sexta-feira, 19 de junho de 2020

Taquicardia a dois.



clarice-lispector

Amiga leitora, amigo leitor. Eu tive várias ideias na semana, mas ao escrever, em todas elas, a alma ficou devendo. Assim me socorri de Clarice Lispector. Vá no link, ouça e leia ou leia e ouça esta linda crônica.

Uma crônica de uma suavidade imensa, lírica, amorosa, como neste trechinho:
"E lá ficou com o sabiá na mão. O coraçãozinho do sabiá batia em louca taquicardia. E o pior é que minha amiga estava toda taquicárdica. ..."

Clique neste link:


Semana iluminada.
Abração, Marconi Urquiza


sexta-feira, 12 de junho de 2020

Passarinho tomando banho de sol

Canto do Rouxinol para Android - APK Baixar


O amanhecer do sertão
Sempre teve seus encantos
Aves através dos cantos
Nos dão a exatidão
Dessa belíssima canção
Nascida no arrebol
O minúsculo rouxinol
Arrodeia nossas casas
Cantando, batendo asas
Tomando banho de sol.

Ademar Rafael (João Pessoa, 11.06.2020)


Poderia ser uma metáfora, mas não é.

Sábado fez um lindo sol, eu acordei cedo e seis da manhã estava pegando os raiozinhos na varanda, de um sol gostoso, que acaricia a pele. O forró abanava macio os meus ouvidos, me encostei na mureta, olhando por olhar.  Aqui e acolá passava um  carro na rua. Da varanda eu via a Rosa e Silva e suas amigas vizinhas. De onde a vista alcança, aparecem as folhas das árvores. São tantas que convidam os passarinhos para visitarem e eles vão e vêm, chegam de mansinho ou em voos rasantes. 

Na rua quase ninguém, passou uma funcionária da padaria da frente. Desceu um vivente correndo de máscara, outro passou de bicicleta, meia duzia de carro já tinha passado. O forró tocava gostoso, alteei o som, um som diferente vinha da frente, baixei. Já fazia alguns alguns minutos que os passarinhos voavam, revoavam, piavam e cantavam na sede e árvores do Náutico. 

Nas suas evoluções, que dão inveja a qualquer Esquadrilha da Fumaça, paravam em um canto, noutro e aí eu fixei olhar em ponto e pensei, o passarinho está tomando banho de sol.  Pois bem, o sol bonito, o vento fresco, levemente úmido, a temperatura agradável. Nestes minutos foram aparecendo outros passarinhos.

Um Bem-ti-vi cantou, outro acompanhou, dois pássaros maiores se separaram e um deles voou veloz pela Rua Barão de Contendas. Mal comparando, parecia um pequeno jato em voo supersônico.

Três pássaros verdes voaram de longe juntos e pousaram na placa em frente à entrada do estacionamento do Náutico e nisso eu olhei, junto aos três, havia outro passarinho tomando banho de sol. Paciente, quieto, parecia de barriga cheia e só queria garantir a sua dose solar de vitamina D.

Como meninos buliçosos, os três passarinhos verdes pularam para o muro, do muro para os fios de alta tensão no meio da avenida. Nele ficaram alguns segundos, confabularam alguma coisa e bailaram, lá no solo as espigas da grama, apetitosas os chamavam. Comiam e piavam, era tanto piado que pareciam três amigos contando piadas.

De repente, a minha atenção foi desviada, uma Rolinha cantou, repetiu, sumiu rua acima, passou pela árvores da Rua da Angustura e lá despejou o seu canto junto com os dos Bem-ti-vis, nossos vizinhos do Country Club.

Alguns Canários da Terra chegaram e ficaram revoando de uma árvore para outra, aí eu me lembrei do passarinho tomando banho de sol. Estava impávido, solene, sereno. Olhei admirado e pensei: "Esse Galo de Campina é fera."

De repente a orquestra da vizinhança se reuniu e sem ensaios começou  a tocar, como? Tocava não, cantava. Um coral?  Em alguma árvore perto da Matriz do Espinheiro o som migrava de um lado para o outro e os passarinhos realizavam um conclave musical.

O Galo de Campina lá embaixo nem se mexia, pelo tempo eu fiquei desconfiado. Agucei o olhar, dei uma vaga nos passarinhos e disse: "Ôxe?"

