sexta-feira, 29 de maio de 2020

Distopia - por aqui

Black Mirror no blockchain - A distopia virando realidade | Cointimes

ROSA DO TEMPOS

O calendário informa,
quem será que 
passará o umbral?

O registro dos
tempos, que de
tempos da rosa 
dos ventos
vem comunicar.

Quem passará o
portal?

Deus não é maldoso,
muito menos
manhoso.

Mas a dor não
pode evitar.

É construção do
mundo,
Que no fundo
harmoniza,
avisa
que a rosa dos
ventos de tempos
em tempos rodará.

(Araruna-PR, 19.8.2000)

N
ão precisa concordar ...

    Eu não saberia explicar a distopia brasileira se não recorresse a um exemplo que convivi durante muitos anos. Na época dos acontecimentos eu começava a planejar a minha dissertação: Evidências de Tensão Ética em uma Instituição Financeira. Por ter me chamado a atenção, eu fui guardando as comunicações, da então, diretoria de distribuição, sobre desvios éticos que estavam ocorrendo na empresa.

A partir do episódio da denúncia de um ex-funcionário, que disse a um canal de televisão problemas internos da empresa. Problemas relacionados ao uso de robôs de informática para implantar pacotes de tarifas. Por causa disso, o diretor estampou na mídia interna a sua preocupação e começou a exigir que todos os funcionários lessem o código de ética, fizessem seis cursos relacionados à ética empresarial e respeito ao Código de Defesa do Consumidor. De um ponto de vista formal, a empresa seria a mais ética no Brasil.

    Eu continuei imprimindo e anotado as comunicações que tinha a ver com ética, quaisquer que fosse a temática subjacente. Guardei 30 dessas mensagens, separei 19 para estudar com a metodologia da Análise de Conteúdo. Quando o trabalho estava sendo finalizado, chegou uma mensagem proibindo se vender capitalização para pequeno produtor rural, o que era legalmente proibido. As comunicações iniciais traziam a mensagem de conscientização. 

A questão ética continuou forte, as metas a cumprir, com uma cobrança intensa, incessante, ainda mais forte e com exemplos abundantes de rebaixamento de gerentes gerais de agências, por não entregarem "os números". Mensagem que dizia o que de fato  era importante, e mais enfática, impossível. 

     O down grade era a ferramenta mais utilizada para convencer a se entregar a meta. Os meios legais, regulamentares e não regulamentares, mas aceitos, todos eram utilizados, desde que não vazasse.

Não é que um dia desses. Já após a deflagração do distanciamento social. Eu estava  expurgando meus arquivos físicos inúteis e achei uma mensagem que dizia, em resumo: Todos as vendas de capitalização para os micro e pequenos produtores rurais, beneficiado pelo programa de agricultura familiar, não somariam para o cumprimento das metas específicas deste produto. 

     Ao reler, eu recordei do meu pensamento ao ver pela primeira vez essa mensagem: "Não adiantou conscientizar" (A força do medo de perder o salário de gerente foi maior); "não adiantou as punições seletivas" (Os substitutos, impregnados pela cultura de resultados - por qualquer método - repetiram a venda proibida). Restou quebrar tudo, retirar o número do número. Os corpos foram indóceis.  

Essa foi a primeira distopia que tive consciência. Todo o paradigma ético, normativo, punitivo, do medo de perder algo valorizado, havia sido quebrado. Era a empresa reconhecendo que os parâmetros de controle e domínio das pessoas havia falhado, vencido por uma cultura empresarial muito poderosa. 

    Segundo a historiadora Lilia Moritz Schwarcz, o Brasil vive uma dupla distopia. A saúde, agravada por causa da pandemia e o outro, por causa da política. É o caos que se vive no país, e quando, muitos de nós, desejávamos que a liderança se espraiasse, pelo que imaginamos, de bom senso, e a pandemia fosse gerenciada a partir de uma coordenação consensual. 

Na última terça-feira, eu vi uma live (gravada) da historiadora Lilia, ela discutia com o mediador, o livro 1984, de George Orwell. Citou sobre a opressão, o caos, citou corpos dóceis, de Michel Foucault. 

A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos ‘dóceis’. A disciplina aumenta as forças dos corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência) […] a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada e a dominação acentuada. Foucault - Vigiar e Punir

Ao apresentar tais termos, ela acrescentou, palavras interpretadas por mim:
- Já vivemos o Caos (Confusão todo dia, confusão todo dia com método e propósito); 
- Já vivemos a opressão (A imprensa, as pessoas que manifestam a sua opinião contra esse caos são combatidos pelas ferramentas da informática e apontadas aos "corações" dos combatentes desse Caos para serem agredidas no verbo, a fronteira do físico já passou a tempos); 
- Corpos dóceis (As pessoas se auto impõem as restrições imaginadas pelo Grande Irmão, o Grande Caos, também já vem ocorrendo em larga escala.).

    Depois de muito tempo voltei a ler opiniões sobre o momento brasileiro. Há uma projeção que em agosto teremos 100 mil mortos de Covid-19. Há outra, que o Brasil poderá ser o país com maior número de mortos pela pandemia no mundo. 

E só não há maior resignação diante de tantas mortes e desse Caos todo, com desvio de foco da mazelas para outros assuntos, por que um um  grupo de brasileiros criou um site. Site onde os nomes dos brasileiros mortos pela Covid-19 e suas histórias são escritas em um memorial, o Memorial Inumeráveis. Para estes mortos não serão apenas um número, uma estatística. São gente, com nome, sobrenome, onde nasceram, as suas famílias, onde morreram. Gente! Gente!

     Retornando a questão das novas leituras. Nesta quarta esbarrei com um artigo individual que citava que no Brasil estava sendo utilizado pelo Caos os métodos nazistas. Os métodos nazistas consagraram o caos como método de dominação inicial da população. Primeiro vem o ódio, lá no passado foi fácil unir contra uma minoria, que já carregava um estigma de pelo menos 500 anos. Concomitante foi se criando o medo, mantendo o medo em alta, entre outros, daí vem aspectos do estado totalitário. Vigilância interrupta, punições rápidas e sem os ritos do judiciário, uma milícia forte e onipresente. 

Um dos métodos comentados pelos historiadores do nazismo é a comunicação transversal. Alguém vai dizer assim: "Olhe fulano, me deixe em paz." Um monte de sicranos, conhecendo o código, começa a agir e a perturbar, incomodar o fulano apontado no recado. Isto no mínimo.

