sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Ele se chama Paulo Reglus



Estarei preparando a tua chegada
Como o jardineiro prepara o jardim
para a rosa que se abrirá na primavera.
                        A frase é de Paulo.

        
        Lá no início dos anos 1990 se iniciou uma jornada na busca para ser educador, logo de cara fui apresentando a um livro,  dos mais difíceis que li e um dos mais profundos também. 

        A filosofia era uma disciplina distante,  só conhecia de ouvir falar,  ainda assim, em sussurros. Era tão estranha quanto era escassa a bagagem intelectual para compreender textos que arranhassem uma reflexão mais profunda. 

        Tal livro foi tão difícil e demorado de se ler, tanto quanto foi Um Ensaio sobre a Cegueira. 

        O que eles têm em comum? Não se pode os ler com pressa, se houver tal tentativa, ou o leitor abandona a leitura, ou volta para o início na busca da compreensão. 

        Na leitura de Ensaio sobre a Cegueira foi assim, depois de quase 100 páginas de uma leitura com zero de compreensão, ir ao início foi a saída.  Isto depois de duas tentativas leituras de livros de José Saramago: O Evangelho segundo Jesus Cristo e O Homem Duplicado. 

        Vamos para o livro inicial. A sensação ao ler era que estava diante de um redemoinho ou de uma escada em caracol em que os degraus se sucediam interruptamente frase após frase.  A vontade de abandonar era imensa, a teimosia equilibrava tamanha força, no final, foram quase 90 dias de um esforço como se caminhasse 20 subidas à serra de Santa Teresinha. 

        Não é por nada, não.  É subida dela é íngreme,  até carro pia.

        A leitura fruiu penosa, sem entender a realidade que o escritor buscava me fazer, como leitor, refletir. A compreensão, parcial, apenas ocorreu nas últimas páginas, ainda assim, descontextualizada pela minha história de vida até então. Que vivia dentro de uma realidade bem distinta da situação circunsdante nas cidades nordestinas nas quais vivi até 1995.

        Muitos anos, muitos se passaram,  chegou o Tik Tok, o YouTube já era realidade, até que em 2020 assisti no Instagram Sérgio Cortela falando desse autor em uma das suas apresentações. Comecei a ver alguns vídeos,  pequenos trechos selecionados. Em um deles, aquele ancião,  de cabelo grande, barba imensa, completamente grisalha. Com um modo de falar suave atraiu meu interesse.

        Vi um vídeo, outro, outros e passei a semana pensando nele,  naquele domínio de pessoa que é Senhor de Si, do seu saber. No entanto, com tanto saber ele não era arrogante, como parece ocorrer com muitas pessoas de elevado saber intelectual. Ele era diferente, de uma serenidade pacificadora por compreender que o seu saber servia a muitos.

        Já pensou em alguém, assim, top,  mas que é humilde? Foi assim que tive uma admiração, não de ouvir dizer, mas da compreensão da sua mensagem. 

        Não sei se já desconfiam quem é ele. Lá vai. O livro é Pedagogia do Oprimido; O mestre: Paulo Freire

        Para encerrar, trago uma frase dele para refletirmos:
Quando a educação não é libertadora, o sonho do Oprimido é ser opressor.

        Já pensou a respeito? Amplie a reflexão para outros pontos da "liberdade doutrinada" em que vivemos. * Noam Chomski

        Por hora, é só. 

        Abraços,  Marconi Urquiza 


Frase de abertura, siga o link: Paulo Freire

sexta-feira, 29 de julho de 2022

Chuva na tarde

          


            Devagar ela chegou
            Sem alarde sem trovão
            A nuvem foi desfiando
            Igual pano de algodão
            Relâmpago também
            não veio
            Mas o Rio ficou cheio
            E ficou molhado o
            Chão.  
                