Deixei o sol esquentando a parede e fui no quarto, troquei de óculos e voltei para a varanda. Meu Galo de Campina continuava impávido, sereno, solene, mas não estava lá, nem esteve, devia ter embelezado outras paisagens, pois quem estava lá parado, era um toco de ferro, que misturava a cor da ferrugem com pontos de vermelho e branco. 

Ainda bem que eu coloquei os óculos novos, mas que eu vi, vi, não era um "rouxinol", era outro passarinho, tomando banho de sol. 

(Recife, 06.06.2020 - Entre seis e seis e mais da manhã)


Abração, semana iluminada.
Marconi Urquiza


Conclave musical dos passarinhos: AUMENTE O SOM  NO MÁXIMO.


sexta-feira, 5 de junho de 2020

Perto da alegria

Um casal de ferias

O mundo é grande e cabe nesta janela sobre o mar. 
O mar é grande e cabe na cama e no colchão de amar. 
O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar. 
                                                            Carlos Drummond de Andrade


Aqui da varanda de casa olho o mundo, o mundo empatado pelos prédios que cercam o meu apartamento. As janelas estão vazias, um, outro, raros moradores chegam e também olham o mundo, apenas alguns segundos, logo voltam. Vêem menos do que eu, não contemplam o que enxergam.

Ouço no streaming uma canção de Chico Buarque, agora um clássico cubano embala os meus ouvidos, não gostei, apertei uma tecla e entrou outra música. Deixei ela embalar até a metade, busquei uma canção que o meu espírito aprove e me deixe contente, perto da alegria e longe da tristeza.

Oitenta dias de quarentena. Levanto a cabeça e fico olhando ao redor, sem procurar nada e tudo, desejando não me entediar, por isso passeio com olhar. O sol a pino deixa as cores vivas, bonitas, não faz calor na varanda. O sol está nas costas do prédio. Olho a taça de cerveja, está quase no final, daqui a pouco irei abrir outra minicerveja.

Os meus olhos voltam a passear de novo pelos prédios, esbarro durante poucos segundos, vejo uma pessoa, em um apartamento alto, bater um tecido na janela, jogando pó ao vento, que irá longe, o vento sopra suave.

Continuei sentado e passeando pela vizinhança, com aquela preguiça de quem vê a mesma coisa toda vez que olha no horizonte, aí o meu olhar esbarrou em uma janela, vi alguém como se estivesse bailando, agucei o olhar e vi uma mamãe embalando o seu bebê ao som daquela música, que só está no seu coração.

                                           O amor é grande e cabe no bailar de um ninar
هو هبه بين يدي (com imagens) | Arte de mãe, Pintura bebê, Mãe e ...
(Recife, domingo. 31 de maio de 2020. Entre às onze horas e o meio-dia)


Abração, semana iluminada.

Marconi Urquiza

sexta-feira, 29 de maio de 2020

Distopia - por aqui

Black Mirror no blockchain - A distopia virando realidade | Cointimes

ROSA DO TEMPOS

O calendário informa,
quem será que 
passará o umbral?

O registro dos
tempos, que de
tempos da rosa 
dos ventos
vem comunicar.

Quem passará o
portal?

Deus não é maldoso,
muito menos
manhoso.

Mas a dor não
pode evitar.

É construção do
mundo,
Que no fundo
harmoniza,
avisa
que a rosa dos
ventos de tempos
em tempos rodará.

(Araruna-PR, 19.8.2000)

N
ão precisa concordar ...

    Eu não saberia explicar a distopia brasileira se não recorresse a um exemplo que convivi durante muitos anos. Na época dos acontecimentos eu começava a planejar a minha dissertação: Evidências de Tensão Ética em uma Instituição Financeira. Por ter me chamado a atenção, eu fui guardando as comunicações, da então, diretoria de distribuição, sobre desvios éticos que estavam ocorrendo na empresa.

A partir do episódio da denúncia de um ex-funcionário, que disse a um canal de televisão problemas internos da empresa. Problemas relacionados ao uso de robôs de informática para implantar pacotes de tarifas. Por causa disso, o diretor estampou na mídia interna a sua preocupação e começou a exigir que todos os funcionários lessem o código de ética, fizessem seis cursos relacionados à ética empresarial e respeito ao Código de Defesa do Consumidor. De um ponto de vista formal, a empresa seria a mais ética no Brasil.

    Eu continuei imprimindo e anotado as comunicações que tinha a ver com ética, quaisquer que fosse a temática subjacente. Guardei 30 dessas mensagens, separei 19 para estudar com a metodologia da Análise de Conteúdo. Quando o trabalho estava sendo finalizado, chegou uma mensagem proibindo se vender capitalização para pequeno produtor rural, o que era legalmente proibido. As comunicações iniciais traziam a mensagem de conscientização. 