     No nazismo havia muito esta atitude a partir do seu líder, o que era subentendido para a maioria das pessoas, para as tropas da SS (Schutzstaffel, em português, Tropas de Proteção), "cegamente leais", era claro e era uma ordem. 

Dias desses, eu vi o filme "Nunca Deixe de se Lembrar", contextualizado durante o nazismo e após a segunda guerra na Alemanha oriental e também na Alemanha ocidental. Há uma frase que eu guardei. O personagem principal ouviu uma pergunta, sobre ele ter fugido antes da construção do muro de Berlim: "Como é que você sabia que que eles iam fazer? - É só pensar ao contrário do que eles dizem. " 

     É preciso conhecer o método e o pensamento. "Como é que você sabia que eles iam fazer?"

O Caos precisa da polêmica, qualquer caos. A menção de um medicamento ineficaz só existiu para manter a estratégia de arenga em evidência, pois se houvesse concordância, seria escolhido outro ponto para polemizar. A estratégia é inventar novas verdades, repeti-las, mudá-las, nova repetição dessa nova verdade inventada, vem mais uma verdade, mais outra, mais uma, mais outra, mais uma, mais outra, mais uma, mais outra... Atacar as pessoas, atacar as pessoas, até que sejamos "corpos dóceis", aí poder sair cantando: "Tá dominado, tá tudo dominado"...

     A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos ‘dóceis’. A disciplina aumenta as forças dos corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência) […] a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada e a dominação acentuada. Foucault - Vigiar e Punir


Filtrar é a essência, fazer a profilaxia das mãos e do rosto. Água, sabão, pano duplo, cheirar de longe. Outra profilaxia é fundamental, a do pensamento. Lembre da frase: SE PUDER FIQUE EM CASA. "SE PUDER SE INFORME." Com isso a distopia brasileira pode começar a ser vencida pela nossa compreensão da realidade.


Abração, semana venturosa.
Marconi Urquiza

Links de citações:

Extra, livro para se aprofundar:
     

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Comentários de uma leitura


Fotomontagem livro aberto - Pixiz



Seja sempre inquieto e vez por outra paciente,

parece contraditório soa meio diferente

mas às vezes pisar no freio

também é andar pra frente.

Braúlio Bessa

Nesta semana eu vi muitos amigos trazendo as suas recordações, as suas saudades, especialmente por meio de fotografias, desencadeada pela história de João Mendes, da sua superação após não ser selecionado  para menor aprendiz do Banco do Brasil. 
Isto me deu um curto estímulo, não aproveitei e a minha mente esvaziou, fiquei sem ideias para escrever a crônica desta semana. Com aquele "branco", a doença que ocorre com escritores mundo afora, eu cheguei na sexta acreditando que teria de recorrer ao meu amuleto da sorte, um dos livros de crônicas de Antônio Maria (Araújo de Morais). Peguei o livro Bendito sejam as meninas, folheei, vi a crônica, Mulher nua na janela e não me animei.
Nos últimos sessenta dias eu li vários livros e fiz muitas leituras incompletas de crônicas, artigos mais elaboradas pelos jornais, tenho evitado vídeos pesados, assisti a algumas lives e vi alguns filmes que não derrubassem o meu estado de ânimo. 
Tem momento que eu fujo para dentro do site Canva e fico horas imaginando uma capa para os meus livros. Tem horas que fujo para dentro desses livros, já cansados deles: A Puta Rainha; Um nome para Alice e A morte não é uma opção. Livro que passei a chamá-lo de Livro 3 por causa da palavra morte. 
Mas não fujo mais para as leituras de livros do gênero policial e afins, que eu tanto gosto.  Romance de suspense psicológico, nem ver. Não vou estragar todo o esforço de neutralizar as emoções ruins deste momento em que vivemos.
Aí me ocorreu prestar a atenção nas poesias populares, declamadas pelos poetas nordestinos. Parecem só falar de dor, de saudade, do passado e de certo modo, da desesperança.  Comecei a prestar a atenção nos comentaristas da televisão, dos debatedores do programa de Geraldo Freire, na Rádio Jornal de Recife. A esperança, como palavra de estímulo, tende a passar longe. 
Entre os livros que li estão: Colégio de Freiras, instigante (Raimundo Carrero); Em busca de sentido, livro que ensina a não sucumbir a um momento como este (Viktor E. Frankl); O Sedutor do Sertão. Livro levíssimo, mensagem bem humorada (Ariano Suassuna); Caçando Carneiros, uma história que envolve algo sobrenatural. Prosa fabulosa. (Haruki Murakami). 
Depois de guardá-lo por mais seis meses, comecei a ler Agá, de Hermilo Borba Filho.  Boa prosa, livro envolvente, temas bons e que já o teria torado (lido) em uma semana de leitura. Já fez um mês. O livro tem passagens pesadas, mas sem se comparar a Stephen King, mesmo assim, tem sido penoso continuar lendo ele. Vou terminar, mas vou devagar. Um capítulo por semana. Estou na metade.
Aí na esteira daquele saudosismo aberto nesta semana, por João Mendes, eu viajei para um bocado de anos atrás. O ano era 2002, eu havia concluído a faculdade de Direito e ficava com toda a noite livre depois do jantar. Assinei os canais Telecine e comecei a assistir filmes, depois de 90 dias, eles começaram a se repetir, foi quando eu desencavei da cabeça um projeto bem antigo: Ler os livros de autores pernambucanos clássicos. O primeiro foi: Um Estadista no Império, de Joaquim Nabuco, devolvi à biblioteca da Universidade Corporativa do Banco do Brasil em dois dias. Não gostei da redação empolada. Foi quando me lembrei do meu desejo de ler Gilberto Freire. Havia lido com dificuldade Casa Grande & Senzala. Peguei outros, dois ou três, mas um me encantou.
Esse que me encantou foi Ingleses no Brasil. Gilberto Freire foi trazendo, com pormenores, a influência inglesa no Brasil, especialmente em Pernambuco e no Rio de Janeiro. Beber uísque, os nossos senhores feudais vestirem ternos brancos, o gosto pelo chapéu Panamá e várias outras influências na nossa cultura. 
Não me arrisco a enumerar, pois a leitura tem mais de dezoito anos. É um livro grande, 411 páginas de uma prosa fabulosa, fácil de ler, com frases que chamam as outras. Cada capítulo, uma descoberta, até que eu esbarrei em uma frase, a achei tão bonita que anotei em um papel, continuei a leitura. Gostei tanto do modo como Gilberto Freire escrevia, que eu disse para mim: Quero escrever como ele. Pois ele falava no livro da história do Brasil como se tivesse falando de uma traição bem picante.

