sexta-feira, 31 de julho de 2020

O Exercício do Impossível

Conceito de negócio isométrica vicioso círculo impasse loop infinito. ilustração  impossível da ilusão de ótica da escadaria inexistente da via da fábula do  labirinto da fada impossível. | Vetor Grátis



O que verdadeiramente somos é aquilo que o impossível cria em nós.... Frase de Clarice Lispector.


Imagine que um amigo lhe mostre uma fotografia antiga, da qual você não se lembra mais ou lhe conte uma história de um episódio, do qual você sequer teria lembrado se ele não falasse, pois bem, foi assim que me senti.

Na semana passada eu estava escolhendo vários livros para doar, de um deles caíram várias fotografias de um encontro com amigos em Terra Boa - PR, deste mesmo livro caiu um lindo recado de um filho, de outros surgiram alguns pedaços de papéis com anotações mundanas, de três, três textos, do tempo em que eu invadia as notas técnicas de vários colegas, uma espécie de e-mail interno do Banco do Brasil. Logo no primeiro, eu esbarrei com um texto de título simples: Conversando, que não demonstrava o que de instigante havia no seu teor.

Abri a mensagem, de duas páginas, impressas em lado único e comecei a ler, aí, sim, a curiosidade se tornou em atenção e o meu cérebro a questionar e, principalmente, a se questionar, pois as frases iniciais, fortes, impactantes, mesmo após tantos anos, me impressionaram.

Não sei, não posso afirmar que estávamos no limite ou se restaria alguma energia para produzir tudo que nos era exigido. De 11 possíveis funcionários, tínhamos 9, acho que 4 eram caixas-executivos e o restante, me incluindo, para atender milhares de clientes e de quebra de uma vasta região que a cidade centralizava com seu amplo comércio, que misturava parte Pernambuco e com parte da Paraíba, além disso, tínhamos que entregar os resultados, sempre fortes. 

Não sei se o esgotamento avizinhava-se como uma cheia de rio que corre manso e não dar sinais de um desastre, pois não chove ali onde é observado, mas absorve toda água que escorrega por ele, em cujas cabeceiras caiu um dilúvio. O fato é que as condições de trabalho eram péssimas, inclusive com uma temperatura interna da agência que passava, com frequência, dos trinta graus.

Li e ao reler um das frases eu senti um bloqueio, passei horas pensando nela, tentando me compreender, buscando o contexto, a mais da realidade que descrevi acima. Tentando achar em mim, no meu estado de espírito naquele final de dia (20:18:10h), daquela quarta-feira, 20 de agosto de 2003, praticamente três meses após a minha chegada em Surubim, PE.

Só uma semana depois da releitura é que fui espantando o bloqueio, abrindo brechas para tentar compreender as razões para ter escrito o que escrevi. Como querer achar uma razão específica, algo que me respondesse assim: Se você fizer assim, o resultado é 1; mas se você fizer de tal forma, o resultado será 2, assim por diante. A verdade é que ainda estou procurando.

É bem provável que eu tenha absorvido integralmente o discurso corporativo da época e o transmiti, arredondando as palavras; também é possível que eu tenha sucumbido às ameaças de ter a cabeça cortada, após oito anos no Paraná "mantando um leão por dia" e um desespero começasse a surgir.

Bem, quero expressar a minha perplexidade com aquilo que estava escrito,  principalmente por que eu escrevi centenas de textos em vinte anos de escrita profissional. De textos motivacionais as críticas sutis e algumas ácidas, das simples histórias bem humoradas a alguns poemas, de certos relatos pungentes a histórias de futebol. Mas aquele texto, não me pareceu ser o meu estilo, utilizar um conjunto de palavras que me levasse e ainda me leva, ainda me provoca uma busca incessante pelo signo dela e do seu contexto. 

A verdade, é que a partir daquele marco temporal, nos anos seguintes e até a este momento, a minha minha vida foi de superação a cada dia, de organiza-se quando o caos nos varria, de achar vários sentidos para a vida. A verdade é que não achei todo o sentido, todo o significado e toda a energia expressa na frase.

A mensagem Conversando trazia algumas orientações de como se comportar perante a clientela, exortava a todos na busca da entrega e delimitava os objetivos a serem entregues. Seu conteúdo era bem comum, exceto por isto:

Colegas,

há dias fiz uma nota pessoal ao SUREG (meu chefe) e disse-lhe que estávamos no exercício do que era possível.