                Ademar Rafael Ferreira

        
        A chuva começou fininha, desceu primeiro nas ladeiras das serras que rodeiam a cidade. Depois ficou um tempo caindo no vale, molhou a estrada de terra e fez aparecer as gotas nas folhas das árvores, que foram escorregando e formando bolhas ao cair sobre o solo.

        Depois a chuva levantou voo e foi se espraiando em direção à cidade, tendo cara de chuva geral. Na direção do sertão chovia, no agreste mostrava a mansidão de chuva molhadeira, na zona da mata daquela cidade, entranhada no sopé da serra, tinha chegado mais forte e seu rastro criado uma leve enxurrada.

        Na cidade, ela foi colocando as pessoas para dentro das casas, muitas foram para frente do comércio, dos terraços e das janelas das casas olhar a divindade que chegava em forma de gotas suaves, alguns diriam que perfumavam a terra, de onde subia um cheiro agridoce.

        As pessoas mal acostumadas em não serem abraçadas pela chuva buscavam guardas-chuvas, sombrinhas e alguns se lembraram que outrora tiveram uma capa de chuvas, mas não tinham. A estiagem é a ordem natural daquelas terras teimosas e de serras caprichosas que gostam de esfriar o tempo ao anoitecer.

        Mas naquela tarde, o frio, o friozinho gostoso da boca da noite, chegou mais forte e antes de quatro horas da tarde. As pessoas começaram a procurar os cantos quentes aonde estavam. Teve gente que deixou o comércio meia porta, as janelas abertas para ventilarem as casas foram fechadas, as porta escancaradas em busca de uma fresca, fechadas rapidamente.

        Alguém, com mania de escutar a natureza, cutucou o vizinho de abrigo e disse: 

       — Você está escutando? — O outro negou com a cabeça, depois se concentrou e então voltou-se para o conhecido com ares de estranheza.

        — O que é para escutar?

        — A chuva.

        — Ah! A chuva estou escutando.

        — O que ela está cantando?

        — Agora você endoidou. Já visse chuva cantar? — O outro nada respondeu, apenas pensou: "Ele não compreende, não compreende."

        Lá longe, rua acima, um menino chegou na frente de sua casa e sentiu o frio lhe beijar o rosto, entrou dentro dela e voltou com um casaco. Na frente da porta foi escorregando, devagar, com as costas fazendo a vez de apoio e aos poucos esticou, mas com tanta preguiça, que as pernas não obedeceram, quase não se senta no chão. No fim  se apoiou na meia parede da varanda e parou o seu tempo para observar a chuva descer mansa, sem fazer as minúsculas enxurradas que tanto o divertia.

        Mas a chuva não tava nem aí, entrou pela noite, a noite inteira pingou as suas pétalas, ao amanhecer bateu as asas gigantescas, levantou voo e foi bendizer outro lugar.


        Por hoje, é só.

        Abração, Marconi Urquiza


sexta-feira, 15 de julho de 2022

Tudo que tínhamos era o vazio

                


        Naquela noite, 11 de novembro de 1982, fomos jantar. Ao redor da mesa estavam: eu, meus dois irmãos e mamãe. Não sei qual foi a razão e eu virei a cabeça para o lado esquerdo e vi a imensidão da sala,  onde todos os móveis estavam afastados, encostados nas paredes.

        A sala virara um salão, enorme, muito maior que seu tamanho real. Ao voltar a olhar para a mesa papai não estava. Era o silêncio e o vazio.

        Veio 2022, li a notícia do assassinato do cidadão em Foz do Iguaçu,  ouvi a viúva falar, a câmara focada pertinho do seu rosto, ansiava por captar a dor, mas captou o amor.

        No outro dia um amigo juntou  um áudio com a citação de um filme, o Sniper Americano, e foi chocante. Uma pancada no cucuruto, uma introspecção imediata. Horas em um silêncio que só compreende já precisou refletir profundamente. Todo contexto do diálogo do filme se sintetizou em uma frase contundente, : Lá fora tem uma guerra, se prepare. Não seja mais uma vítima, está é por minha conta. Cuidados com as provocações.

