sexta-feira, 9 de abril de 2021

Aventura na boleia da luz vermelha

                  Na boleia viajei,
                  de hora em hora olhei
                  quanto de chão faltava,
                  se pudesse caminharia,
                  Pois mais rápido
                  que o caminhão andaria.

Sinceramente não sei o que a fez surgir, vinda lá de dentro,  espantando a poeira e o esquecimento. 
    Estava na segunda-feira em um oficina de carros, me escorei numa caminhonete e fiquei olhando o mecânico trabalhar,  de repente veio tudo de uma vez.

    Pelos idos dos anos 1980, 1983 ou 1984 morava em Afogados da Ingazeira.  Ari Braz, colega de trabalho, depois meu compadre, estava com a esposa em Recife. A minha namorada,  Cida, morava lá também. 

    As minhas viagens semanais eram a bordo do busão da Progresso.  Saia às onze e vinte e cinco da noite e nos despejava em Recife depois da cinco horas da manhã.  Nessa cantilena apareceu uma novidade,  afora alguma carona ocasional.  Na véspera da viagem ou na sexta-feira cedo, Ari disse que havia conseguido uma carona. Quando falou o horário,  pulei como menino no riacho. 

     O caminhão sai duas e meia da tarde lá de perto do posto do filho de Dr. Hermes Canto.
     Certo.
     Quanto ele vai cobrar?
     Nada, a gente paga a janta dele.

    Para ser sincero, não lembro se ocorreu essa parada.  Lembro que senti uma sede danada. Na hora de entrar no caminhão, subi primeiro e fiquei pertinho do motor. Era aquele batido alto do motor diesel nos ouvidos e o calor derretendo meus pés, o que me acompanhou a viagem inteira.

    O motorista tocou a caminhão. Conversa vai, vem, e acabou assunto.  Uma viagem lenta, acho que a maior velocidade que o dono do velho Mercedes Benz colocou, não deve ter passado de 60 km/h.

    Na boquinha da noite ele mexeu na chave e ligou as laterais,  quando escureceu forte, outro toque na chave, o farol acendeu. Parecia dirigir de farol baixo o tempo todo. Às oito e meia da noite a viagem foi interrompida.  Seis horas depois de sairmos de Afogados a gente ainda estava perto de Belo Jardim.  Quase metade da viagem. Em um carro estaríamos chegando a Recife.  Faltava cerca de 200 km.

    O conserto na estrada limitava a passagem de uma faixa por vez. Não lembro se havia mais de um trecho no Pare e Siga. Já estávamos a dez minutos nesse processo,  de repente ocorreu um rebuliço.  Gente saindo do carro, indo para a pista,  para o acostamento.  Chegou alguém e disse alguma coisa ao nosso caroneiro, ele se irritou, passou a mão debaixo do assento e arrastou uma faca com jeito de espada.

    — Fiquem aí que eu vou pegar esse safado. Estão jogando pedras nos carros. 

    Acho que se formou uma força tarefa. Depois de um tempo voltou e disse:
     Fugiram. Na semana passada teve a mesma coisa.

    Ele se acomodou, tomou um gole gigante de água e ordenou:  
     É bom vocês mijarem. Só vou parar em Recife — descemos do caminhão.  

    Olhei para o carro. Levava carvão. Carga leve. Olhei de novo. Ela tinha uma altura de 3 a 4 metros acima da carroceria.  Era assim para não dar prejuízo e aproveitar a capacidade de transportar do caminhão.  No entanto, a sua altura transformou aquele trabalho em uma viagem de alto risco, facilmente o caminhão poderia tombar, qualquer erro em uma curva ele se arrastaria na rodovia.  

    Voltamos,  ele tocou a viagem,  quando passou por Belo Jardim  deu uma regulada na luz interna, que viajava acessa, então comentou:
     Tá muito forte  rodou um botão  e cabine ficou suavemente iluminada. Luz de boate.

    Duas e meia da manhã a gente chegou em Recife,  ele manobrou o caminhão e parou em um ponto de Táxi. Agradecemos a carona, o homem balançou a mão, ao descermos engatou a primeira e saiu naquela velocidade exasperante, ao fazer a curva para entrar na Ceasa, vi a sua silhueta iluminada pela lâmpada vermelha da boleia. 

    Valeu pela aventura,  mas 12 horas de viagem para 390 quilômetros de asfalto, foi demais.

    
    Semana Iluminada.
    Marconi Urquiza


5 comentários:

  1. Neste tipo de carona precisamos tirar proveito da vista privilegiada do cenário, da boa conversa que rola e das paradas estratégicas para comer ou tomar uma geladíssima.

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  2. Doce história, final feliz! Os objetivos foram alcançados, estamos todos juntos até hoje. Afinal a aventura se deu em busca de cada qual de seu amor! Compadre amigo, muito obrigado, proporcionou-me uma emoção muito boa, cedinho numa sexta-feira. Felicidades! Abraços

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