Por causa da elegante e instigante frase de Gilberto Freire, eu escrevi um poema.

NÃO FOI TANTO, DECERTO!
MAS FOI QUANTO.
              Gilberto Freire (Ingleses no Brasil)

Não foi tanto amor,
decerto foi menor,
pois quanto se faz,
se mede pela razão,
pelo resultado que
cresce.

E a emoção,
se mede pelo que 
desce.

Decerto! 

Foi quanto,
que se mede o apreço
pelo resultado da 
alegria de sonhar,
da felicidade de 
ouvir o sorriso
de animar.

Decerto! 

Foi quanto
o coração se abriu
para querer e 
o resultado é mais,
que a soma percebida,
é mais uma conta 
sentida.

Então pode se dizer
que o amor,

Não é tanto, decerto!
É quanto.

(Araruna, PR, 08/4/2002)


Fabulosa semana.
Marconi Urquiza



sexta-feira, 15 de maio de 2020

Sorriso Perfumado


Explicação rápida e urgente: felicidade não é a mesma coisa que ...

Fazia tanto tempo que estava distante que começou a medir a alegria em semanas, as semanas foram passando, começou a medir a alegria em dias, os dias foram passando, começou a medir em horas. Os minutos foram se transformando em lágrimas contidas.
O sorriso escorregou do coração para os lábios quando o avião fez aquela curva enorme, rodeando toda a Curitiba, entrou no céu de São Jose dos Pinhais e foi taxiando. Lá na porta do desembarque, então bem próximo da sala de espera, um homem aguardava. 
Passageiros foram chegando e passando, de repente ele viu. Os olhos dos seus estavam arregalados procurando por ele, quando foi visto, a filho mais novo correu, os outros mais velhos, pareciam mais tímidos, chegaram depois, a esposa foi a última a chegar, lhe deu um beijo.
Lá no hotel estava tudo arrumado. Cada cama com um presente, sobre uma delas um buquê de rosas. Eram quatro para um lado, agora estavam os cincos juntos.


Quando a saudade matadora chegou, a inquietação cresceu tanto, tanto que ultrapassou os limites. Meses depois chegou ao seu destino. Subiu no prédio para se apresentar ao novo chefe. 
A luz azulada era filtrada pela película insulfilm. Se aproximou e se postou diante daquele cenário. O mar mostrava as suas ondas suaves, azul como o céu. O rio escuro se encontrava com o mar e outro rio mais adiante chegava quase empurrado, não tinha forças para andar sobre as ondas. 
Os olhos começaram a passear, foram até onde a vista  enxergava prédios. Correu os prédios de um lado para o outro, se admirando como aquele bairro tinha tantos. Correu a linha do mar, entrou em outro rio, correu as duas pontes sobre eles. Depois veio passeando pela avenida que percorria um cais famoso e foi chegando, desceu junto com o viaduto mais famoso, veio andando com o olhar e chegou na ponte logo abaixo. 
O olhar inquieto correu para a praça. "Tanta árvores assim?" Passeou pelas calçadas, parou na frente do teatro. Um som chegou aos seus ouvidos, um motor no rio pipocava devagar. Baixou o olhar e acompanhou aquele caminho nas águas, até seu olhar se perder na curva invisível do encontro com o mar.
Levantou os olhos e ficou quieto, absorvia toda a saudade do seu coração.


Seus olhos corriam pela pista. Passageiros e mais passageiros chegavam. A menina ao lado estava inquieta. Duas semanas que a sua alegria se misturava. Filhinha papai vai chegar. Mas ela disse cedo que o pai viria. Todos os dias a menina perguntava. Ele vai chegar filhinha, fique alegre. O seu própria coração sorria e ansiava pelo encontro.  Muitos meses antes ele tinha ido trabalhar na fronteira do Brasil com a Colômbia. Mais de cinco mil quilômetros de saudade.
Olha, na semana que vem vou ver a minha esposa e a minha filhinha! Dita de uma forma tão feliz que contagiou. Está de férias? Não vou aproveitar as folgas do quartel. E vai como? Mais alegre do que nunca respondeu. Vou de carona com um avião da FAB. Que maravilha. Eita, vai ser uma surpresa. Não! Um não dito com tanta convicção que provocou um espanto. Não!? Não, eu já disse a ela!  
Todos os dias eu ligo, todos os dias eu ouço a alegria me esperando chegar. E quando vai ser? Vou neste final de semana, agora na sexta. Boa viagem. Vai ser maravilhosa!
Mais vôos chegavam. Vem filhinha, papai chega logo. Levou a menina em um brinquedo para diminuir todo aquele aperreio. De costas ouviu um monstro cortando com ar com força, chapando o vento. O som foi diminuindo e ainda ruidoso foi encostando no outro lado. As lágrimas foram chegando, os lábios sorrindo e o sorriso se perfumando. "Vamos filhinha, papai chegou!"



Abração, semana venturosa.
Marconi Urquiza


sexta-feira, 8 de maio de 2020

Avô danadinho, avó valente como ninguém.

Mas o que quer dizer este poema? - perguntou-me alarmada a boa senhora. E o que quer dizer uma nuvem? - respondi triunfante. Uma nuvem - disse ela - umas vezes ... Frase de Mario Quintana.

Essa história chegou aos pedaços, um dia soube algo, muitos anos depois, mais um pouco e bem mais recente é que ela se formou.

A primeira parte eu ouvi de um familiar que minha avó havia quebrado todos os móveis do quarto ao flagrar meu avô com uma amante. Que ela era durona eu já intuía, pois em criança frequentei muito a casa dela para tomar café de manhã ou tomar uma sopinha gostosa com direito a passar pão francês sobre o prato para não deixar nenhum tracinho da sopa.

nesse dia a conversar correu, é claro que me admirei, até que ouvi: "Mas não foi só isso, ela quebrou tudo e levou para o quintal e fez uma fogueira. - Uma fogueira? - Uma fogueira." Me calei, mas ficou em minha mente uma certa admiração. Isto era nos anos 1930, logo no começo do casamento.