A questão ética continuou forte, as metas a cumprir, com uma cobrança intensa, incessante, ainda mais forte e com exemplos abundantes de rebaixamento de gerentes gerais de agências, por não entregarem "os números". Mensagem que dizia o que de fato  era importante, e mais enfática, impossível. 

     O down grade era a ferramenta mais utilizada para convencer a se entregar a meta. Os meios legais, regulamentares e não regulamentares, mas aceitos, todos eram utilizados, desde que não vazasse.

Não é que um dia desses. Já após a deflagração do distanciamento social. Eu estava  expurgando meus arquivos físicos inúteis e achei uma mensagem que dizia, em resumo: Todos as vendas de capitalização para os micro e pequenos produtores rurais, beneficiado pelo programa de agricultura familiar, não somariam para o cumprimento das metas específicas deste produto. 

     Ao reler, eu recordei do meu pensamento ao ver pela primeira vez essa mensagem: "Não adiantou conscientizar" (A força do medo de perder o salário de gerente foi maior); "não adiantou as punições seletivas" (Os substitutos, impregnados pela cultura de resultados - por qualquer método - repetiram a venda proibida). Restou quebrar tudo, retirar o número do número. Os corpos foram indóceis.  

Essa foi a primeira distopia que tive consciência. Todo o paradigma ético, normativo, punitivo, do medo de perder algo valorizado, havia sido quebrado. Era a empresa reconhecendo que os parâmetros de controle e domínio das pessoas havia falhado, vencido por uma cultura empresarial muito poderosa. 

    Segundo a historiadora Lilia Moritz Schwarcz, o Brasil vive uma dupla distopia. A saúde, agravada por causa da pandemia e o outro, por causa da política. É o caos que se vive no país, e quando, muitos de nós, desejávamos que a liderança se espraiasse, pelo que imaginamos, de bom senso, e a pandemia fosse gerenciada a partir de uma coordenação consensual. 

Na última terça-feira, eu vi uma live (gravada) da historiadora Lilia, ela discutia com o mediador, o livro 1984, de George Orwell. Citou sobre a opressão, o caos, citou corpos dóceis, de Michel Foucault. 

A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos ‘dóceis’. A disciplina aumenta as forças dos corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência) […] a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada e a dominação acentuada. Foucault - Vigiar e Punir

Ao apresentar tais termos, ela acrescentou, palavras interpretadas por mim:
- Já vivemos o Caos (Confusão todo dia, confusão todo dia com método e propósito); 
- Já vivemos a opressão (A imprensa, as pessoas que manifestam a sua opinião contra esse caos são combatidos pelas ferramentas da informática e apontadas aos "corações" dos combatentes desse Caos para serem agredidas no verbo, a fronteira do físico já passou a tempos); 
- Corpos dóceis (As pessoas se auto impõem as restrições imaginadas pelo Grande Irmão, o Grande Caos, também já vem ocorrendo em larga escala.).

    Depois de muito tempo voltei a ler opiniões sobre o momento brasileiro. Há uma projeção que em agosto teremos 100 mil mortos de Covid-19. Há outra, que o Brasil poderá ser o país com maior número de mortos pela pandemia no mundo. 

E só não há maior resignação diante de tantas mortes e desse Caos todo, com desvio de foco da mazelas para outros assuntos, por que um um  grupo de brasileiros criou um site. Site onde os nomes dos brasileiros mortos pela Covid-19 e suas histórias são escritas em um memorial, o Memorial Inumeráveis. Para estes mortos não serão apenas um número, uma estatística. São gente, com nome, sobrenome, onde nasceram, as suas famílias, onde morreram. Gente! Gente!

     Retornando a questão das novas leituras. Nesta quarta esbarrei com um artigo individual que citava que no Brasil estava sendo utilizado pelo Caos os métodos nazistas. Os métodos nazistas consagraram o caos como método de dominação inicial da população. Primeiro vem o ódio, lá no passado foi fácil unir contra uma minoria, que já carregava um estigma de pelo menos 500 anos. Concomitante foi se criando o medo, mantendo o medo em alta, entre outros, daí vem aspectos do estado totalitário. Vigilância interrupta, punições rápidas e sem os ritos do judiciário, uma milícia forte e onipresente. 