        Tudo,  tudo isso me fez mergulhar. Mergulhei nas recordações de quando escrevia páginas de dores do romance O Último Café do Coronel. 

        Imaginava, imaginava naqueles dias de escrita concentrada a dor, a angústia,  a agonia e as balas que um corpo recebeu e pereceu. 

        Para escrever fui buscar um simulacro do que doeu e matou.  Claro,  não morri. Mas a angústia daquilo que desejava expressar em uma criação literária foi bem real.  

        Então voltei a pensar na viúva,  para aquele lar no domingo à noite, caminhei pelo mesmo sentimento de 40 anos antes. O jantar daquela família, se é que ocorreu, teve um olhando para o outro e sentindo um vazio indescritível. 

Por hora,  é só.
Marconi Urquiza 

sexta-feira, 8 de julho de 2022

Tomei um Calote



    
    Quem nunca tomou?

    Mesmo assim vou teorizar em cima de uma teoria que aprendi, isto para começar a conversar.

    Há pelo menos três tipos de calote:
    - O moral,  daquela pessoa que não paga por que é mala;
    - O material. A pessoal entrou em dificuldade.  Ficou sem recursos;
    - O moral + material. A pessoa até teria um pouco de vontade,  mas a grana anda curta.

    Ah! Tem mais um: O sacanial. Minha teoria. A pessoa não paga porque quer sacanear com seu credor.

    Em abril tomei um calote de R$ 310,00. Limpamos duas camas box e um sofá. Era a terceira vez que atendíamos essa cliente. 

    Uma dos colchões tinha uma mancha de sangue,  não saiu.  É o tipo de mancha que cai na afirmação de ser impossível a sua retirada. 

    Antes da conclusão do serviço a cliente saiu do seu apartamento e não assinou o check list final. 

    Serviço concluído,  esperávamos o pagamento.  Não pagou, conversei com ela, dei opções,  não pagou. Não quis pagar. Tive dificuldade de dialogar com ela.

    Os dias passaram e fiz algumas tentativas visita-la pessoalmente, por falha minha, não concretizei. Um detalhe relevante.  Todo o contato e negociação foram feitos pelo WhatsApp. 

    Nesses dias da inadimplência fiquei imaginando, imaginando que ela deu calote por estar sem faturar,  pois a sua renda depende da corretagem de imóveis.

    Aí,  vejo no Instagram que ela viajou para São Paulo,  foi a um evento nacional para corretores de imóveis. Faz parte do seu esforço profissional. Até compreendi. Na próxima oportunidade que for a João Pessoa vou procura-la, pensei. Sem ressalvas nenhuma.

    Na última sexta-feira me organizei para ir até essa cliente, mas a falta de foco e outros afazeres tomaram  conta da minha atenção, mas,  eis que vejo, umas dez da manhã uma postagem dela no Instagram estando no Aeroporto de Recife, eu estava em João Pessoa. Minha ação acabou ali mesmo.

    No domingo,  sou seguidor dela, vejo ela postando toda feliz fotos em Cafarnaum, em Israel. Na terça foi a  vez de aparecer olhando o Mar Morto. A semana inteira é com fotos em Israel e na Palestina. Epa!

    A viagem deve ter custado uns 3 mil dólares (Em torno de 15 mil reais), aí veio uma pergunta à minha mente, cristalina, incisiva: Por que ela não pagou?

    Por que ela não pagou o serviço?

    Sabe aquele turbilhão de pensamentos que assola uma pessoa quando se sente indignada, cheguei a conclusão que tenho todas as certezas e nenhuma resposta que esclareça o calote:

    - Não quis, pura e simples; 
    - Ficou insatisfeita com o serviço; 
    - Desejava que fosse cortesia; 
    - Naqueles dias estava sem grana; 
    - É  mal caráter.