Toca a vida. Ela já era uma senhora com mais de 80 anos. Nesta época nós morávamos em Palmeirina, PE, 1994, imagino. Combinei com ela que a levaria para Recife, então na véspera da viagem eu fui pegar ela em Bom Conselho, pernoitou lá em casa e eu curioso comecei a conversar com ela. Curioso como sempre fui, fiquei rodeando, puxando conversa, puxando conversa, lembrei e voltei a agradecer pelo dinheiro que fui pedir emprestado para comprar um anel de compromisso para Cida e na verdade, me deu o que faltava. 

Sabe, naquele dia, ela disse: "Traga ela para eu conhecer." Agoniado, querendo ir para casa tomar banho e ir namorar eu disse: "Mangina já vou.  - Fique aí, o cuscuz já vai sair." Eu esperei e pensei que ela também jantaria, mas não, aquele cuscuz foi feito exclusivamente para mim. Foi estranho. 

Bem, voltando para o papo com Mangina em Palmeirina. A conversa andou e finalmente o meu avô entrou no papo. Ele já havia falecido há quase vinte anos. Eu falando da minha admiração por ele, acho que falei do temperamento que eu via na farmácia de papai. Ela ouvia, quando parei, Mangina disse: "Mas ele não era tão bonzinho assim", foi quanto perguntei pelo episódio dos móveis e ela confirmou. A conversa tomou outro rumo. Fomos dormir. 

Não sei se naquele dia, ou antes, ou depois, Cida chegou dizendo que estava Hiper Carrefour aqui em Recife e ela foi chamada, incluindo o sobrenome Urquiza. Meu avô era Valdemar Urquiza Cavalcanti. Aí uma senhora perguntou o que Cida era dele, "sou casada com o seu neto". O papo caminhou e aquela senhora disse, estou interpretando pelo sorriso mostrado por Cida, que ela gostou do flerte dele, pois disse: "Ele gostava muito de pular a cerca, era muito danadinho". A coisa foi se misturando. Menino não sabia dessas histórias e dos conflitos que causaram. Adulto, já com 35 anos, elas estavam se juntando.

Ele tinha sido um homem bonito. Na juventude, boxeador. Ainda mantinha um corpo esguio. Isto por volta de 1976, meu pai nessa época já era obeso.

Vou dar um salto para trás.

Aprendi a dirigir carros aos quinze anos. Depois de estar pronto para dirigir, meu pai me encarregou de levar duas vezes por semana ração para a sua fazenda, o Poço do Cosme. Na segunda levava ração e vovô, na sexta eu ia pegar vovô e levava mais ração. Ele ficava a semana toda tomando conta de lá.

Vovô era engraçado,  se eu corria muito, ele reclamava,  se dirigia devagar, ele perguntava se a roda era quadrada; ainda assim eu me divertia colocando 80 km/h em um trecho de reta, naquela estrada de terra cheia de costelas de Adão, alguns quilômetros depois da Serra de São Pedro,  na direção de Logradouro dos Leões, distrito de Bom Conselho, PE.

Mas em uma dessas sextas-feiras eu fui buscar vovô pela manhã.  Cheguei, deixei ele na sua casa e fui para a farmácia.  Aí, de repente, fora do script, meu pai me chamou ...


*

Este episódio ficou adormecido, nunca liguei aquela estranheza a nada mais que uma mudança súbita de humor. Fui, deixei ele na sede da fazenda. Nem desci, arrastei o carro arretado, levantando poeira com um marcha primeira forçada e vim embora.

Aí, alguns anos atrás, ocorreu um encontro de parte de nossa família em Maceió. Se não foi nessa ocasião, peço perdão. 

Chegamos na casa do meu xará, esposo da prima Milena Urquiza Ribeiro, filha da tia Marluze. A nossa prima, Maria Tereza, que mora nos Estados Unidos, queria comemorar o reencontro familiar com quem podia estar presente.

Em certo momento, o clube do bolinha se formou e por sermos todos de Bom Conselho as reminiscências foram sendo trazidas. Com Jeovane, por exemplo, não conversávamos há uns trinta anos. 

Quanto o papo rolava solto, chegou Rosa, esposa de Jeovane e  que morou com meus avós desta a infância até casar, eu acho. Aí ela olhou para mim e perguntou:
- Marconi, você se lembra quando teve que levar seu Valdemar de volta para a fazenda?
- Lembro.

 *

Vou contar a minha parte na história. Era uns nove horas quando fui pegar vovô na fazenda, naquela sexta-feira. Cheguei lá, esperei uns quinze minutos. Ele trouxe a sua bolsa, vi quando a empregada da casa fechou as portas, trouxe as suas coisas e entrou no carro. Nada a estranhar, pois era costume papai dar carona aos seus empregados e vizinhos para irem a Bom Conselho.

A viagem foi tranquila. Vovô calado, eu não corri demais e nem de menos. Tudo normal,  tudo circunspecto, tudo tranquilo durante a viagem. Quando eu deixei vovô na sua casa junto com   aquela senhora da corona, empregada que cuidava da casa e cozinhava para ele na fazenda, eu fui para a farmácia esperar a hora do almoço.


*

- Você  lembra? - Repetiu a pergunta Rosa.
- Lembro sim!
- Sabe o que ocorreu?
- Não. - Aí a minha curiosidade se acendeu.

Rosa começou, com aquela riqueza de detalhes que marcam a memória de uma pessoa.

- Seu Valdemar não viu quem havia entrado no banheiro e ao ouvir o som do chuveiro ligado ele foi para porta e ficou chamando bem baixinho: "Fulaninha, oh fulaninha, fulaninha, oh fulaninha". Quando eu vi ele ali, cheguei perto e disse: "Seu Valdemar, quem está aí é dona Georgina." 
- Disse Rosa que a reação imediata dele foi algo assim: "Ui, ui, ui, ui".

Imagine a cara de vovô,  apavorado.

Eu estava lá Farmácia Confiança, sossegado, acalentando a hora do almoço e companhia do meu pai para irmos a nossa casa, então ouvi:
- Marconi, venha cá. - Eu fui até onde ele estava e ouvi: - Vá pegar o seu avô e leve ele no Poço do Cosme.
- Mas pai! Eu trouxe ele, não faz nem duas horas.
Papai me olhou severo e disse mais ou menos assim:
- Vá levar o seu avô! Não é da sua conta!

