sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Três amigos adoeceram

        

        Três amigos adoeceram recentemente. Um deles vinha adoecendo há muito tempo, desde que aposentou.

        Lembro de uma conversa com ele logo após aposentar, ouvi, em parte fui bom ouvinte, em outro momento veio a impaciência dos mal ouvintes. 

        Nem posso afirmar que controlei a impaciência, mas continuei a escuta-lo. Quando o monólogo deu brecha, eu sugeri: "amigo, escreva, escreva, escreva tudo".  Pensava que ele escrevendo liberaria a sua angústia e ocuparia a mente, mais tarde substituíria os pensamentos por outros sadios. Ele vivia em uma depressão profunda. 

        Nem isto e nem outra tentativa ocorreu.  Hoje ele está inconsciente após uma cirurgia no crânio. 

        Os outros dois, as ocorrências foram repentinas, em um dia estavam bem, no outro hospitalizados. 

        Esta vontade de escrever a respeito veio me perseguindo desde os últimos vinte dias e se tornou inadiável quando desejei Feliz Aniversário e recebi o agradecimento com a informação que um dos amigos estava hospitalizado.

        Na quarta-feira é o encontro semanal com um grupo de amigos.  O assunto, citando um dos amigos foi comentado e passei a passear pela memória. 

        Saí visitando os encontros com amigos e familiares doentes, foi uma viagem silenciosa enquanto ouvia os companheiros da mesa falando as suas loas. Até rimos dos casos engraçados.  Mas a mente continuou o seu passeio e parou em um amigo que trabalhava na mesma agência que eu.

        "- Soubesse que "Célio"* foi hospitalizado?
        " - Não. O que houve?"
        " - Teve um infarto". 

        Na hora pensei: um infarto para quem tem 40 anos é coisa grave.
    
        Saiu do hospital e entrou em licença médica.  Finda a licença encontrei-o na agência, ele trabalhava em um posto bancário.

        " - E aí? Como está?
        " - Estou bem."
        " - Foi infarto?"
        " - Foi estresse".

        A conversa andou mais uns minutos e se encerrou. Mas "Célio" estava diferente, era mais comunicativo, ele ficou introspectivo. Meses nessa condição. 

        Essa imagem da sua introspecção tem servido como um ponto de observação e reflexão de quando as pessoas se encontram com grandes problemas em suas vidas. 

        Como o seu eu elabora tudo isso?

        É isto que venho refletindo sobre estes amigos com doenças recentes. Não por curiosidade, mas por afeto, por desejo que superem a condição e lá na frente coloquem um sorriso no rosto, daqueles que os olhos brilham também. 

        É preciso compreender, se isto estiver fora da nossa capacidade, é respeitar. Deixar a pessoa no seu luto. 

        É fundamental dar apoio, mas a dor do luto pode vir como um remédio para a alma. Noutras ocasiões esse remédio não vale nada, mas é preciso respeitar o momento de cada um.

        Este é o desafio:


        Esta crônica estava pronta desta a semana passada e não tive coragem de publica-la, se não fosse o encontro dos amigos com Loyola na nesta quarta-feira, ela ficaria para arquivo. Para arquivo. 
        
        Mas ela estava aqui, tendo uma frase que mostra a grande alma dele ao responder a um amigo da pelada. Calado eu prestação atenção ao redor e ouvi a sua resposta e ela veio assim, em tom de voz sereno, repetindo, sereno, eis: Para você ver a gravidade, estou fazendo quimioterapia. Mas o papo continuou, ele não mudou em nenhum momento o tom e nos fez felizes. Também serenamos. Serenamos. Ansiávamos para conversar com ele. 

        Ficamos muito alegres pelo encontro.  

        Vai um poema dos tempos que eu não dizia ao ver um amigo, a uma pessoa do meu apreço: Foi muito bom te ver, dizendo, cumprimentando e olhando nos olhos.

        Vai o poema:

        SÓ SAUDADE
        amigo,
        amigo sinto saudades,
        nunca ligo,
        não é por maldade,
        tem descaso,
        mas não é maldade,
        é por saudade.

        Amigo,
        a saudade enternece,
        quando cresce,
        entristece,
        acredite
        no meu coração
        na alma.

        Se lugar é
        muito grande.

        Amigo,
        não ligo, mas
        ligo aqui dentro,
        sei que não 
        advinhas.

        Imagine, amigo!
        Querer de 
        tão longe saibas
        disso,
        De longe e ainda
        mais
        se não ligo,
        mas digo,
        a saudade diminui
        quase rui
        quando estas palavras
        vão para ti.
        Só faltam chegar,
        verdade,
        verdade!

        Amigo,
        eu sou só saudade.

        Araruna-PR, 26.08.2000
        Fiz como um pedido de desculpa a Ary Braz.


       Abração, Marconi Urquiza 





(*)
Célio - nome fictício. 

11 comentários:

  1. Os ciclos se renovam, que saibamos semear mesmo que a colheita seja em favor de gerações futuras. Valeu amigo.

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  2. Oportuna crônica, Marconi, para reflexão nos tempos atuais, onde a saúde física e mental, por vezes ficam em segundo plano. Ainda bem que não foi arquivada.
    Os momentos de descontração, nos encontros com amigos, no voluntariado, nas caminhadas, na academia, no Happy hour, ..., ajudam bastante nestes momentos em que a mente insiste em buscar lembranças que levam à depressão, em função das diversas situações: financeira, afetiva, de saúde...
    Vamos cuidar, pois temos uma longa caminhada até a finalização de nossa missão neste plano e, jamais esqueçamos que:

    "Quando os dias forem bons, aproveite-os bem; mas, quando forem ruins, considere:
    *Deus fez tanto um quanto o outro, para evitar que o homem descubra alguma coisa sobre o seu futuro."
    Eclesiastes 7:14

    Abraço fraterno e excelente final de semana.🤝

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  3. Parabéns! Mas confesso que mexeu na alma.

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  4. É muito perturbador, quando tomamos conhecimento que uma pessoa amiga está doente. Num curto espaço de tempo, tomei conhecimento que uma iria fazer uma cirurgia complexa, que outro tivera um enfarte e outro, um AVC. Sobre a cirurgia, fiquei sabendo com bastante antecedência e foi possível acompanhar todas as etapas, até mesmo a recuperação, que ainda está em andamento. Com relação aos outros dois, as informações só chegaram, quando já estavam em rápida recuperação. Tudo foi tão inesperado e urgente, que não houve tempo e nem condições para que os amigos fossem avisados. Assim, o choque pelos fatos foi totalmente superado pela certeza e a alegria de que eles já estavam se recuperando bem.

    No mesmo período, outras três notícias deram conta que amigos haviam desembarcado do trem da vida, em sua última estação. Estou sereno quanto à isso. Sei que, um dia, também terei que desembarcar. Já tive algumas oportunidades, mas me "recusei" a descer e ainda estou por aqui. Ainda bem! Não tenho pressa.

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  5. Não é nada fácil aceitar as notícias de doenças e morte. Mas fazer o quê? (Lucia Ribeiro?

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