
Trombei de novo com a história.
Quase todos os nossos interesses são direcionados, mas certos encontros são regidos pelo acaso e por causa disso trombei de novo com a história.
O interesse pelos problemas causados pelo nazismo ocorreu pela curiosidade de querer saber com uma nação desenvolvida, já na época, fez o holocausto. Li muito para compreender parte do seu espectro e parei de ler o assunto porque a leitura exige muito do Espírito, embora tenha ficado a chama da velha e boa curiosidade.
O trabalho de corretor tem me levado a entrar na casa de outras pessoas, desta vez entrei na casa da família judaica-alemã de nome Bleckenfeld e por causa desse encontro saiu esta pequena história.
A crônica em si não foi difícil, os sentimentos já haviam me dado o rumo da escrita, no entanto, eu tive a maior dificuldade para escolher o título. Ora foi Casa Bleckenfeld, depois: Não se pega, nem se vê e quase no penúltimo escrevi: Na casa Bleckenfeld, não se pega e nem se vê.
Passei uns dias e escrevi o penúltimo: Não se pega, nem se vê na casa Bleckenfeld, por fim, me lembrei do fato de que trombei de novo com a história e isto me inspirou a achar o título.
O caso foi o seguinte.
Sabe quando a gente entra em algum lugar e sente arrepios, uma energia ruim. Fazia tempo que não sentia tal coisa.
No sábado passado eu fui mostrar um apartamento para um casal interessado em compra-lo. Na ficha estava escrito, desocupado, de fato não mora mais ninguém nele.
O prédio é amplo, porteiro simpático, a maioria dos moradores ainda são os primeiros habitantes, vista bonita para o rio Capibaribe. Eu poderia continuar descrevendo outras boas características, mas encontrei uma que não se vê e nem se pega.
14 horas.
Parece que quem vai olhar imóveis são sempre pontuais. Chegamos, para minha sorte o sobrinho da dona do apartamento fez toda a apresentação. Ele entrou em cena no começo da visita e logo estava conversando com os interessados.
Saímos do elevador e eu me adiantei para abrir a porta entalhada, que não representou nada para mim, apenas achei que a dona do apartamento tinha um gosto exótico. Mas logo ouvi a admiração de Dive e a pronta resposta do sobrinho, Pedro: ela foi entalhada por um artista renomado. Portanto, uma obra de arte, com dupla função. Foi uma cena viva, descreveu um bem, com seus afetos e não um produto, com suas peculiaridades técnicas.
Dive, artista plástico, começou a olhar para o apartamento, mas estava encantado com a porta, logo disse que desejaria a porta se fechar a compra, ao que Pedro disse que era preciso consultar a prima. Claro que quem coloca uma obra de arte como uma porta precisa ter dinheiro, de gosto refinado e ainda mais de, sensibilidade.
A porta a enlevar os visitantes, foi a primeira surpresa daquele lar.
O apartamento está todo mobiliado, camas, mesas, cozinha, cortina, armários de marca, guarda-roupas de madeira nobre. Distinto de um imóvel vazio que estimula a imaginação de quem vai comprar, visitar um imóvel com mobília dá uma dimensão do aproveitamento do espaço existente. No estado em que o vi, tudo pareceu bem proporcional.
Apartamento duplex, sobem Dive e Pedro e ao perceber as ausências deles, subo em seguida e paro no final da escada, senti uma atmosfera diferente, algo a mais me tocou, até paro alguns segundos tentando entender o que senti.
Na parte de cima, livros. Há livros cuidadosamente organizados, edições originais de mais de cinquenta anos, outros mais recentes. Nesta hora me lembrei de um costume antigo que testemunhei em muitas casas, expor na estante da sala livros com a lombada dourada.
Andamos mais um pouco e os dois casais começaram a conversar sobre um conhecido em comum, primo do Pedro. Dive fala da sua trajetória, de sua vida profissional, publicitário e agora pintor, e o papo rola, eu saio e volto para os livros, folheio alguns, olho a lombada de vários, vejo até o livro Arquipélago Gulag deitado sobre outros.
Esse costume, em desuso, é bem antigo mesmo, que casa hoje você entra na sala e vê livros?
Isto me chamou a atenção, quais outros livros foram retirados? Quais obras amadas existiram ali?
Não sei se por causa dos livros, se pelas imagens dos santos em um canto, se pela limpeza do imóvel, não sei a razão, só a nudez das camas revelava não haver ninguém naquele lar, mas mesmo assim e não sei explicar: Aquela casa vazia tem alma e, alma boa.
Abraço,
Em tempo:
Entenda o porquê desse novo encontro ter este título lendo a crônica abaixo:
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