Era um segredo de pai e filho, quem imaginaria meu avô com uns 72 anos está com uma namorada, beirando os 50 anos.


*

Mais de vinte anos depois daquela viagem silenciosa com vovô, estou com Mangina sentada na varanda da nossa casa em Palmeirina, calado, juntando todos os pedaços daquela minúscula parte da nossa história.

Não sei porque eu voltei a perguntar sobre o episódio da fogueira com os móveis, ela voltou a confirmar e ao ver a minha expressão, disse assim:
- Você pensa ele era bonzinho? Só tinha a cara.

Em um linguajar mais coloquial, só faltou ela dizer que ele era bem traquino.

Bem, faz um tempão que eles se foram.  Outro dia eu escreverei sobre o cuscuz especial que Mangina fazia. 


Abração, venturosa semana.
Marconi Urquiza

sexta-feira, 1 de maio de 2020

Qual foi a primeira menina que fez seu coração saltitar?

#TANTAS VEZES CHEGAMOS, TANTAS VEZES PRECISAMOS IR ALÉM. 


Um semana depois de entrar 
em quarentena, me veio uma ideia. 

Vou lançar um desafio 
me desafiei a perguntar.  

Na falta de imaginação, deixei do jeito que está,
pois desisti de querer adivinhar,
por quem o coração daquela menina iria saltitar.
mas deixa assim,
que é para eu não me enrolar.

Tudo começou, por volta daquele início de 1972. Uma nova família chegou para morar em Bom Conselho. Naquele tempo algumas famílias de Alagoas vinham para a cidade atraída pela fama cidade ser a cidade das escolas. O Colégio das Freiras, Nossa Senhora do Bom Conselho, o Colégio dos Padres, Colégio Estadual Frei Caetano de Messina, o Colégio São Geraldo, o Souto Maior e mais uma dezenas de escolas municipais.

No começo de 1972, como disse, chegou na mesma rua em que eu morava, uma da dessas famílias. Vieram de Quebrangulo. Imagino até hoje que eram parentes da família Ferro de Bom Conselho, já tradicional da cidade. 

O casal, dois filhos homens e uma adolescente, a mais nova entre os irmãos. Ao escolher onde iriam morar, ficaram vizinhos dos meus avós, cuja casa era muito frequentada por mim.

Aquele enorme oitão da igreja era o ponto de encontro dos rapazes para jogar bola. Três anos antes também havia sido campo  do jogos de queimada e de rouba-bandeira, onde as adolescentes jogavam, mas elas haviam crescido e nós nos apossamos do lugar, a despeito das reiteradas reclamações do Padre Caricio.

O tempo passou e a gente foi se aproximando dos filhos daquela família, principalmente do filho do meio, com idade próxima a das nossas. Aí chegou o final do ano. A irmã dele já havia começado a espalhar a sua simpatia conosco e isto foi incendiando todos os nós. Aquela linda menina nos assanhou, e muito. A gente parecia um enxame de abelhas atrás do melaço do pão-doce.

Ela era educada, conversava um pouco, mas bola para algum de nós, nenhuma. Mas quem se importava, a gente tentava conquistar o coração dela. Os meses passaram, penso, que lá pela metade de janeiro de 1973, ela viajou e aí alguém disse: "Informação de primeira; ela tem um namorado em Maceió e é de muito tempo". 

Ninguém nunca viu esse namorado e a moça, de 13 anos, foi sendo deixado de lado, por que ela não dava, mesmo, bola para nenhum da rua. Ela passou a andar, sem que ninguém chegasse  mais perto dela, aquele negócio de namorado esfriou os nossos ânimos. 

Mas não demorou muito e a família foi embora para Maceió. Ninguém nunca mais a viu. Então o desafio da pergunta virou uma armadilha para mim e me cobrou uma resposta. Vamos imaginar que no futuro eu soube dessa história em uma viagem e ele foi narrada para mim na primeira pessoa, bem pessoal e bem depois da pandemia. Virou o tempo, é 2024. 50 anos depois do último encontro.

* * *

Eu andava sem rumo em Shopping de Maceió, bisbilhotava as lojas, olhava o povo, tentando achar o que fazer e adiando a hora de tomar um chopp. Já fazia uns cinco minutos que eu observava uma senhora. Sabe, aquela longínqua lembrança a cutucar o pensamento: Eu conheço ela. E, "eu conheço ela" foi crescendo, crescendo e eu me levantei. Fiquei rodando onde ela andava. Estava só, então a minha vigília, feita foi com todo o cuidado para não virar assédio, transformou a tendência de tédio, que me toma, quando chego e demoro em um shopping.

Aí, em certo momento, quando a oportunidade surgiu, eu perguntei: "Você morou em Bom Conselho? - Desculpe não entendi. - Perdão, acho que me enganei. Sou de Bom Conselho e achei que uma moça que morou lá fosse a senhora. - Não senhor, nunca morei lá - Obrigado, até logo".

Ela me deu as costas e sumiu dentro do Shopping. Eu ainda dei uma olhada de esguelha, me admirei que aquela senhora ainda mantivesse o corpo esguio.

Como ainda havia uma livraria por lá nesse tempo, eu fui nela. Passeei  pelos títulos e me lembrei dos livros não lidos que estavam em casa. Me demorei, nada comprei, a não ser uma caneta de ponta extrafina vermelha que serve para anotar observações em alguns textos em revisão. Após pagar, coloquei a embalagem no bolso da camisa e fui saindo da loja, parei de novo, um título me chamou a atenção: Pacificando a Mente, do Dalai Lama. Folhei, achei uma no meio uma frase que casava com o meu momento. Comprei.

Saí para o corredor, fiquei indeciso para qual lado eu iria. De longe vi uma exposição de carros antigos. O azul do Dodge Magnum me atraiu. Fui lá. Os seis carros em exposição eram um chamariz para uma exposição maior no estacionamento do shopping. Saí do shopping e achei a exposição. Já de longe vi umas picapes, dei três passos devagar e depois acelerei. Três picapes lado a lado, elas estavam na última fileira, por trás dos automóveis. Cheguei perto e fiquei olhando. Uma Ford F1 de 1952, uma Chevrolet Brasil, 1963 e uma Marta Rocha, uma Chevrolet importada dos Estados Unidos nos anos 1950. Só para mal comparar, ela ganhou este apelido por causa da Miss Brasil de 1954, a belíssima Marta Rocha.

