cola antes de perguntar. Naquele nove de janeiro, a noite já havia nos abraçado.
Me lembrei que segui tateando a estrada e vi um povoado, mas ele estava distante da dela. Ao olhar para a esquerda eu vi uma casa grande, fui até lá e gritei uns três boas-noites. Já estava desistindo, quando sorrateiro, um homem alto, magro, apareceu, deu a informação que eu precisava, mas quando vi o enorme revólver encostado na sua perna, agradeci e quase correndo, entrei no carro.
Nessa ida agora, a casa estava pintada, recuperada, até corrimão havia sido colocado.
Depois de Irajai, meia hora mais tarde a gente já tinha passado por Iguaraci e entrava em Afogados da Ingazeira, mais um dia e uma noite, rolaria a festa.
Após o check-in no hotel, nós descemos para o centro da cidade. Irremediavelmente a minha lembrança me levou àquela antiga praça, cheia de areia nos canteiros, passeio arenoso. Estava em janeiro de 2020 arrumada, cuidada, arborizada. Mais um pouco eu ouvi uma voz conhecida e comecei a me sentir energizado, como nos diz o poema de Ademar Rafael:
"Sinto-me energizado
No dia que eu consigo
Reencontrar um amigo
Que me apoiou no
passado.
Recarrego a bateria.
Na troca de energia,
Gerada em cada
abraço."
Na festa nos reunimos com Alcyr, Jéferson, Tarciso, chegou Ivanílson, Belo chegou depois, cumprimentamos tanta gente. Jéferson comentou sobre uma crônica que escrevi, depois Alcyr começou a falar, vinte anos da sua vida, contada em vinte minutos. Sabe, como faltou conversa! Ficou incompleta, quase nada falei da nossa vida.
Então a música entrou, alta, a conversa foi minguando e a saudade nascendo, dos amigos que vi por lá.
Na troca de energia gerada em cada abraço, foi tudo tão muito, e imensamente, tão pouco.
Foi tudo tão muito, e imensamente, tão pouco.
Abração. Semana iluminada.
Marconi Urquiza