    Só saberei a razão indo até ela. Já marquei. Dia 20.07.22, nesse dia tentarei zerar as minhas certezas.

    Por hora é só. 
    Abração,  Marconi Urquiza. 





Imagem disponível em:
https://www.mensagenscomamor.com/frases-sobre-indignacao


sexta-feira, 24 de junho de 2022

Encontros imperfeitos

 

             

        "Encontros imperfeitos: o que há neles?"

        Este título revela algumas atitudes que apareceram com maior repetição desde que as redes sociais entraram em nossas mentes. Das brigas, nem precisa falar, dos namoros, das pegações, das demonstrações de felicidade, de vender e comprar; tudo isso é vezeiro.

        As redes  sociais são pontos de encontros imperfeitos, capazes de permitir encontrar quem andava sumido há muito tempo. De conversar, mesmo com poucas palavras, com pessoas que a gente queria trocar umas ideias a tempos.

        Mas nisso tudo elas vierem trazendo um nível de exigência elevado e tolerância ínfima, e que o contrário era mais fácil de ocorrer nos imperfeitos e demorados encontros presenciais ou em uma conversa ao telefone. 

        Isto se dá por que as redes sociais e a internet produzem uma velocidade enorme em tudo que passa por ela, mas como efeito ruim, diminui a nossa capacidade de reflexão e transforma, com frequência, as pessoas em reativas e não ativas. 

        É como se quase todo mundo passasse a ser alguém de "pavio curto", cuja mente interpreta tudo como se fosse uma agressão e reage com violência: verbal ou física.

        Essa velocidade, que não controlamos, tende a fazer com que certos sentimentos acompanhem na mesma pegada e outros não. O ódio, vai na maior carreira contaminar nossos sentimentos, o amor, esse parece andar na lentidão do passo de uma Preguiça.

        Como o estímulo aos sentimentos vicerais é constante nas redes sociais, há momentos que a gente se torna em tão exigente que se transforma em um ser incapaz de assimilar que todos nós somos imperfeitos. Não estou falando do ser maledicente, daquele que tem uma inveja destrutiva, do fofoqueiro⁰ que se sente feliz quando seu objeto de maldade se lasca e por aí vai.

        Veja um epísódio simples, que pode servir exemplo da questão quanto exigente nos transformamos. Um dia eu ouvi um grupo de peladeiros criticando um jogador mais grosso, mais lento, "menos craque". Esqueciam que aquele jogador era essencial para ter dois times na pelada de minicampo.

        Dia desses eu vi um cara arara, puto com uma situação, esquecido dos benefícios recorrentes, de graça, que recebeu dias seguidos. Mas estava irritado, o seu interlocutor procurava, na objetividade, resolver aquela reclamação até que um dia disse: Agora eu é que estou chateado e fez ver que havia exagero.

        Mas somos assim, a maioria é assim, eu também sou e já fui assim. Faz parte da nossa imperfeição. Se assim somos, então...

        Olha que história:

        Eram dois colegas que trabalhavam em um restaurante, no mesmo horário, lavando pratos. Certo dia, um deles, do nada e sem razão se intrigou do outro. Só que ambos saiam quase sempre de madrugada para irem para casa. O que foi alvo da ira tinha uma moto, o outro, não. Transporte para ir para casa, não havia pela madrugada. Mesmo  sem que o outro falasse com ele, o dono da moto teve a bondade de lhe oferecer carona todos os dias, enquanto trabalharam juntos.

        Depois de alguns anos, o colega que se irritara mostrou-se arrependido e afirmou que aquele caroneiro era seu melhor amigo.

        Isso é comum? Essa atitude do dono da moto, é rara. Rara.

        Então, se somos imperfeitos, bem que a gente poderia aproveitar esta viagem da vida e fazer dos encontros imperfeitos a soma de encontros que nos farão felizes.


        Voltando para a indagação de Mario Quintana em
O Eterno Espanto: 
           O que haverá com a lua que sempre que a gente a olha é               com o súbito espanto da primeira vez?

