Era de madrugada quando Casarin printou uma postagem do Facebook. Cinco minutos depois aquele homem de meia-idade repassou para um amigo, o outro leu e apagou. Um terceiro amigo viu a postagem e jogou na lixeira do celular: "Casarin, esse Casarin devia era dormir!"
Só que a insônia de Casarin tinha o mesmo DNA da de Getúlio: a tensão pela espera da vacina. Seis horas da manhã, com uma xícara de café na mão, Getúlio via a rua pela janela da sala. A rua embaçada pelos vapores do café fumegante, também refletia a mente em turbilhão daquele homem.
Aquele que apagou primeiro a postagem de Casarin, mais seguro de si voltou a dormir. Acordou sem cansaço. Seria um super-homem no meio daquela toda agonia real e ampliada pela divulgação maciça do caos provocado pela pandemia?
O dia avançou para os três, na dia seguinte começaria o final de semana. Sexta-feira à noite era o dia em que os três amigos se encontravam, não se encontram mais. Passou de um ano sem que os olhos inquietos de Casarin não se encontravam com os olhos zombeteiros do segundo amigo e os olhos inquisitivos de Getúlio.
No sábado pela manhã Getúlio ligou, havia meses que mal passava uma mensagem genuína dele pelo Whatsapp, só era repasse, às vezes em tom agressivo. Geralmente quando era criticado, respondia acidamente.
Mas ligou:
- Getúlio... - Casarin, sem querer perguntar, se pôs a pensar - Pode explicar melhor?
- Mas, homem! Você passou antes de ontem e já tá esquecido!
- Pior que estou. Ando com um esfregão na cabeça para não endoidar.
- Tá, então deixa - nisso Casarin corria as telas do celular, havia transferido a ligação para o viva-voz.
- Pera aí. Tu visse aquela merda do jogo de ontem? - disse Casarin.
- Nem vi, o time tá tão ruim que eu desisti de ver os jogos.
- Viu algum filme bom? - Continuou Casarin, cultivando a paciência do seu amigo.
- Vi uma série. Signal, é boa e é meio viajada. Japonesa, Looke...
- Getúlio, achei.
- Fala aí para mim.
- Se a vida não fica mais fácil...
- Sei o que você achar importante ela, senão não teria printado e me enviado. Mas pensasse nela direito?
- Tenho pensado muito. Ela é um filão de força que tenho me apegado para ir nadando nessa tragédia em que estamos vivendo. Não é por ficar em casa, de não poder conversar, mas é pelo medo. Sabe, o medo. A porra do medo que adoece.
- Lê de novo... - Casarin leu. Getúlio se calou. Os dois pareciam ter um zumbido rolando nas suas cabeças.
- Pode ler de novo - pediu Getúlio.
- Sabe, é que me lembrei de uma psicóloga. Um dia eu reclamava da vida e falava da morte, ela me interrompeu e disse forte: "Mas até lá você tem que viver". Entendesse? Entendesse? - disse Getúlio.
- Entendi - "mais ou menos", pensou Casarin.
- Pois é, amigo. A gente até lá, tem que viver o melhor possível e o que a gente pensa faz da vida pior ou melhor. É isso que anda me embatucando, entendeu?
- Entendi - agora a voz de Casarin saiu enfática - Entendi, amigo.
- Repete a frase...
- "Se a vida não fica mais fácil, trate de ficar mais forte!" Quer ouvir um poema?
- Quero.
Deus lhe ajuda a superar.
Faça da cadeira "pernas"
Mas não deixe de andar.

EXCELENTEE
ResponderExcluirObrigado
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