Rodei em volta das outras picapes, olhei dentro, me afastei um pouco e fiquei admirando todas elas. Deixei as outras duas de lado e me encostei na Marta Rocha. De vez em quando olhava ao redor para ver se o dono dela não estava me observando. Comecei a alisar a carroceria. Não resisti, abri a porta e olhei para dentro dela. Todos os detalhes estavam recuperados pela restauração rigorosa. Alisei o banco de couro, passei a mão pelo volante e ainda senti as reentrâncias para ajudar a fixa a mão ao se dirigir nela. Estiquei o braço e liguei o rádio. Rodei o dial, os altos falantes deram alguns estalidos e terminei achando uma rádio AM. Uma saudosa rádio AM. Tentei subir o volume para ver se escutava melhor, foi quando eu ouvi:
- O senhor gosta muito dela, não é?
Não respondi, a surpresa me fez mudo por alguns segundos, então disse:
- É da senhora?
Ela balançou a cabeça e disse:
- Foi do meu avô. Achei ela escondida em uma garagem na fazenda dele lá em Quebrangulo. Conhece?
- Conheço. Terra de Graciliano Ramos.
- Isso mesmo.
- Ela está muito linda. A restauração foi muito bem feita.
- Não tem restauração. Só mandei limpar.
- Mas ... É mesmo?
- Ele comprou lá no Recife e enciumado, para não estragar, ela a guardou e ficou lá, mesmo depois que morreu.
- Admirável.
- Posso entrar um pouco.
- Entre.
Eu entrei. Me acomodei, coloquei as mãos no volante. Para minha surpresa ela me ajudou a fechar a porta. Não saiu, permaneceu do lado de fora, me olhando, encantado com a picape dos meus desejos.

Depois de uns dois minutos, ela disse:
- Quer ouvir o motor?
- A senhora deixa?
Em resposta abriu a bolsa, dela subiu uma mistura de bons perfumes, ela passou a mão em um bolsinho lateral e tirou a chave, ao me entregar, me orientou:
- O senhor pisa na embreagem, aperte o botãozinho na alavanca e coloque a marcha no N, depois é só ligar. Acho que vai gostar do som.
- Original? - Perguntei sobre o motor.
- Sim, - dito junto com o balançar da cabeleira levemente grisalha.

Liguei, o ronco do motor V8 subiu. Fiquei nessa um minuto. Quando coloquei a mão na chave para desligar o motor, ela falou:
- Deixe ligada. Preciso manter a bateria carregada.
- Está bem. Muito obrigado.
- De nada. Gostaria de ter uma?
- Sim. Mas subiu muito o preço. Mas a senhora não está vendendo?
- Não. É que o senhor me lembrou de um menino que não podia ver um carro, logo ia atrás e quando que chegava perto, ficava todo ancho.
- Eu também fui assim. Corri muito atrás de carros que não conhecia, só para ver de perto.
- Ele era assim mesmo. Era aquele menino magro correndo pela rua.
- Eita! A senhora está fazendo eu me lembrar de mim mesmo.
- A magreza daquele rapaz fazia ele muito feio.
- A senhora falou de quem? - Perguntei desconfiado.
- Não lembro mais do nome. Morei pouco tempo na cidade.

A conversa deu uma pausa, olhei para ela bem de pertinho, vi bem o seu rosto e fui trazendo para os olhos a imagem de uma jovem, de cabelo penteado, com o corpo escondido por um bonito vestido, perfumada e contente por estar arrumada nas vésperas do natal. 
Ela percebeu que eu a admirava, mas nem se importou. Acho que outros admiradores se debruçaram sobre ela muitas vezes. Ela voltou a me olhar, como se quisesse falar, não perturbei o seu pensar, então ela disse:
- Mas eu lembro de um nome.
- O do magro?
- Sim. 
- Plínio?
- É, parece que era esse. - Confirmou sem nenhuma convicção.
- Mas eu tenho outro nome.
- Qual é?
- Clara.
- Como sabe o meu nome?
- Eu paquerei muito a senhora.
- Eu?
- Sim.
- Não me lembrava.
- O senhor é casado?

Aí a conversa correu biográfica mais alguns minutos. De lado a lado fomos contando trechos das nossas vidas, até que resolvi ser sincero:
- Posso fazer um elogio?
- Pode.
- A senhora ainda está muito bonita.
- É mesmo? - Perguntou toda contente, mas não disse nada sobre a minha aparência, mas fez uma observação:
- O senhor é muito gentil.
- Muito obrigado.

De longe me fazem um sinal.
- Preciso ir.
- Está bem. Foi muito bom conversar com o senhor. Tome aqui meu cartão. Quando voltar a Maceió me ligue para a gente dá uma voltinha nessa menina. - Riu e passou a mão sobre o capô da picape.

Quando me afastei alguns metros, ouvi:
- Plínio. - Me voltei e ela disse:
- Você era muito tímido.
- A senhora era, era muito bonita.
- Eu sei. Depois eu conto aquela história do noivado.

Sorri e fui embora,  planejando a volta à Maceió para saber essa história do seu noivado aos 13 anos.

Plínio se calou, então eu resolvi ajudar.
- Plínio, os próximos jogos de aposentados vão ser em Maceió. 
- Huum. Boa.

***

Abração, boa semana.

Marconi Urquiza.






  

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Tempos de mal humor

#TANTAS VEZES CHEGAMOS, TANTAS VEZES PRECISAMOS IR ALÉM.

Me abrace, que no abraço mais do que em palavras, as pessoas se gostam.... Frase de Clarice Lispector.

Na última semana eu fui repassando vários mini vídeos do TikTok com piadas e situações engraçadas. Ariano Suassuna, Chico Anísio, Costinha, Ari Toledo, um ou outro menos conhecido, também um ou outro manifestou que achava engraçado.

Não olho para os grupos grandes, pois ele são muito heterogêneos, mas para os grupos pequenos, dois deles, quando eu faço a transmissão fico observando, o bom humor não tem espaço. 