Vou me reposicionar, estamos no exercício do impossível.

Estamos no exercício do impossível. Sabe, você já alcançou ou passou por situações onde colocou toda a sua energia para superar uma causa, um desafio, uma meta que intimamente considerava impossível?

É provável que, ao me expressar com uma palavra tão taxativa, eu estivesse exercendo uma profissão de fé, a minha crença que poderia liderar uma equipe para alcançar o Impossível!

No presente, eu só imaginei esse sentimento do impossível ao refletir sobre o que viveram os profissionais de saúde nos primeiros meses da pandemia da Covid-19 e principalmente os doentes internados, até hoje, nas suas agruras entre o viver e o morrer. Acho que todos eles estiveram e estão em um penoso exercício do impossível.

Bom, se eu alcançar toda a dimensão do que escrevi, dessa perplexidade que me acometeu ao encontrar algo tão incisivo e para mim, tão profundo. Se eu alcançar essa busca, volto para falar com vocês e se não chegar à completa compreensão, levarei comigo esse espanto, talvez o mesmo expresso pelo escritor Milan Kundera: Não era a vaidade que a atraia para o espelho, mas o espanto de descobrir-se.

Viva a vida, sob muitos aspectos, ela é um Exercício do Impossível.

Abração, Semana Iluminada.
Marconi Urquiza


Mensagem original: Conversando





Conversando






sexta-feira, 24 de julho de 2020

Coisa de avô

Avó E Vovô Felizes Com Neta Retrato Da Família Ilustração Lisa Dos Desenhos  Animados Do Vetor Isolado No Branco Ilustração do Vetor - Ilustração de avó,  miúdo: 127693421 
Meus avós geraram
filhos
Dos meus pais eu fui
gerado
Eu e a esposa
geramos
Cada filho abençoado.
E o ciclo fica completo
Na hora que cada neto
Assumir nosso legado.
 
Poema de Ademar Rafael Ferreira


Há muitos anos eu escrevi uma crônica, em uma sexta-feira anterior ao dia dos pais, naquele curso de uma viagem que terminaria em cinco quilômetros a minha cabeça se encheu de ideias e eu escrevi que não sabia me definir como pai e trouxe os meus sentimentos de filho.

Lembrei da minha perplexidade ao ver cada filho após o nascimento, era uma impressão tão forte que só me coube silenciar durante vários minutos.

Dois netos estão vindo, primeiro a criança de Raphael e Joyce, agora virá a criança de Victor e Milena. É, uma nova vivência que virá e a vida se renovará.

É uma vivência nova se aproximando e aí as fortes lembranças chegaram sem pedir licença, vejo os rostos sorridentes das avós e dos avôs amorosos, então me vi sendo neto, entrando pela porta da frente da casa de Mangina (Maria Georgina) e de vovô Valdemar e  ir sentar na mesa para jantar ou tomar café ou simplesmente entrar na casa para conversar, melhor, ser ouvido na minha tagarelice infantil ou então me vi indo, a bordo de um Jipe, para o sítio de Pai Jaime e de mãe Centina (Vicentina), meus avós maternos, e ao chegar lá subir nos cajueiros, me banhar no riacho de água salobra, pular na palha do café despolpado, montar no jumento e cair sobre o capim, quando ele dava brabo.

Me vi entrando na cozinha: Bença mãe Centina; ir para o escritório: Bença Pai Jaime; Bença vovô; bença Mangina.

Na farmácia de papai, me encostar no balcão e ficar perto de vovô Valdemar, ouvir as suas histórias antigas; ver  Pai Jaime pitar um cigarro de fumo de corda; entrar de novo farmácia de papai e escutar meu avô reclamar de meu pai, ao dizer que ele era enganado: "Também! Quem tem besta não compra cavalo". Ele mesmo de uma bondade enorme, era o pai protetor se manifestando.

Eu sabia ser neto, um neto querido, recebido com carinho. Não sei como os meus avós se sentiam sendo avô, avó de três meninos traquinos, irrequietos e comilões.

