quinta-feira, 26 de setembro de 2019

37 anos


Não há nada como regressar a um lugar que está igual para descobrir o quanto a gente mudou.... Frase de Nelson Mandela.

Em 2007 eu comecei a escrever um romance, meio histórico, meio ficção. Meio fácil e muito difícil.  Fácil na parte não emotiva, difícil quando exigiu um distanciamento objetivo, que não fui capaz de ter.

Eu tinha uma parte dos fatos, tinha uma visão parcial dos atores e expectadores daqueles momentos e, fui buscar ouvir algumas pessoas para preencher as muitas lacunas daqueles fatos, fatídicos. Queria conversar com muitas, na verdade, nem cheguei a falar com cinco contemporâneos dos acontecimentos de 1982.

Eu desejava corroborar as opiniões que diziam ter havido sacrifício, entre várias hipóteses. Mas o quadro ficou embaçado.  Algumas das pessoas, com as quais eu conversei, se emocionaram e isto me impediu de continuar conversando com elas.

Mas, antes destas conversas, eu já havia começado a escrever um livro, havia pesquisado sobre o coronelismo político no Brasil, havia inventado detalhes para os conflitos da eleição de 1911 em Bom Conselho-PE.

Até nome para o livro eu já havia criado: O último café do coronel.

Agora em 2019, depois de 12 anos, eu pensei em retomar este projeto, coloquei sobre a mesa todas as anotações e decidi preencher as lacunas através da seguinte indagação:
     
O que ocorreu com meu pai poderia ter sido diferente?
     
Com este espírito eu fui visitar a redação do jornal A Gazeta, em Bom Conselho, e, principalmente, Luiz Clério, no último dia 20.  Para minha surpresa encontrei vários contemporâneos dos acontecimentos de 1982 e entre eles, alguns amigos do meu pai.
    
Em certo momento, após eu ler uma curta crônica, em um livro de um autor local, onde o nome de Marne Urquiza, meu pai, é citado, eu fiz alguns comentários.  Por causa disto o assunto ganhou impulso. Em mais uma meia hora veio uma informação que eu desconhecia, o meu interlocutor disse que queriam que meu pai dissesse o destino de dois dos envolvidos naquela confusão, que culminou com seu assassinato.
    
Sim, esta era uma questão nova para mim e para ela cabia um bocado de reflexão.  Muita, muita e muita.
     
Enquanto a conversa prosseguia eu fiquei imaginando se o jeito de ser do meu pai lhe permitiria dar tal informação, se ele soubesse. O que não foi dito naquela oportunidade.
    
Às vezes, nós somos tão leais às nossas crenças e aos nossos valores que a gente se quebra todo para NÃO se desviar destes valores e das nossas crenças.
    
Tal dúvida a respeito do perfil do meu pai perdurou todo o dia, perdurou todo o final de semana e me deu a convicção que irei escrever o romance "O último café do coronel" com viés todo ficcional.
    
Escrever a memória daqueles acontecimentos cabe a um historiador. Eu não me sinto capaz de suportar o reviver de anos de dor e saudade, de raiva e frustração, não depois de ter conseguido lidar com aqueles fatos e ter obtido paz de espírito, conquista que não desejo renunciar.
    
Assim, deixo o desafio aberto para um historiador que queira fazer esta pesquisa histórica. É possível que vá encontrar uma história rica, cheia de nuances, com o melhor enredo que só a vida, vivida, é capaz de propiciar.

Abraço,
Marconi Urquiza


Recife, 25 de setembro de 2019.

2 comentários:

  1. A ficção trás a estranha força que só o conhecimento dos fatos não consegue abranger. Esperando pelo "Último Café do Coronel", com a certeza de seu sucesso, primo.

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  2. Difícil esquecer esse dia, esse fato ocorrido...infelizmente ...Felizmente, que escreves...com nobreza de alma...muita lúz!

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