É tempos de coisas muitos sérias, Muitos se enojam com as coisas da política, Muitos reagem agressivamente a favor de certas coisas da política, mas, a percepção, é que tais coisas, apenas mascaram o sentimento forte de que estamos em um avião sozinho, sem piloto, sem a pista à vista, com o tempo enevoado, sem saber pilotar e sem ter a menor ideia de quanto combustível há nele.

A putaria que tinha uma boa frequência sumiu, a leitura começou a ser mencionada, postagens de notícias alvissareira cresceu. A acidez que temperava o espírito de alguns foi dando espaço ao silêncio. 

Silêncio, este é um silêncio diferente, não é desligar a tv, não ligar som, deixar de lado o celular por algum tempo, é um silêncio que toca no nosso espírito. O silêncio que trás a incerteza da hora seguinte, do outro amanhecer. É aquele estado de ensimesmamento de quando estamos precisando recorrer a tudo que temos dentro de nossa alma. Pode ser a fé, a oração, a experiência, ao auto controle, as raivas expurgadas.

As vezes esse tal silêncio não dura muito, alguns minutos apenas, alguns segundos, em um flash, mais que ligeiro.

Hoje eu acordei pensando naqueles diagnósticos de quando trabalhava: Você está tendo vontades súbitas? (Estou); Tudo que que vê parece urgente? (Mais que urgente); Muda de ideias várias vezes em pouco tempo? (Demais). Eram as perguntas do Exame Periódico de Saúde para medir o nível de estresse.

Tem tido tontura? (Ontem quase caio ao acordar, tive até que mijar sentado); Tem tido vontade de chorar? (Não, mas me emociono ainda com maior facilidade). Certo, não se esgota tais sentimentos nesta quadra de nossas vidas. AQUI CABE NOSSAS VIDAS, MESMO.

Pois bem, tudo isto cabe, em cinco segundos desse Silêncio da Alma.

Ontem foi um dia de excessos. Dormi pouco, acordei extremamente tonto, me demorei para ir lavar os pratos. Tomei um pouco de sol na varanda, li logo cedo, meia hora do romance Agá, de Hermilo Borba Filho e aí me deu àquele urgência dos fim dos tempos. Sentei-me na frente do computador e dei vazão a dois de pensamentos fixos. Criei uma marca para colocar nos meus livros: Galo Prosador Books. Fui no site no INPI, entrei no site do Canva e passei a manhã toda criando uma marca para essa pseudo editora.

Quando me dei por satisfeito fui nos três livros colocar a marca, atualizar as capas com a marca, alterar o resumo da quarta capa, depois colocar no site da Amazon, de autopublicação. Só consegui dormir nesta madrugada, depois da uma hora.

E agora a minha mente esvaziou, olhei para meu pequenino caderno de poemas, vi nele, cujos poemas, na maioria foram escritos há vinte anos, um poema: Só Saudade. Foi escrito para um amigo que foi nos visitar no natal de 1999, viajou 3 mil quilômetros e algum tempo depois a sua esposa questionou a minha, por causa do meu silêncio.

SÓ SAUDADE

Pensei em um
amigo,
amigo sinto saudades,
nunca ligo,
não é por maldade,
tem descaso,
mas não é maldade,
é por saudade.

Amigo,
a saudade enternece,
quando cresce,
entristece,
acredite
no meu coração,
na alma
seu lugar é muito grande.

Amigo,
não ligo, mas
ligo aqui dentro,
sei que não
advinhas.

Imagine, amigo!
Querer que de tão longe 
saibas disso,
de longe e ainda
mais

se nem ligo,
mas digo,
a saudade diminui,
quase rui
quando estas palavras
vão para ti,
só faltam chegar,
verdade. 
Verdade!

Amigo,
eu sou só saudade.
(Araruna, 26/8/2000)




Bem, abraço apertado. Bom final de semana.

Marconi Urquiza

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Quarentena - Em busca de sentido



Sem aviso Sem aviso, o vento vira uma página da vida... Frase de Helena kolody.
    Helena Kolody       
TANTAS VEZES CHEGAMOS, TANTAS VEZES PRECISAMOS IR ALÉM.

Vou começar com o título de um poema que tentei escrever em agosto de 2000: "TANTAS VEZES  CHEGAMOS, TANTAS VEZES PRECISAMOS IR ALÉM. O revi nesta semana, depois de muitos anos, ao encontrar um minúsculo caderno, onde me propus, naquele mês, escrever um poema por dia. 

Talvez ficasse assim:

TANTAS VEZES CHEGAMOS,
TANTAS VEZES PRECISAMOS IR ALÉM.

¨ Quantas vezes
   pulsamos,
¨ Quantas vez
   amargamos,
¨ Quantas desistimos, ....

Tantas vezes chegamos,
tantas vezes precisamos ir além.
  
Aqui acabou a redação original. 

Escrevi isto, ao sabor de enormes dificuldades que me perturbava o espírito naquele tempo. Dificuldade de ordem financeira, de uma jornada extenuante.  Do trabalho, como gerente do Banco do Brasil, de uma faculdade que cada vez mais exigia dos alunos, de minha própria visão de mundo, que queria ser mais e via diante de mim um enorme escudo invisível a me impedir de realizar meus sonhos profissionais. Tal como hoje, o escudo era perceptível, mas era invisível, tanto como estamos hoje, de modo amplo, diante do novo coronavírus.

Logo na primeira semana de confinamento, do distanciamento social, meu filho me indicou uma live gravada por vários profissionais que comentavam sobre a saúde mental, sobre o estado de espírito que se perturba em uma situação crítica como esta que estamos vivendo.

Ele foi muito específico ao dizer que deveria ver uma parte do vídeo (Construindo Sentido em Momentos Difíceis), onde um médico psiquiatra observava um ponto significativo para a continuação da vida em momentos extremos. Nesse vídeo ele citou um austríaco, preso em vários campos de concentração nazistas e autor de vários livros, entre eles: "Em busca de sentido". Seu nome: Viktor E. Frankl. Uma pequena biografia desse homem: Ele entrou em Auschwitz já médico e psicoterapeuta. 

Acabei de ler o livro nesta quarta-feira.

Como toda leitura deste nível, ela tem inúmeras paradas, inúmeras, pelo menos comigo. Lendo e lembrando. Lembrando e lendo. Entre estas lembranças, escolhi umas poucas. Que podem ser marcos muito fortes.