    É por aí, que tal construir esse espanto em cada encontro imperfeito?


            Por hora é só.  Ótimo feriado de São João.

           Abraços, Marconi Urquiza


sexta-feira, 17 de junho de 2022

Minha vida no Amazonas

 

Platô do Piquiá - Boca do Acre (AM)

        Parafraseando Hannah Arendt, vivemos tempos sombrios (Homens em tempos sombrios), onde o poder se apresenta carregado de maldade. É incessante, o que exige um esforço contínuo em contrário e também para não sucumbir e se deixar levar por essa maldade, se transformando em uma vítima ou um agente dela.

        Esse episódio envolvendo o jornalista e o funcionário da FUNAI me fez viajar na memória, de algumas experiências que andavam totalmente esquecidas. Não que outros acontecimentos de violência não tivessem sidos noticiados. Violência policial no Rio, latrocínios, feminicídios, novo cangaço. São tantos os casos que, neste momento, às 4:31h desta sexta-feira, percebi como isto se naturalizou. Não é a repetição que se aprende, mas a repetição que vai se entranhando e deixando algo extremo ser "natural", naturalizado.

        Geograficamente os assassinatos ocorreram na região do rio Javari, na vasta área de Atalaia do Norte (AM). Em 1987 eu fui morar e trabalhar em Tabatinga (AM), cidade maior e próxima a Atalaia do Norte. Ao chegar na cidade, já de cara ouvi que era uma cidade onde narcotráfico era o fator de girava a economia da cidade. Que era preciso ter cuidado. Foi a época que violência na Colombia, com Pablo Escobar, estava no auge. 

        O aviso inicial me precaveu como deveria ser o comportamento naquela cidade. Discreto, olhos que não viam alguma coisa perigosa, boca fechada e sódar conta da própria vida.  Tinha, então, 27 anos ao começar tal experência.

        Alguns anos depois, volto ao Amazonas, fui trabalhar em Boca do Acre, cuja cidade tinha mais relação comercial e afetiva com Rio Branco, no Acre, do que com Manaus. Fui ser gerente do Banco do Brasil. Logo que cheguei rolava um caso de um furto de uma D10 Luxe de um médico, que diziam estar envolvido com drogas. 

        A D10 estava segurada pelo Banco do Brasil. Quando essa situação me foi inteiramente informada, com todos os detalhes, saí sondando internamente sobre o caso.  Primeiro se dizia que o médico facilitou o furto do carro e depois que foi indenizado, vários meses depois, ele apareceu rodando no carro pela cidade.

        Sabe, mesmo com todo aviso, pedi a um colega que conhecia bem o carro,  para fazer uma vistoria visual e verificar se era o mesmo carro que havia sido furtado. E a resposta, é que era.  Com esta informação veio o recado: "Não se meta, ele é perigoso, sintetizado na palavra bandido."

        Este caso ficou meio frio, até que o médico foi embora da cidade alguns meses depois, seu contrato com a prefeitura não foi renovado.

        O tempo correu em Boca do Acre, não é que certo dia, após a gente andar cobrando uns devedores, entra um cidadão, de sobrenome Pamplona, que havia feito financiamento para plantar seringueira, em cultivo com mudas. O empreendimento não deu certo, os seringais artificiais não produziram e ele faliu.

        Ao ter a dívida ajuizada, ele entregou ao Banco do Brasil, para a empresa ser fiel depositário, um barco de madeira grande e era dotado de um motor potente, caro. Valia um bom dinheiro.

        Ele chegou a mim e disse: Não tenho como pagar a dívida, o bem que servia de garantia eu entreguei ao banco.  Pegamos a pasta dele e lá estava o documento em que ele entregou a posse do barco ao Banco do Brasil.

        Beleza, tudo certo, o cidadão foi embora. Foi ele sair, eu pedi ao colega que atuava com Fiscal para verificar onde estava o barco, o que havia ocorrido com ele.

