
No tempo trazido por esta crônica, Seu Aristóteles já tinha mais de 60 anos. Ele se tornou assíduo ou eu comecei a vê-lo com frequência quase diária na farmácia de papai após a implantação da Loteria Esportiva. Cá dentro do meu coração, ainda guardo os volantes dos palpites para Copa do Mundo de 1970.
Após a criação da Loteria Esportiva passou a viver de recolher os palpites da cidade, os recolhia em Bom Conselho e levava para Garanhuns. Muitas vezes eu o vi bêbado na farmácia de papai. Se a memória não falha, eu não presenciei em nenhum momento meu pai enxota-lo de lá por causa da sua embriaguez. Meu pai tinha um enorme carinho por ele, acho que foi uma daquelas amizades que ia da mesa de jogo para a mesa de um bar, passando pela conversa sóbria no sofá da farmácia às cinco da tarde.
Naquela época, lá em casa, a gente ouvia a Rádio Globo do Rio. Eu e meu irmão Marcello sabíamos de todos os resultados dos jogos da Loteria Esportiva. Muitas vezes dormíamos que com o rádio de pilhas gigante na cabeceira da cama para não perder nenhum jogo e nem o plantão esportivo. Mas rádio de São Paulo a gente não ouvia.
Certo dia, durante a semana, Seu Aristóteles chegou afobado para ouvir algo no rádio da farmácia de papai. Era um rádio elétrico, enorme, cheio de ondas (ondas curtas, ondas tropicais, etc) e dono de uma energia estática em que se ouvia mais os estalidos que a voz dos locutores. Ainda assim Seu Aristóteles foi até ele e ficou tentando sintonizar, até que achou a estação que queria, então encostou a orelha no autofalante do rádio e ficou escutando. Distante uns dois metros dele e do rádio eu tentava entender alguma coisa, tudo para mim não passava de ruídos.
Terminou o programa, ele desligou o aparelho e foi saindo. Curioso perguntei algumas coisas:
- Seu Aristóteles que rádio era?
- A Rádio Bandeirantes; a resenha da tarde.
- Mas tava ruim ouvir.
- Já estou acostumado.
Eu fiquei imaginando que ele queria acompanhar os times que estavam naquela semana na Loteria Esportiva para assessorar seus clientes, não era para isso. Queria mesmo era ouvir os comentários sobre o jogo da noite anterior e completou a informação com o que de mais importante julgava: "O Corinthians perdeu." Agora, passando dos quarenta e cinco anos desse curto diálogo, fiquei com a impressão que Seu Aristóteles era corintiano e o ano de 1974 foi mais um de frustração, pois que, as suas sobrancelhas baixaram e a voz saiu triste.
Abraço, Marconi Urquiza
PS:
Eu me inspirei no primoroso livro de crônicas A VIDA QUE NINGUÉM VÊ da repórter Eliane Brum.
Originalmente escrita em 2018.