Eu adorava ir para as casas deles, ver Mangina servir o bife de caçarola suculento e derramar o molho da carne sobre o cuscuz, ligar o rádio de mesa cheio de botões de vovô e ouvir ele falando umas línguas estranhas; de ir lá no sítio em Saloá para tomar leite recém retirado de uma vaca e tomar um copo com umas coleradas de açúcar, de acordar com o cheiro gostoso do café coado, colhido ali mesmo. De me servir em uma mesa enorme e enfrentar um prato de cuscuz com leite, que mais parecia de leite com cuscuz e ouvir: "Come menino para tua mãe não reclamar que você tá muito magro."

Chegar perto de Pai Jaime e ficar doidinho para pegar aquele rifle Winchester, luzindo pela lubrificação, encostado em pé na parede, perto da cabeceira da sua cama. Dirigir para vovô Valdemar e ouvir ele dizer: "A roda é quadrada?", quando dirigia devagar ou ele ralhar quando eu passava dos oitenta quilômetros por hora: "Tá correndo muito, rapazinho."

Era assim, eu sabia ser neto, vou aprender a ser avô para que as netas, os netos se lembrem de mim quando estiverem com 60 anos. 


Abração, Semana Iluminada.
Marconi Urquiza

sexta-feira, 17 de julho de 2020

Raiva de goleiro bom

Imagens de clipart Clipart de goleiro de futebol

Era ágil como um gato
E era alto como um
coqueiro
Magro igual uma gilete
E era um grande 
goleiro
Resistente igual imbira
E causava muita ira
Em todo grande
artilheiro.

Poema de Ademar Rafael Ferreira 


O futebol vai retornando devagar, a saudade das peladas aumentando, a ponto que eu comecei a sonhar.  Hoje acordei lembrando de umas peladas em que eu jogava com gosto e com raiva de goleiro bom.

Eu tinha entrado naquela fase de peladeiro artilheiro, menos né, para não parecer conversa de mentiroso, fake de mim mesmo. 

Mas foi nessa fase de peladeiro, zagueiro metido a fazer gol, que eu fui criando raiva de goleiro bom. Metido a chutador de longe, eu ganhei a confiança de chutar,  e cheguei a chutar bolas de até 30 metros do gol. Isto ocorreu lá no Paraná.

Aqui e acolá eu acertava um chute de longe e a bola era gol, menos em um dia em que enfrentei, na pelada AABB (Associação Atlética Banco do Brasil) de Barbosa Ferraz (PR), um goleiro medonho de bom. Alto, magro e muito ágil.

Depois continuo essa história, vou dar um salto de alguns anos para frente. Nesta época, estava em Araruna, também no Paraná. Certo dia o meu vizinho da frente, Zé Carlos, me chamou para jogar na pelada dele e de seus amigos. Lá os grupos de peladas fazem os seus próprios minicampos, cujo apelido é "Panela". O gramado daquela "Panela" era um tapete, ótimo de jogar.

Como convidado, eu fiquei esperando o segundo tempo, para quando um dos sócios da Panela saísse e eu fosse jogar. Em uma dessas vezes que fui como convidado, fiquei assistindo na sua arquibancada natural, o corte do barranco. Nesse dia tinha goleiro novo na pelada.

Nessa pelada tinha uns caras fazedores de gol. Esse meu amigo, Zé Carlos, um canhoto habilidoso, era um deles. Aquele goleiro era vendedor em São Paulo de uma indústria alimentícia. Natural de Barbosa Ferraz, vinha uma vez por mês visitar os familiares.

A pelada era de uma hora. Mais ou menos com uns cinco minutos de jogo, o time de Zé Carlos começou a criar uma chance em cima da outra. O goleiro fez sua primeira defesa e aí foram se sucedendo outras. Era de perto, era de longe, a queima-roupa e pelada foi assim até o fim. No final, o time desse goleiro fez um magro gol e venceu a pelada. 

O rapaz era um fenômeno para mim. Um mês depois, nova pelada, novo show do dele, então minha curiosidade apareceu e eu comecei a soltar perguntas e ouvi o seguinte:
       - Ele era goleiro de futsal e foi campeão por aqui um bocado de vezes.

Outras peladas com ele se repetiram ao longo do ano, naquela pelada da Panela de Zé Carlos, quando ele jogava, seu time não perdia.

Vamos voltar, anos atrás, àquela pelada da AABB de Barbosa Ferraz. Naquela pelada, com aquele goleiro, magro, ágil e excepcional, eu comecei a ficar com raiva. Pois bem, a pelada corria para acabar no zero a zero. O nosso time atacava forte e esbarrava no goleiro. Eu, metido a lateral esquerdo, atacando muito, devo ter dado cinco, seis chutes certeiros no gol e todos eles defendidos pelo goleiro.

