sexta-feira, 16 de outubro de 2020

A RAINHA ESTÁ NUA - André do Rap

       

"Quem é o culpado? Naturalmente é o bandido por praticar crimes."

Na última terça-feira acordei querendo escrever sobre a soltura do traficante André do Rap. Os comentários à princípio criticaram o ministro do STF Marco Aurélio Mello e ainda continuam. Depois os comentários foram dirigidos ao relator da matéria, da lei anticrime, que se se desculpou dizendo que não era para soltar traficante ou bandido perigoso ou notório. Depois a crítica foi para o Presidente da República por não ter vetado o artigo 316 do Código Penal.

Agorinha eu pensei no mais artificioso e repetido dilema: "Quem nasceu primeiro, foi o ovo ou foi a galinha?" Quem criou o artigo, quem aprovou, quem não vetou e quem aplicou o artigo em um caso concreto?

Quem é o culpado? Naturalmente é o bandido por praticar crimes.

Ao se colocar o artigo na lei anticrime, eu imagino que o deputado relator e os que aprovaram pensaram em si mesmos. Ouso alegar que eles estavam ressabiados dos abusos ocorridos durante a Operação Lava-Jato. Das prisões preventivas intermináveis para forçar uma delação premiada. Só que a lei, para ser JUSTA, deveria ser aplicadas para todos e neste caso, o dano colateral estourou com a soltura do André do Rap. Segundo notícia do G1, o ministro Marco Aurélio já havia aplicado o artigo 316 do Código Penal em quase 80 casos.

Também se falou que o traficante tem duas condenações em segunda instância e que deveria está preso, não estava por causa de um artigo da constituição que o impede. 

A interpretação, de ontem, do STF, é que a soltura do preso  com base no citado artigo não pode ser automática. 

Creio caber outras considerações:
- Quantas pessoas estão presas com prisão preventiva a mais de 90 dias, cujos processos estão dormindo o sono dos mortos nas gavetas e arquivos físicos ou virtuais dos juízes? Ou do Ministério Público?

Vamos mais:
- E se o solto fosse um bandido chinfrim?
- E se o solto fosse um político sem influência?
- E se o solto fosse um inocente sem recursos?

Nestes exemplos ou outros  correlatos, haveria tanta repercussão?

Nestes dias em que o assunto anda em evidência, eu ouvi outro aspecto dessa quadra de gritas e reclamações. Se não interpretei errado, eu ouvi um entrevistado na tevê dizer que seria demais para a agenda dos juízes tomarem conta de todos os casos de prisões preventivas e também darem conta da agenda "normal". 

Com isto eu pensei em algumas hipóteses:
- Os casos são tão, assim, numerosos que tomaria a agenda dos juízes?
- Se são, assim numerosos, então a organização dos trabalhos está falha? 

Uma coleta sistemática em uma agenda eletrônica dos casos daria ao juiz todos os casos para tratar, - ou isto já faz parte da cultura jurisdicional brasileira, o uso da prisão preventiva e nela permanecer, mesmo quando as provas não são apresentadas ou são insuficientes? 

Mas ontem descobri a razão de se poder tornar a agenda inadministrável para as prisões provisórias, é que ela são 32% de todas as prisões realizadas no Brasil, segundo o secretário do sistema penitenciário de Pernambuco, Pedro Eurico*. Segundo ele, 250 mil presos deveriam ter seus processos revistos a cada 90 dias, até que as suas prisões se transformassem em soltura ou presos condenados. Usando a expressão do secretário: Prende preventiva e deixa o cara mofando na cadeia.

Depois de tantas indagações eu fiquei refletindo sobre todo o contexto. Não vi em nenhum lugar que houve uma motivação extra, do tipo subliminar, para o ministro Marco Aurélio Mello ter decidido sobre a soltura do notório traficante. Mas, sem dúvida, foi a sua notoriedade, o seu poder, a sua capacidade financeira e de articulação é que provocou toda esta discussão. Bandido do baixo clero nem daria aquela coceira discreta no saco.

Outro fator, de minha livre manifestação, é que o que ocorreu foi uma lição para todos. O ministro, pode não ter desejado, mas mostrou que a lei tem falhas, mostrou também que há defeitos no sistema judicial em manter sem nenhum andamento, sem nenhuma atenção, muitas ações criminais, justas ou injustas. Mostrou, querendo ou não querendo, que o assunto merecia atenção das autoridades judiciais e da sociedade, e foi o que ocorreu. 