Tantas vezes chegamos,
tantas vezes precisamos ir além.

Vou começar por uma mais recente. Em 2013, a agência do Banco do Brasil recebeu um novo gerente geral. Nesta época, a minha função nessa agência era de gerente de atendimento. Em dois meses, "esse cidadão", revelou a sua personalidade. De uma maldade, um capo. Nos termos utilizados por Viktor Frankl ao se referir aos homens que tomavam conta dos barracões de judeus, eles próprios, também judeus. Ele atingiu forte todo mundo, mas me escolheu como seu alvo prioritário. Pegou forte, pegou duro, pegou com raiva, mas ele não tinha raiva, tinha maldade. 

Em uma das suas costumeiras reuniões unitárias comigo, eu senti que queria que eu sentisse medo, que tivesse medo dele como todas as horas.Quando eu tive a consciência disso, eu me levantei, fiquei conversando em pé. Não poderia mais deixar o medo me acorrentar.

Sabe, quantas vezes eu controlei me impulso para esmurrá-lo, quantas vezes usei o silêncio para criar uma resistência interna e não sucumbir a todo aquele assédio.  Mas era o começo do fim e eu não notei. 

Em fevereiro de 2015, após ele sair, eu marquei uma reunião com outro "cidadão", chefe de todo uma regional e fui lá, apesar das minhas tergiversações posteriores ao recado que queria dar. 

Naquele dia eu disse, firme, intimamente com raiva. Nem sei se isso transpareceu na minha voz ou no meu rosto, mas eu disse a esse outro "cidadão": "Olhe, mande um cara que nos una, pois esse que você mandou só nos fez mal." Devia ter dito mais, mas me calei.

Se já era alvo, arrumei uma bazuca apontada para a minha cabeça. Meses depois foi lançado o plano de aposentadoria incentivada. Como um tolo, eu estava desguarnecido emocionalmente, crendo que só por ser produtivo, me empenhar como nunca, ser um facilitador entre os funcionários e a gerência eu estaria salvo.

Não estava, logo no primeiro dia eu desmontei ao ouvir o recado que eu deveria aderir aquele plano de aposentaria. Na semana final, em dois eu recebi cinco avisos diretos que deveria sair. Por que sair? Esta era a minha pergunta? Não tinha tempo de INSS, era produtivo, até premiado recentemente. Não suportei, saí em agosto de 2015 e meu chão sumiu. 

Anos e anos, muitos anos, uns quinze, de uma luta por uma sobrevivência corporativa, de repente, perdi o sentido da vida. Mesmo  não tendo mais prazer em trabalhar no Banco do Brasil, era essa luta, diária, pesada, brigada, que me mantinha vivo.

Atabalhoado, imerso em uma crise familiar, que estava escamoteada. Que a escondia no trabalho. Eu me choquei com a realidade de ter de enfrentá-la desguarnecido da minha força de espírito. Nem a atitude, que costumeiramente me socorria, fazia sentido: "Só posso ficar assim um dia, amanhã tenho que ir para frente."

Meses fiquei neste estado, comecei a adoecer, arritmia cardíaca, pressa alta, dores de cabeça e foram elas que me levaram para um neurologista. Foi neste momento que tudo começou a mudar. 

Enquanto aguardava a hora da consulta, eu peguei um pequeno caderno e comecei a escrever para passar o tempo. Em certo momento, entrou uma lembrança de uma conversa, mas principalmente da companhia que meu pai me fez algumas vezes, ao olharmos para a rua e a praça, defronte a sua farmácia em Bom Conselho, ao entardecer.

Não tinha papo na maior parte, apenas a silenciosa e forte presença dele. Esta recordação me levou a pensar em uma cigana e aí comecei a escrever compulsivamente, na velocidade que a minha mão podia. Estava nascendo o livro A Puta Rainha.

Pouco a pouco, isto foi me dando um sentido para a vida. Foram 35 cadernetas  do tamanho A5, com cerca de 90 páginas, 3.150 páginas, manuscritas, durante um ano e meio. Estava tudo não caótico, como eu estava naqueles meses, que levei mais de dois anos para transformar tudo em um texto possível de ser lido. 

Hoje, quando estou revendo a pontuação, vejo como havia uma ânsia de escrever, de viver, de me achar e me achei. Trouxe lá do fundo de meu ser, uma vocação, a vontade e o redescobrimento daqueles poemas escritos aos 12 anos. Nunca pensei em ser escritor, quis ser jogador de futebol, quis ser engenheiro, quis ser arquiteto, fiz vestibular para medicina por influência do meu pai, fui bancário por desejo de casar e fui ser gerente por gosto e sentido de realização.

Aqui encerro essa seção autobiográfica.

A maioria do que leem esta crônica estão rodeando os 60 anos. Praticamente todos foram bancários. Quase todos em situação de risco diante dessa pandemia. Muitos, como eu, nervosos, com seus estados emocionais alterados. Muitos, creio, pensando na finitude, talvez pensando nos arrependimentos, das dores do que não fizeram e da maldade que praticaram. Tudo passa rápido, mas agora a câmara lenta entrou em ação. O tempo não passa, os marcadores de tempo, que passavam rápido por nossas vidas, estão vindo lentamente.

Devem estar passando pela tortura de se ver diante de um carrasco, não de um oficial da SS nazista em um campo de concentração, mas do vírus, que não sabemos quando chegará. A ciência diz que chegará em algum momento, pois não tem vacina à vista no curto prazo. 

Pode ser que, para algumas pessoas, como tenho visto da varanda do apartamento aqui na Av. Rosa e Silva, vizinho ao Náutico, já tenham desistido de viver e a quarentena não tenha nenhum valor. Por que, para essas pessoas, a vida pode ter perdido o sentido. Que há muito tempo ela já não tinha sentido para elas. A pandemia, pode ser a perfeita desculpa para se desistir de viver. 

E para nós?

TANTAS VEZES CHEGAMOS, 
TANTAS VEZES PRECISAMOS IR ALÉM.

¨ Quantas vezes
   pulsamos,
¨ Quantas vez
   amargamos,
" Quantas desistimos, ....

Tantas vezes chegamos,
tantas vezes precisamos ir além.
(Araruna, PR - 19.08.2000)

Abração, Marconi Urquiza




        Li este                                  Vou ler.

LINK DO VÍDEO: 
Ver dos 15 aos 38 minutos. 



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