O sol já não era tão quente, só a linha da luz aparecia no firmamento, o final da pelada se aproximava. Nós fomos para o ataque, dois, três passes, chute a gol, escanteio. A defesa se posicionou, o goleiro no lugar dele, um defensor no lado direito da defesa, mais perto do poste, outro no meio, o lateral esquerdo marcando o nosso lateral, o outro atacante mais enfiado, perto do goleiro, junto com seu marcador. Eu saí da lateral esquerda e fiquei pelo meio, na frente do nosso zagueiro central, distante da disputa da bola.

Nessa linha de rebote, eu aguardava a cobrança do escanteio, que era, no ataque, da esquerda para a direita. Então um colega de time foi bater, de perna direita. Ele se arrumou e bateu o escanteio, todo mundo imaginou um tipo de chute, não sei o que ele queria de fato fazer, pois o chute saiu espirrado. Quando ele cobrou o escanteio, o nosso centroavante se adiantou imaginando que a bola viria na altura da sua cabeça, mas ela mal saiu do gramado. A bola subiu apenas uns trinta centímetros e veio trôpega, enganou o nosso atacante, também quebrou a vigilância do zagueiro perto do poste, ludibriou o zagueiro central e foi passando.

Quando vi aquela bola minguando, um buraco enorme na marcação na frente do gol, eu corri, devia estar a uns cinco metros dela, estava mais ou menos em uma distância equidistante para mim e para o goleiro.

A bola veio, quicou no chão,  o goleiro se adiantou um pouco, como não chegaria antes de mim na bola, ele procurou fechar o gol e fechou bem ângulo. Depois que ela quicou, subiu um pouquinho, ainda tinha força, a bola devia estar a três metros do goleiro. Nessa hora ele já era um gigante na minha frente. Quando a bola quicou a segunda vez, veio correndo mansa pelo gramado lisinho. Nessa hora eu já estava com raiva, pois todos os meus chutes, alguns bem difíceis, tinha sido defendido por aquele goleiro.

A bola continuou vindo e eu fui chegando de corpo inteiro, veloz e sem marcação, com o goleiro a menos de três metros, enfiei o pé, enfiei o pé com jeito e com gosto, nada de dominar, tentar na categoria fazer o gol, chutei como um zagueiro chuta no sufoco. Chutei com raiva e o choque do meu pé com a bola fez um som forte, a velocidade foi tanta que mal o goleiro se mexeu, gol. Nem sei se gritei, vou imaginar que eu disse assim:
      - Porra!!!! Gol!!!!
Mas do goleiro, eu ouvi claramente:
      - Você tá doido! Precisava dar um chute desse, com tanta força!!!!
      - Precisava, você tava defendendo tudo.
O goleiro se calou, eu dei as costas e voltei para a lateral do minicampo.

E o placar da pelada? Não sei, deve ter sido um a zero.



Abração. Semana Iluminada.

Marconi Urquiza
 


sexta-feira, 10 de julho de 2020

Normalização de um estado de guerra


Um dos livros mais instigantes que li foi Eichmann em Jerusalém - Um relato sobre a banalização do mal³, da filósofa alemã e judia, Hanna Arendt. Livro famoso que lhe rendeu muitas críticas. Livro, no qual,  Hanna, fez o perfil de Adolf Eichmann,  que ele esperava encontrar um indivíduo medonho, toda a estampa de uma pessoa má e se surpreendeu ao encontrar um burocrata, "cumpridor dos seus deveres" na máquina de matar nazista. A toda a acusação ele respondia, mais ou menos assim: "Não na forma como estou sendo acusado", pois ele acreditava que estava cumprindo ordens, apenas isso. Tal coisa, entre outros argumentos, fez Hanna Arendt criar a expressão "Banalização do Mal".
    
Há muitas outras banalizações ruins. Marolinha, gripezinha; etc. As pessoas esgotadas pela "prisão" da quarentena enchendo os bares no Leblon, no Rio. Shoppings em Blumenau. Pessoas vão morrer. Guerra de facções, extorsão lá distante de nós, pelas milícias. Tantas mortes nesta pandemia, criando um modelo para os nosso vizinhos de bairro pobres. Racismo. Discriminações. Feminicídio.  Corrupção. Sobrepreço. Estresse. Síndrome de Burnout. Assédio de tudo que é tipo. 