        Situação corriqueira, até aquele momento. No dia seguinte ele chegou, tenso: Olha só tem o barco. O motor Fulano levou, está com ele. Esse ele, era um funcionário que havia ido trabalhar em Rio Branco. Beleza, pensei, vamos ver com ele, disse ao fiscal. 

        Foi aí que a coisa virou.  Esse Fulano emprestava dinheiro para os colegas. Depois, tinha um pai com histórias cabeludas com coletores de borracha nos seringais que gerenciava.

        Arredondando. O funcionário se apropriou do valioso motor e tinha vendido o mesmo.

        Abri um processo disciplinar, não é que certo dia, o rapaz apareceu na agência e logo no início da conversa colocou uma bolsa com revólver sobre a mesa. Na hora não senti medo, os cuidados só vieram depois que avisei ao meu chefe em Manaus.

        Veio inspetor, entrou no apaziguamento os maçons da cidade, e a coisa acalmou um pouco. Mas o processo rolava em Brasília. De repente um funcionário do Banco do Brasil, do órgão que julgava tais processos, me ligou.

        — Olhe, sou Humberto e estou cuidando desse processo que você abriu. Pediu algumas explicações e fez uma observação. Quando comentei o que era me ordenou: Abra outro processo e mande para cá. Então eu disse:

        — Humberto, olhe, esse rapaz andou me mostrando arma, tá rolando o maior estresse e eu me sinto ameaçado.

        — Abra, abra, rapaz.

        — Humberto.

        — Abra. É uma abertura simples.

        Obedeci, fiz como ele determinou.  Fiz um relatório e mandei. O tempo passou, a coisa esfriou.  Muitos meses depois chegou um resultado do julgamento daquele processo, o rapaz foi inocentado e manteve-se empregado no Banco do Brasil.

        Escapei, escapei de uma represália por um detalhe. O complemento que Humberto pediu foi considerado sem base factual.  O primeiro caso, na decisão, nem se tocou no assunto.

        Hoje, passados quase 30 anos, penso que uma rede de proteção invisivel me ajudou a criar os filhos.


        Por hoje, é só.

        Abração, Marconi Urquiza.

        

sexta-feira, 27 de maio de 2022

A p..... tomou gosto por sangue


            Ontem, ao ler uma newslatters de Leandro Demori (jornalista), intitulada A Grande Guerra, passou por minha mente uma série de recordações, reflexões e pensamentos que haviam se repetido ao longo de muitos anos. 

        Quando Leandro Demori escreveu que certa corporação policial da União tomou gosto pelo sangue, eu pensei e fiz analogia com uma corrupção de valores, em que cumprir regras, ser honesto, tornou muitos conhecidos "não confiavéis". Onde ser confiável era fazer o jogo, aceitar as novas regras - não regras, atender aos interesses dos superiores, mesmo que se ferrasse, se fosse pego.

        Muitos anos se passaram de uma reportagem, onde cerca 0 de 15 funcionários públicos, que atuavam em Foz do Iguaçu, foram presos sob a acusação de corrupção. Tempos depois outros tantos servidores em Pernambuco foram acusados de cobrar "toco" de motoristas. 

        Estes dois casos ilustram circunstâncias aonde ações da organização, de certo modo, limpam uma entidade de maus funcionários.

        A entidade pode ser uma empresa, uma organização social, etc. De certo modo, ações assim, podem não ser fáceis, mas são muitos mais fáceis de serem feitas do que corrigir um modo de agir que se transformou em uma crença.

            Vou trazer dois conceitos de crença e que  para mim, eles se complementam no âmbito desta crônica. 

    Conceito 1:

        Aquilo sobre o que se considera verdadeiro: crenças ideológicas.

    Conceito 2:

        Convicção íntima; opinião que se adota com fé e convicção; certeza.

