

Imagine que um amigo lhe mostre uma fotografia antiga, da qual você não se lembra mais ou lhe conte uma história de um episódio, do qual você sequer teria lembrado se ele não falasse, pois bem, foi assim que me senti.
Na semana passada eu estava escolhendo vários livros para doar, de um deles caíram várias fotografias de um encontro com amigos em Terra Boa - PR, deste mesmo livro caiu um lindo recado de um filho, de outros surgiram alguns pedaços de papéis com anotações mundanas, de três, três textos, do tempo em que eu invadia as notas técnicas de vários colegas, uma espécie de e-mail interno do Banco do Brasil. Logo no primeiro, eu esbarrei com um texto de título simples: Conversando, que não demonstrava o que de instigante havia no seu teor.
Abri a mensagem, de duas páginas, impressas em lado único e comecei a ler, aí, sim, a curiosidade se tornou em atenção e o meu cérebro a questionar e, principalmente, a se questionar, pois as frases iniciais, fortes, impactantes, mesmo após tantos anos, me impressionaram.
Não sei, não posso afirmar que estávamos no limite ou se restaria alguma energia para produzir tudo que nos era exigido. De 11 possíveis funcionários, tínhamos 9, acho que 4 eram caixas-executivos e o restante, me incluindo, para atender milhares de clientes e de quebra de uma vasta região que a cidade centralizava com seu amplo comércio, que misturava parte Pernambuco e com parte da Paraíba, além disso, tínhamos que entregar os resultados, sempre fortes.
Não sei se o esgotamento avizinhava-se como uma cheia de rio que corre manso e não dar sinais de um desastre, pois não chove ali onde é observado, mas absorve toda água que escorrega por ele, em cujas cabeceiras caiu um dilúvio. O fato é que as condições de trabalho eram péssimas, inclusive com uma temperatura interna da agência que passava, com frequência, dos trinta graus.
Li e ao reler um das frases eu senti um bloqueio, passei horas pensando nela, tentando me compreender, buscando o contexto, a mais da realidade que descrevi acima. Tentando achar em mim, no meu estado de espírito naquele final de dia (20:18:10h), daquela quarta-feira, 20 de agosto de 2003, praticamente três meses após a minha chegada em Surubim, PE.
Só uma semana depois da releitura é que fui espantando o bloqueio, abrindo brechas para tentar compreender as razões para ter escrito o que escrevi. Como querer achar uma razão específica, algo que me respondesse assim: Se você fizer assim, o resultado é 1; mas se você fizer de tal forma, o resultado será 2, assim por diante. A verdade é que ainda estou procurando.
É bem provável que eu tenha absorvido integralmente o discurso corporativo da época e o transmiti, arredondando as palavras; também é possível que eu tenha sucumbido às ameaças de ter a cabeça cortada, após oito anos no Paraná "mantando um leão por dia" e um desespero começasse a surgir.
Bem, quero expressar a minha perplexidade com aquilo que estava escrito, principalmente por que eu escrevi centenas de textos em vinte anos de escrita profissional. De textos motivacionais as críticas sutis e algumas ácidas, das simples histórias bem humoradas a alguns poemas, de certos relatos pungentes a histórias de futebol. Mas aquele texto, não me pareceu ser o meu estilo, utilizar um conjunto de palavras que me levasse e ainda me leva, ainda me provoca uma busca incessante pelo signo dela e do seu contexto.
A verdade, é que a partir daquele marco temporal, nos anos seguintes e até a este momento, a minha minha vida foi de superação a cada dia, de organiza-se quando o caos nos varria, de achar vários sentidos para a vida. A verdade é que não achei todo o sentido, todo o significado e toda a energia expressa na frase.
A mensagem Conversando trazia algumas orientações de como se comportar perante a clientela, exortava a todos na busca da entrega e delimitava os objetivos a serem entregues. Seu conteúdo era bem comum, exceto por isto:
Colegas,
há dias fiz uma nota pessoal ao SUREG (meu chefe) e disse-lhe que estávamos no exercício do que era possível.
Vou me reposicionar, estamos no exercício do impossível.
Estamos no exercício do impossível. Sabe, você já alcançou ou passou por situações onde colocou toda a sua energia para superar uma causa, um desafio, uma meta que intimamente considerava impossível?
É provável que, ao me expressar com uma palavra tão taxativa, eu estivesse exercendo uma profissão de fé, a minha crença que poderia liderar uma equipe para alcançar o Impossível!
No presente, eu só imaginei esse sentimento do impossível ao refletir sobre o que viveram os profissionais de saúde nos primeiros meses da pandemia da Covid-19 e principalmente os doentes internados, até hoje, nas suas agruras entre o viver e o morrer. Acho que todos eles estiveram e estão em um penoso exercício do impossível.
Bom, se eu alcançar toda a dimensão do que escrevi, dessa perplexidade que me acometeu ao encontrar algo tão incisivo e para mim, tão profundo. Se eu alcançar essa busca, volto para falar com vocês e se não chegar à completa compreensão, levarei comigo esse espanto, talvez o mesmo expresso pelo escritor Milan Kundera: Não era a vaidade que a atraia para o espelho, mas o espanto de descobrir-se.
Viva a vida, sob muitos aspectos, ela é um Exercício do Impossível.
Abração, Semana Iluminada.
Marconi Urquiza
Mensagem original: Conversando