Desde que li uma notícia, alias, já consigo ver alguns noticiários onde a estatística das mortes pela pandemia da Covid-19 não me choca mais, às histórias narradas pelos atores da Rede Globo de alguns dos mortes pela pandemia escritas no site Inumeráreis, sim. Me lembra da minha própria vulnerabilidade, me lembra que eu preciso ir preenchendo a minha mente, meu espírito, meu tempo, minha verve de coisas boas, sadias, de ter uma luta "heroica" contra a desesperança, a falta de fé, o medo, a angústia.

Duas noticias me deixaram dias a fio pensativo, uma me deprimiu, foi quando o pai comentou que o filho (25 anos) disse que não aguardava mais o sufoco do tratamento contra a Covid-19 e pouco depois ele morreu. Me choquei, pois havia lido no trecho do livro Em busca de Sentido, de Viktor Frankl, médico psicanalista, preso em Auschwitz, onde ele constatou que a falta de um sentido para a vida fez milhares de prisioneiros morrerem, inertes, sobre uma cama. Lembrei, quando vi uma reportagem, da cena que ele descreveu de um homem que havia sonhado com a liberdade, que ocorreria para ele, neste sonho em 31 de março e ele morreu em 30 de março de 1945, pois dois dias antes, ele se prostrou sobre a cama dura, sequer saia para fazer as necessidades fisiológicas. E antes cheio de esperança, desistiu e em 48 horas estava morto. Esta constatação me chocou. Fiquei dias pensando e ao mesmo tempo, tentando me livrar dessa agonia.

Na semana passada, eu vi no site G1, uma pequena reportagem de um rapaz de 19 anos, que mandou um áudio para a namorada dizendo que iria ser entubado e depois de três dias iriam desligar o aparelho. A reportagem não transmite todo o medo daquela pessoa. A matéria, entre tantas outras, milhares, entrou na mesma barca do comum. 

Ontem à tarde estava na área de serviço aqui do apartamento e vi pela calçada um senhor, andando ao lado de uma jovem. Ele sem máscara, ela com máscara. Na outra calçada, vi cinco jovens, todos eles andando sem máscara.

Curioso comecei a ler e a escutar programas, comentários, lives sobre como as pessoas serão, sobre como a economia será, sobre como as empresas serão, sobre como o cuidado com a ecologia será, sobre como as pessoas serão tratadas, sobre como os sentimentos degradantes, como o racismo, discriminação de gênero, violência contra a mulher, contra as crianças, como as minorias, etc. Etc.

Alguns dizem que certas mudanças, uso de máscara, processos de proteção nas empresas, preocupação com a saúde dos funcionários, dos clientes, serão mais fáceis, outros que os sentimentos entranhando na cultura não serão alterados do modo que se imagina, os mais otimistas e que é desejável, por exemplo: o racismo estrutural. Eu estou nesta corrente. 

Na quarta-feira ouvi em um programa de rádio, do Geraldo Freire, a afirmação de um médico neurologista, autor de um livro a respeito da Biologia dos Hábitos, que mudar pensamentos consolidados exige um esforço deliberado e consciente, persistente, sobretudo, para que novas sinapses dos neurônios sejam criadas,  pois, do contrário, o pensamento antigo, que está automatizado por sinapses neurológicas no cérebro, toma conta das suas atitudes sem que o indivíduo perceba.

Isto me fez lembrar de um livro que ganhei de presente: O Mecanismo de Vida Consciente¹. Tio Marlos Urquiza dizia que os pensamentos eram autônomos, ele havia estudado com afinco a Logosofia² e eu era cético quando esta afirmação, quando o médico falou, ao responder ao radialista Geraldo Freire, de imediato não pensei nesta minha experiência de vida. Escutei com o espírito de curiosidade, mais aberto ao que se dizia naquele instante do que quando ouvi do tio em 1990 que os pensamentos têm vida autônoma, como os pensamentos que tornam as nossas ações automáticas, como dirigir, conversar ao mesmo tempo, acionar a alavanca de câmbio, a sinaleira, etc. Mas o pensamento valorativo obedecem a mesma lógica. A pessoa julga sem perceber que julgou. Age no automático sem perceber que foi oriundo de um pensamento entranhando nos neurônios.