Revelou, para quem quiser ver, minúcias do sistema judicial criminal brasileiro para que haja uma atenção plena para as execuções penais, pois tem muito preso que deveria ser solto e, estão presos, tem crime que poderia ser punido com penas alternativas de pequeno delitos e há a prisão, compulsória na nossa cultura.  Sem esgotar o tema, realidades que o sistema judicial e o estado brasileiro deveriam cuidar adequadamente.

Enfim, eu torço para que a justiça seja justa e que as imperfeições sejam corrigidas em um processo de melhoria contínua.

Este caso mostrou que a rainha está nua.


Semana Iluminada,
Marconi Urquiza

Noticiário a respeito:

Marco Aurélio mandou soltar quase 80 presos usando o mesmo critério de André do Rap. 

Promotor diz que a fuga de André do Rap era esperada e critica Marco Aurélio

(*) PASSANDO A LIMPO - Parte final do áudio  - Após o minutos 40.

(*) Passando a Limpo, Super Manhã, Geraldo Freire. Rádio Jornal FM, 90.3 - Recife (PE).


14 comentários:

  1. Lei não é o mesmo que justiça e justiça é algo diferente de justiçamento. O Estado faliu e a sociedade entrou em concordata.

    Ademar Rafael Ferreira

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  2. Comentário fenomenal. Tens toda razão. Justiça não é justiçamento.

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  3. DE MARCOS (via Whatsapp - Grupo Reencontro Agamenon): Bom texto, Marconi. Muito ponderado.

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  4. DE HÉLIO NORONHA via Whatsapp - Grupo Dona Duda): No meio jurídico (e jornalístico) TODOS sabem, há décadas, que a prisão preventiva no Brasil é utilizada descaradamente como meio de punição e não de prevenção. E a grande maioria é de pobres, pretos e putas...

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  5. DE CÍCERO MORATO (VIA WHATSAPP - Grupo Jovens aposentados): Isto mesmo, Marconi, nessas questões vale quanto pesa $$$$ o freguês!!! E eu complemento seu pensamento com o quadro humorístico abaixo!��

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  6. Franz Kafka já criticou o judiciário, em seu "O Processo". Isso, em um tempo passado. Com o retrocesso de nossa civilização nos dias atuais, tá difícil crer em evolução.

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    Respostas
    1. Sinto que os serviços vindo do Estado estão cada vez mais voltadas para eles mesmos.

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  7. DE RONALD TEIXEIRA (Via Whatsapp privado):

    Mais nua do
    que a "Puta Rainha".
    Para os leigos, fica
    difícl entender uma
    soltura de
    O que nasceu
    primeiro: o ovo ou a
    galinha?

    O que diz o cidadão
    Nem mesmo o
    professor sabe
    Esse assunto não
    cabe
    Na minha
    compreensão
    Não sei se antes de
    Adão
    Esse negócio já vinha
    Nem se, antes, já tinha
    Ovos, galinha, poleiro
    Nem sei o que nasceu
    primeiro
    Se ovo, galo, ou
    galinha
    José Bernardino

    É muito difícil se ter
    Resposta para a
    questão
    Acho que nem
    Salomão
    Haveria de saber
    Não dar para
    responder
    Essa sestrosa advinha
    Porém a sugestão
    minha
    É perguntar para o
    povo:
    Uns dirão que foi
    ovo
    Outros, que a galinha.
    Seu "Rona Bancaro".

    Nesse dilema
    insolúvel
    Sua palavra é a minha
    Sou de sua opinião
    E sigo na mesma linha
    Matutando sobre isso
    Minha cabeça já vinha
    Querendo saber do
    povo
    Num esforço
    derradeiro
    Quem foi que nasceu
    primeiro
    Foi o ovo ou galinha.
    Dênis Portela

    O poeta Dênis
    Portela
    Falou e não disse nada
    Pois não matou a
    charada
    Com a sua chorumela
    Encerro, aqui, a
    querela
    Essa contenda
    mesquinha
    E uma vontade minha
    Nesta glosa eu
    externo
    Galo, ovo e galinha.
    Ronaldo Teixeira Cavalcante - O "Rona Bancaro".

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