Tio Pedro, mamãe e Tio Zé Maria
Na infância, entre os dois ou três anos até à adolescência convivi, passei todas as férias escolares no Barro, convivendo com os tios, primas, primos, o avô, os animais, andando no mato, chupando caju, comendo cuscuz com o leito ordenhado das vacas de Tio Serafim, vendo Tio Agenor ou Tio Genor, como o chamávamos, fumando seu cigarro de palha, conversar com a voz grossa, tomando o café forte, tomando conta da Mãe Centina, a minha avó Vicentina. E Tia Lídia, com a sua energia inesgotável, parecia feita de eletricidade, parecia não cansar. Ainda a viva aos 98 anos.
Menino de rua, me cansava em caminhar os dois quilometros do sítio Barro de Souza até a sede da cidade, que tinha o nome original de Barro e rebatizada de Saloá quando se emancipou em 1965. Nessa fraqueza física, subia no carro de bois e ia para cidade abastecer a pequena vila de água potável no chafariz da cidade. Ia e vinha ouvindo aquela toada do carro de bois andando. O gemido da madeira contra madeira. A dupla de bois fortes, que parecia não se cansar, os achava gigantes, imensos no tamanho e na força. Uns gigantes ainda mais na impressão da minha alma de menino.
Quantas vezes acordei na casa de Tio Serafim e de Tia Lidia e estava vazia, só ela. O tio e os filhos já cuidavam das produções do sítio. Muitas vezes descia e ia ver o primo Jaime cortando palma forrageira para alimentar as vacas e as crias. Uma habilidade imensa, uma velocidade e cortes na palma que pareciam milimetrados.
E o rio, que corria no oitão da casa de Mãe Centina, magro e raso, mas capaz de me fazer simular um nado tocando com as mãos no fundo arenoso. Gostava muito dessa brincadeira. Me divertia demais.
Eram quatro irmãos e três irmãs. Tios Serafim, Tio Genor, Tio Zé Maria, Tio Pedro, Tia Iraci, Tia Jacira e mamãe. Só ela ainda vive.
Com as irmãs de mamãe convivi pouco, os tios foi muito mais. Com Tio Serafim, Tio Genor e Tio Pedro. Tio Pedro foi para a casa do pai, faltando três para completar 91 anos e 68 anos de casamento. Estava no velório e comecei a recordar os dias que passava na sua casa, antes de ir para o sítio, das vezes que conversei com ele, de o observar conversando no seu negócio, de vê-lo conversando com as pessoas. Parecia ser uma pessoa dotado de paz de espírito. Um ser tranquilo que irradiava a sua bondade por todo lado.
Tio Serafim também era calmo, uma pessoa que raramente vi se irritar, só uma vez que bateu no primo Jaime com a bainha de couro da faca, após ele responder ao tio meio abusado. Tio Genor, era mais alto que os irmãos, me impressiona que jeito vivaz e ao mesmo tempo sereno como os outros, igual perfil de Tio Zé Maria, parecia ter uma calma do outro mundo. Também irradiava uma energia boa, benfazeja.
Hoje, hoje, sinto que pareciam que viviam em paz consigo mesmo.
Aquele menino de ia ansioso tirar as suas férias escolares, no meio do ano e em janeiro, dezembro, muitas vezes, só voltando para o Natal e o Ano Novo, pois papai fazia questão que estivéssemos todos juntos.
A lembrança de muita coisa ia e vinha naquela hora que fiquei no velório, ainda com pouca gente, era o Pedro de Jaime, um homem de bem e bom homem, consciente, sem afetação.
Nem sei como terminar esta crônica, talvez a melhor palavra seja: saudade.
Abração, Marconi.

Li sua crônica Marconi e lembro de você criança na casa de seus pais na Rua Conselheiro João Alfredo.
ResponderExcluirSó comprávamos remédios na farmacia do seu pai Marne Urquiza de saudosa memória
E sua mãe minha professora querida do quinto ano primário faz muitos anos quê não a vejo mas sempre lembro da delicadeza dela e dos ensinamentos quê todos da turma recebemos dela.
Tinhamos muito respeito e atenção a nossa querida professora.
Um abraço para ela da aluna Maria da Glória.
Título aprovado! Vem logo o filme do muquém, muita pobreza mas zero de preocupação.
ResponderExcluirPrezado Marconi,
ResponderExcluirÉ justamente porque as vivências são evanescentes que mais as amamos… Vc escreve um texto de rara beleza.
É por esse sentimento que aquilo que amamos não desaparece, nem com sua própria finitude, ou com a morte, pois significou algo cheio de profundeza.
O sentimento, então, fica conosco incorporado como uma lembrança de que a felicidade é possível…
Entretanto, pensar assim exige profunda sensibilidade, contato maior com nossos sentimentos, capacidade de olhar com respeito as coisas mais simples, respeito ao amor que dedicamos a algo ou alguém.
Parabéns!
(Claudeildo Tavares - seu conterrâneo. Meu pai - Zé Maria Zuza - tinha um respeito fraterno por seu Pai, Marne Urquiza.)
Marconi, bela Crônica, narrativa saudosa, com tamanha felicidade de infância, fez-me imaginar um local de muita paz e alegria.
ResponderExcluirUm abraço
Carmem Lúcia
colega BB
Que lindo ...me fez recordar cada um deles , sou filha de Zé Maria só tenho boas recordações do meu pai querido , e ele era assim mesmo uma pessoa serena de muita paz.
ResponderExcluirUm abraço de sua prima Adriana Maria Albuquerque.
Muito belo esta crônica. Vejo que há muita emoção nessa lindas e doces lembranças de memórias muito vivas.
ResponderExcluirQue meu avô, José Florentino de Albuquerque (Zé Maria) esteja bem e feliz ao lado dos nossos antepassados noutros planos além deste terreno e passageiro.
Ass.: Caio Mateus Pessoa de Albuquerque Oliveira
Adorei a crônica Marconi! Lembrei muito da minha infância.
ResponderExcluirÉ isso aí Marconi, boas lembranças dos tios homens calmos. Pai tinha o jeito jovem, mesmo com bastante idade. Somos uma boa família. Sou Jaime de genor.
ResponderExcluirQuantas lembranças boas!
ResponderExcluirQuantas saudades!
Gratidão sempre!
Abs.