        Primeiro se acredita que a mensagem que recebe e ação que se desencadeará é útil, boa, depois intimamente, o pensamento se transforma para a certeza que o que se fará é fundamental para o êxito da corporação. Mesmo que o discurso ocorra que ela vai limpar a sociedade ou vai servir ao grupo, ela adquiri um caráter de auto justificativa para cometer abusos. 

        Muitas vezes a alma é corrompida inicialmente com vantagens, com a alimentação do ego, com a exaberbação da vaidade e muito mais, quando age para o indivíduo se sinta como partícipe importante do grupo. 

        O outro lado também é comum. Houve a recusa, passa a não ser confíavel, não por falta de honestidade, mas por que pode ser um elemento que venha a vazar os mal-feitos.

        Então, por que essa corporação tomou gosto pelo sangue? Não sei dizer exatamente, o que carece de um estudo para saber. Mas  se pode pensar que essa tomada de gosto pelo sangue venha da naturalização da violência, de certo do Estado que crer que isto é o melhor a fazer ou que o medo deve reger a vida das pessoas.

        De um conjunto de pensamento que vai afulinando, da seleção de pessoas que pensam igual. De um termo, que durante muito tempo foi a bala doce na boca de líderes: o alinhamento, o alinhamento institucional. 

        Que algo assim ocorra: Alguém na cúpula da organização tem um pensamento, não discute com ninguém, ou discute com um pequeno grupo que pensa igual, escolhido por ele, então solta ladeira abaixo a sua decisão com a intenção que se transforme em pensamento único e que vire uma crença. 

        Não pensou e nem agiu igual: elimina. Pronto.

        Durante muito tempo, antes de me aprofundar na origem do termo, eu usei a expressão Banalização do Mal meio a rodo. Qualquer coisa ruim, se repetindo sem reflexão, virou para mim banal. Então certo dia eu comecei a ler Hanna Arendt e li o livro que ela criou esse termo.

        Foi um choque, pois comecei a perceber padrões comportamentais em organizações que revelavam, para mim, essa banalização.

       Por exemplo: no meu celular colocaram seguro de vida sem eu autorizar; na oficina do carro me induziram a trocar o disco de freio, ainda bom, que o disco estava comprometendo a minha segurança e da família. O papel higiênico diminuiu de extensão, o litro virou 900 ml. São alguns exemplos.

        Aconteceu nos laboratórios ou em alguma clínica dobrar os exames sem que o usuário percebesse. Isto independia de quem atendesse, era da empresa. 

        Então vamos voltar ao ponto inicial, a corporação que tomou gosto por sangue. Vamos para a sociedade. Tem uma parte dela que sente tesão em se mostrar valente, em odiar, em maltratar. Desde que não seja vítima. Tal coisa é a naturização da violência, que não é apenas física. Em outras palavras, o que ocorre com tal corporação é a banalização do instituto da força bruta exclusiva do Estado.

        Os órgãos de controle são ineficazes, porque atuam no indivíduo, aquele que comete a infração, não tem eficácia sobre o modo de ação, sobre "concordância cultural", que muitas vezes independente da liderança, mas que sempre começa com uma, até adquirir vida própria.

        Os indícios é que estamos neste estágio, uma chaga difícil de alterar, porque quem chega ao poder dentro das organizações são pessoas levadas  por outras pessoas, que se cercam de quem tem a mesma crença ou têm espírito moldável.

        É assim, tudo vai ficando Banal e se Naturalizando na ruindade, se transformando no normal, se éque não já esteja neste estágio.

       Com um agravante, perdemos a capacidade de nos indignar e passamos ser insensíveis ou com um conformismo doentiu, enquanto a vida da maioria da população piora.

        Por hora,  é o que tenho. Abração. 

Marconi Urquiza 

        

O poder revela ou transforma uma pessoa?

  imagem: Orlando/UOL.            Um papo na última segunda-feira entre aposentados do Banco do Brasil que tiveram poder concedido pela empr...