Lá na minha infância tinha uns amigos de papai com alguns apelidos derivados de outros animais, a começar por ele.
Dr. Gia (rã grande), era o meu pai. Gordo e dono de uma farmácia, da turma dele tinha Pavão. Homem vaidoso, bem apessoado, de origem humilde e bem casado.
Outro grande amigo de papai era o Bicho Velho, Zé Bicho Velho. Homem magro, alto e com a cara de velho desde de novo.
Naqueles tempos tinha ainda o Barrão, machante, como era chamado os açougueiros por lá. Trabalhava no mercado da carne, sujeito gordíssimo, que suava às bicas, tanto que a sua pele parecia eternamente brilhosa.
Havia até um primo do meu pai, chamado de Bode Velho, pois sua voz era extremamente grave, tanto o timbre da voz quanto seu rosto carcomido pelo tempo lembravam um bode berrando.
Mas protagonizei um caso cabuloso quando soube a história de Zé Mole, sabe aquele negócio de politicamente incorreto e incrivelmente inconveniente? Foi o que ocorreu!
Zé Mole era freguês da farmácia do meu pai e ex-inspetor de quarteirão. Na época já era bem idoso, eu o atendia e tinha a curiosidade de conversar com ele.
Freguês habitual e pontual no pagamento, ele chegava falando alto no final das sextas-feiras, fazia as suas compras e se mandava, mas deixava um rastro de sua irritação congênita. Falava tão abusado que ninguém queira atendê-lo.
Mas calhou que minha curiosidade foi maior que a prudência, pois já fazia um tempo que havia ouvido a história que originou o seu apelido.
Disse papai que ele estava em uma festa quando foi chamado para dá jeito em homem que fazia arruaças. Zé Mole chegou no cara e foi usar a sua autoridade e deu voz de prisão, mas foi surpreendido.
Quando ouvi isso de papai e sua recomendação para não falar com ele do assunto eu me calei durante meses, até que não consegui me aguentar e parti para comprovar a história, o porquê o chamavam de Zé Mole e na lata eu perguntei a ele, que me olhou atravessado e eu insisti:
"Ou Zé Mole" - olhe a intimidade para um homem de 80 anos, eu que tinha 17 anos. "Ou Zé Mole é verdade que você foi dá ordem de prisão a um bêbado e ele sapecou-lhe um tapa no pé da orelha e você caiu e ao levantar disse teje solto?"
Eu havia todo tempo repetido e rido ao lembrar dele: "Teje preso! Teje solto! Teje preso! Teje solto!"
Mas o seu olhar atravessado mudou para um olhar de raiva, fechou a cara, empurrou os remédios em minha direção e saiu da farmácia batendo a bengala com força para nunca mais voltar.
Sabe aquele negócio de ficar com a boca fechada que não engole mosquito?
Pois é, eu faltei a aula de Einstein!