Um dos métodos comentados pelos historiadores do nazismo é a comunicação transversal. Alguém vai dizer assim: "Olhe fulano, me deixe em paz." Um monte de sicranos, conhecendo o código, começa a agir e a perturbar, incomodar o fulano apontado no recado. Isto no mínimo.

     No nazismo havia muito esta atitude a partir do seu líder, o que era subentendido para a maioria das pessoas, para as tropas da SS (Schutzstaffel, em português, Tropas de Proteção), "cegamente leais", era claro e era uma ordem. 

Dias desses, eu vi o filme "Nunca Deixe de se Lembrar", contextualizado durante o nazismo e após a segunda guerra na Alemanha oriental e também na Alemanha ocidental. Há uma frase que eu guardei. O personagem principal ouviu uma pergunta, sobre ele ter fugido antes da construção do muro de Berlim: "Como é que você sabia que que eles iam fazer? - É só pensar ao contrário do que eles dizem. " 

     É preciso conhecer o método e o pensamento. "Como é que você sabia que eles iam fazer?"

O Caos precisa da polêmica, qualquer caos. A menção de um medicamento ineficaz só existiu para manter a estratégia de arenga em evidência, pois se houvesse concordância, seria escolhido outro ponto para polemizar. A estratégia é inventar novas verdades, repeti-las, mudá-las, nova repetição dessa nova verdade inventada, vem mais uma verdade, mais outra, mais uma, mais outra, mais uma, mais outra, mais uma, mais outra... Atacar as pessoas, atacar as pessoas, até que sejamos "corpos dóceis", aí poder sair cantando: "Tá dominado, tá tudo dominado"...

     A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos ‘dóceis’. A disciplina aumenta as forças dos corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência) […] a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada e a dominação acentuada. Foucault - Vigiar e Punir


Filtrar é a essência, fazer a profilaxia das mãos e do rosto. Água, sabão, pano duplo, cheirar de longe. Outra profilaxia é fundamental, a do pensamento. Lembre da frase: SE PUDER FIQUE EM CASA. "SE PUDER SE INFORME." Com isso a distopia brasileira pode começar a ser vencida pela nossa compreensão da realidade.


Abração, semana venturosa.
Marconi Urquiza

Links de citações:

Extra, livro para se aprofundar:
     

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Comentários de uma leitura


Fotomontagem livro aberto - Pixiz



Seja sempre inquieto e vez por outra paciente,

parece contraditório soa meio diferente

mas às vezes pisar no freio

também é andar pra frente.

