
Mas no tempo não havia horas. Graciliano Ramos
1. Há um bocado de tempo que eu pretendia falar sobre livros. Estava com dúvida se faria ou não. Livros, muita gente ler, a maioria não, e além disso não tem sido um assunto da moda, a não ser a crise das livrarias no Brasil.
2. Na última sexta-feira recebi um telefonema de um amigo me intimando a compilar em um livro parte das minhas crônicas, por causa disso me lembrei de uma história que correu minha vida dos anos oitenta até hoje.
3. Um dia, entre 1983 e 1984, me inscrevi em uma seleção interna no meu trabalho e eu nesta época fui apresentado a dois escritores, Othon M. Garcia e Graciliano Ramos. Livros escritos por eles fizeram parte de uma bibliografia, indicados para quem desejasse estudar como construir uma boa redação empresarial. Parágrafos curtos, objetividade, ação em primeiro lugar, justificativas depois.
4. Graciliano Ramos, meu vizinho. Ele de Quebrangulo, em Alagoas e eu de Bom Conselho, em Pernambuco. No entanto, este ilustre vizinho era completamente desconhecido por mim e só fui conhecê-lo por causa do Banco do Brasil.
5. Me tornei fã. Mas tive, na época, enorme dificuldade para ler seus livros. Meu vocabulário não dava conta das muitas palavras desconhecidas e os dicionários analógicos de então desestimulavam a leitura. Era um processo penoso e cansativo.
6. Bem, nesta semana fui atrás de um livro em um sebo virtual e passou pelo meu olhar alguns livros que li com gosto, dentre eles alguns fininhos, pequenos no tamanho, enormes na história e gigantes na técnica do escritor.
7. Estavam lá: Ninguém escreve ao coronel; Crônica de uma Morte Anunciada, Vidas Secas.
8. Já li muitos livros, mas vou pegar emprestado a palavra de especialistas: Vidas Secas é um livro diferente. Você sabia que Vidas Secas neste ano fez 80 anos de publicação e continua tendo reedições?
9. É um livro que pode ser lido de uma tirada, mas não faça isso, mesmo tendo apenas 176 páginas. Só lendo com vagar o leitor captura a essência da sua história.
10. Li outros livros do Velho Graça. Vidas Secas li apenas no ano passado. Para ler até mudei todo o meu modo de leitura. Um livro tão pequenino eu leria em algumas horas, levei 30 dias, mais até. Um coisa esquisita me ocorreu, quando faltavam algumas páginas para o final eu devolvi o livro para a estante dos livros a ler e ele quarou lá por muitos dias.
11. Acho que a leitura tão lenta foi uma reverência a Graciliano Ramos, não queria correr com a leitura, desejava como um aprendiz ávido absorver a sua magistral técnica. Queria ser um grosseiro imitador, mas imitar um mestre é quase se transformar em outro. Enfim, peguei-o de volta e conclui a leitura. O meu sentimento de perda havia sido quebrado.
12. Mas, enquanto eu lia vários sentimentos foram se misturando. Em certos instantes pareceu que eu via pelos olhos de Fabiano, teve um momento que a chicotada que levou o menino mais velho me atingiu. E baleia, a cachorra, coitada, doente de morte, quando ela levou o tiro de Fabiano para amenizar seu sofrimento eu cheguei quase a sentir a sua agonia de morte.
13. Quando acabei a leitura saí em busca das análises literárias. Li várias e resolvi fazer a minha.
14. A famosa frase enxuta de Graciliano Ramos esteve neste livro no seu maior grau. Mas não foi isso que me causou uma profunda impressão. Todo o enredo se passa tanto no plano, do contexto físico quanto no temporal, em uma aridez de derreter almas, mas o Velho Graça não acabou por aqui, ele quis fazer o leitor sentir mais outras. Trouxe a aridez dos sentimentos dos personagens embalada pela aridez de uma situação social crítica. É uma impacto psicológico profundo trazido pela forma como o livro foi escrito e que se tornou o principal fator da percepção desse contexto humano extremo.
15. O Velho Graça não enfeitou, a dor não se enfeita, a fome emagrece, embrutece, o desamparo tira a esperança, a fé em algo melhor a renova, mesmo mínima, e tudo isto está no livro.
16. É um livro magistral e se eu pudesse indicar uma leitura, indicaria esta obra prima, obra prima de um brasileiro genial.
16. É um livro magistral e se eu pudesse indicar uma leitura, indicaria esta obra prima, obra prima de um brasileiro genial.
Abraço,
Marconi Urquiza