Aí, eu pensei. Venho pensando, como se portar dentro dessa realidade que o risco está em todo lugar. Como se portar quando uma pessoa já passou pela Covid-19 e escapou: Continuar usando máscara; se sente invencível, imortal e não se preocupa com as outras pessoas. Ficar um um medo atroz, estampado no rosto e na mente, no coração, sobretudo. Traumas causam medo. Quem ainda não passou por ele, pode achar que a refrega dessa pandemia diminuiu e afrouxa os cuidados.

Ainda há um estado de guerra. Você não mata o inimigo, mas ele pode te matar.

Abração, Semana Iluminada
Marconi Urquiza 



Links com as citações:










sexta-feira, 3 de julho de 2020

Oração para um amigo


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Ronaldo Tenório - 54 anos.

"O meu time de amigos
A COVID desfalcou.
Se foi Ronaldo Tenório
Um amigo que marcou
Pelo tanto de
sementes 
Que em vida semeou."

Poema do amigo Ademar Rafael



O poeta Mário Quintana lecionou:

Esta vida é uma estranha
hospedaria,
De onde se parte quase
sempre às tontas,
Pois nunca as nossas malas
estão prontas,
E  a nossa conta nunca está
em dia.

Desta uma estranha hospedaria, o amigo Ronaldo se foi. 

"Bom dia primo!" ou "Bom dia primo, que Deus te ilumine!"

Em algum momento a sua verve cativante nos aproximou. Lá de longe, dos ancestrais o sobrenome Tenório nos tocou, ele com o sobrenome de batismo, eu pela derivações da família. 

É fácil elogiar um morto e criticar um vivo. Era um bom homem e coisa e tal. Era um pai valoroso e coisa e tal. Mas o que dizer de uma pessoa que ano após ano, mês após mês, dia após dia te desejou Bom Dia. BOM DIA!!!!!

Sabe, na semana que deixou de desejar bom dia eu pensei: Se abusou da minha frieza. Como me enganei!

Gostaria, antes de me despedir, de me lembrar dele pelo seu jeito alegre de ser e de tanto cutucar, eu achei: (Clique em) Linguajar obsceno, com Ariano Suassuna 

"Bom dia primo", que Deus de te conceda conforto, carinho e atenção tanto quanto não medisse em vida.


Abração, Semana Iluminada.

Marconi Urquiza

sexta-feira, 26 de junho de 2020

Foi tudo tão muito, e imensamente, tão pouco.

Mensagem em Homenagem Dia do Amigo, a vida é só alegria para quem ...

Foi tudo tão muito, e imensamente, tão pouco. 

Por muito pouco eu não iria para um reencontro com amigos. A pandemia já dava as suas caras e eu pensei, no duro, eu pensei: "E se não eu não tiver outra chance?" Por causa dessa pergunta, ganhava em mim uma dimensão, que sempre esteve por aí na vida: a da urgência, do querer fazer tudo que fosse possível. 

Pois bem, só fechei a viagem quatro dias antes da data. Mandei revisar o carro e nos preparamos para viajar. Eu e Nega.

Então dois dias antes, pegamos a estrada para o Primeiro Encontro dos Ex-Funcionários do Banco do Brasil em Afogados da Ingazeira. A viagem, com estrada conhecida, muito conhecida por mim até São Caetano. Não sei contabilizar quantas vezes passei por este trecho. Cem vezes, é bem provável. Então foram cerca de 150 quilômetros só olhando para a rodovia da BR 232. O túnel da Serra das Russas já havia ficado para trás.

Caruaru nem via mais no horizonte, quando passamos de São Caetano,  a viagem se transformou para mim. A memória começou a comparar o presente com as minhas lembranças e eu comecei a narrar para minha esposa a primeira viagem para Afogados da Ingazeira em janeiro 1982. Naquela tarde de sábado, eu ofereci  a um policial militar uma carona, minha companhia até Sanharó, naquela primeira ida, trinta e oito anos antes. Era um jovem de 22 anos.

Uns quilômetros à frente, chegamos em Belo Jardim. Do lado cá, meu sogro teria dito, se referindo do lado direito da rodovia, estava tudo quase do mesmo jeito, mas do lado de lá, esquerdo, muito havia mudado.

Lá na frente, eu me lembrei:
- Você se lembra quando viajamos com três grávidas para Recife? 
- Lembro, - foi a resposta de Nega. 

Eram as esposas de dois outros colegas. Um dos casais, da Bahia, colocou o nome do seu primogênito de Marconi. Uma honra nunca agradecida. Não lembro do nome desse colega, nem sei onde moram e como está o filho.

Ainda mais à frente, em Pesqueira, fiquei em dúvida e comentei:
- Nega, tem um hotel por aqui, - mas não lembrava de qual lado. Era do lado direito, indo para Afogados. Quando eu vi, exclamei: "Olha, é esse!" Menos de um quilômetro, viramos à esquerda, descemos a ladeira e cinco quilômetros depois a estrada estava na mesma. 

Chegamos em Arcoverde, visualizei a Chevrolet Tamboril do lado esquerdo, busquei com os olhos um antigo arquivo geral do Banco do Brasil, do lado direito, até lembrei do dia em que a cruzei o centro da cidade, chovia forte e o velho Chevette jogava água  para dentro, por um buraco aberto do canto do para-brisa, pela ferrugem.

Deixamos Arcoverde para trás e vimos Cruzeiro do Nordeste. Aquela vila em que foi rodado parte do filme Central do Brasil. Na frente de Polícia Rodoviária Federal, pegamos a direita e seguimos para Sertânia. Qual não foi o desapontamento, aquele pedaço de rodovia estava congelado no tempo. Asfalto remendado, pintura apagada, beirada da pista comida pelo trafego, acostamento de terra. Tudo bem semelhante a 1994, a última vez que havia passado por ela. 

Alguns quilômetros depois de Sertânia, seguimos para Albuquerque Né. Depois do trevo, aquele pedaço rodovia também estava ruim, quase igual a rodovia que a gente passava em 1987. O piso permanecia todo carcomido. Quando a vila apareceu, diminui a velocidade e fui procurando com avidez a bodega, onde perdido em 1982, parei para perguntar como faria que para chegar em Afogados da Ingazeira. Até disse a Nega que pedi uma Coca-Cola antes de perguntar. Naquele nove de janeiro, a noite já havia nos abraçado.

Me lembrei que segui tateando a estrada e vi um povoado, mas ele estava distante da dela. Ao olhar para a esquerda eu vi uma casa grande, fui até lá e gritei uns três boas-noites. Já estava desistindo, quando sorrateiro, um homem alto, magro, apareceu, deu a informação  que eu precisava, mas quando vi o enorme revólver encostado na sua perna, agradeci e quase correndo, entrei no carro.

Nessa ida agora, a casa estava pintada, recuperada, até corrimão havia sido colocado. 

Depois de Irajai, meia hora mais tarde a gente já tinha passado por Iguaraci e entrava em Afogados da Ingazeira, mais um dia e uma noite, rolaria a festa.

Após o check-in no hotel, nós descemos para o centro da cidade. Irremediavelmente a minha lembrança me levou àquela antiga praça, cheia de areia nos canteiros, passeio arenoso. Estava em janeiro de 2020 arrumada, cuidada, arborizada. Mais um pouco eu ouvi uma voz conhecida e comecei a me sentir energizado, como nos diz o poema de Ademar Rafael:

"Sinto-me energizado
  No  dia que eu consigo
  Reencontrar um amigo
  Que me apoiou no
  passado.
  Recarrego a bateria.
  Na troca de energia,
  Gerada em cada 
  abraço."

Na festa nos reunimos com Alcyr, Jéferson, Tarciso, chegou Ivanílson, Belo chegou depois, cumprimentamos tanta gente. Jéferson comentou sobre uma crônica que escrevi, depois Alcyr começou a falar, vinte anos da sua vida, contada em vinte minutos. Sabe, como faltou conversa! Ficou incompleta, quase nada falei da nossa vida. 

Então a música entrou, alta, a conversa foi minguando e a saudade nascendo, dos amigos que vi por lá. 

Na troca de energia gerada em cada abraço, foi tudo tão muito, e imensamente, tão pouco. 

Foi tudo tão muito, e imensamente, tão pouco.



Abração. Semana iluminada.
Marconi Urquiza



O poder revela ou transforma uma pessoa?

  imagem: Orlando/UOL.            Um papo na última segunda-feira entre aposentados do Banco do Brasil que tiveram poder concedido pela empr...