Braúlio Bessa

Nesta semana eu vi muitos amigos trazendo as suas recordações, as suas saudades, especialmente por meio de fotografias, desencadeada pela história de João Mendes, da sua superação após não ser selecionado  para menor aprendiz do Banco do Brasil. 
Isto me deu um curto estímulo, não aproveitei e a minha mente esvaziou, fiquei sem ideias para escrever a crônica desta semana. Com aquele "branco", a doença que ocorre com escritores mundo afora, eu cheguei na sexta acreditando que teria de recorrer ao meu amuleto da sorte, um dos livros de crônicas de Antônio Maria (Araújo de Morais). Peguei o livro Bendito sejam as meninas, folheei, vi a crônica, Mulher nua na janela e não me animei.
Nos últimos sessenta dias eu li vários livros e fiz muitas leituras incompletas de crônicas, artigos mais elaboradas pelos jornais, tenho evitado vídeos pesados, assisti a algumas lives e vi alguns filmes que não derrubassem o meu estado de ânimo. 
Tem momento que eu fujo para dentro do site Canva e fico horas imaginando uma capa para os meus livros. Tem horas que fujo para dentro desses livros, já cansados deles: A Puta Rainha; Um nome para Alice e A morte não é uma opção. Livro que passei a chamá-lo de Livro 3 por causa da palavra morte. 
Mas não fujo mais para as leituras de livros do gênero policial e afins, que eu tanto gosto.  Romance de suspense psicológico, nem ver. Não vou estragar todo o esforço de neutralizar as emoções ruins deste momento em que vivemos.
Aí me ocorreu prestar a atenção nas poesias populares, declamadas pelos poetas nordestinos. Parecem só falar de dor, de saudade, do passado e de certo modo, da desesperança.  Comecei a prestar a atenção nos comentaristas da televisão, dos debatedores do programa de Geraldo Freire, na Rádio Jornal de Recife. A esperança, como palavra de estímulo, tende a passar longe. 
Entre os livros que li estão: Colégio de Freiras, instigante (Raimundo Carrero); Em busca de sentido, livro que ensina a não sucumbir a um momento como este (Viktor E. Frankl); O Sedutor do Sertão. Livro levíssimo, mensagem bem humorada (Ariano Suassuna); Caçando Carneiros, uma história que envolve algo sobrenatural. Prosa fabulosa. (Haruki Murakami). 
Depois de guardá-lo por mais seis meses, comecei a ler Agá, de Hermilo Borba Filho.  Boa prosa, livro envolvente, temas bons e que já o teria torado (lido) em uma semana de leitura. Já fez um mês. O livro tem passagens pesadas, mas sem se comparar a Stephen King, mesmo assim, tem sido penoso continuar lendo ele. Vou terminar, mas vou devagar. Um capítulo por semana. Estou na metade.
Aí na esteira daquele saudosismo aberto nesta semana, por João Mendes, eu viajei para um bocado de anos atrás. O ano era 2002, eu havia concluído a faculdade de Direito e ficava com toda a noite livre depois do jantar. Assinei os canais Telecine e comecei a assistir filmes, depois de 90 dias, eles começaram a se repetir, foi quando eu desencavei da cabeça um projeto bem antigo: Ler os livros de autores pernambucanos clássicos. O primeiro foi: Um Estadista no Império, de Joaquim Nabuco, devolvi à biblioteca da Universidade Corporativa do Banco do Brasil em dois dias. Não gostei da redação empolada. Foi quando me lembrei do meu desejo de ler Gilberto Freire. Havia lido com dificuldade Casa Grande & Senzala. Peguei outros, dois ou três, mas um me encantou.
Esse que me encantou foi Ingleses no Brasil. Gilberto Freire foi trazendo, com pormenores, a influência inglesa no Brasil, especialmente em Pernambuco e no Rio de Janeiro. Beber uísque, os nossos senhores feudais vestirem ternos brancos, o gosto pelo chapéu Panamá e várias outras influências na nossa cultura. 
Não me arrisco a enumerar, pois a leitura tem mais de dezoito anos. É um livro grande, 411 páginas de uma prosa fabulosa, fácil de ler, com frases que chamam as outras. Cada capítulo, uma descoberta, até que eu esbarrei em uma frase, a achei tão bonita que anotei em um papel, continuei a leitura. Gostei tanto do modo como Gilberto Freire escrevia, que eu disse para mim: Quero escrever como ele. Pois ele falava no livro da história do Brasil como se tivesse falando de uma traição bem picante.

Por causa da elegante e instigante frase de Gilberto Freire, eu escrevi um poema.

NÃO FOI TANTO, DECERTO!
MAS FOI QUANTO.
              Gilberto Freire (Ingleses no Brasil)

Não foi tanto amor,
decerto foi menor,
pois quanto se faz,
se mede pela razão,
pelo resultado que
cresce.

E a emoção,
se mede pelo que 
desce.

Decerto! 

Foi quanto,
que se mede o apreço
pelo resultado da 
alegria de sonhar,
da felicidade de 
ouvir o sorriso
de animar.

Decerto! 

Foi quanto
o coração se abriu
para querer e 
o resultado é mais,
que a soma percebida,
é mais uma conta 
sentida.

Então pode se dizer
que o amor,

Não é tanto, decerto!
É quanto.

(Araruna, PR, 08/4/2002)


Fabulosa semana.
Marconi Urquiza



sexta-feira, 15 de maio de 2020

Sorriso Perfumado


Explicação rápida e urgente: felicidade não é a mesma coisa que ...

Fazia tanto tempo que estava distante que começou a medir a alegria em semanas, as semanas foram passando, começou a medir a alegria em dias, os dias foram passando, começou a medir em horas. Os minutos foram se transformando em lágrimas contidas.
O sorriso escorregou do coração para os lábios quando o avião fez aquela curva enorme, rodeando toda a Curitiba, entrou no céu de São Jose dos Pinhais e foi taxiando. Lá na porta do desembarque, então bem próximo da sala de espera, um homem aguardava. 
Passageiros foram chegando e passando, de repente ele viu. Os olhos dos seus estavam arregalados procurando por ele, quando foi visto, a filho mais novo correu, os outros mais velhos, pareciam mais tímidos, chegaram depois, a esposa foi a última a chegar, lhe deu um beijo.
Lá no hotel estava tudo arrumado. Cada cama com um presente, sobre uma delas um buquê de rosas. Eram quatro para um lado, agora estavam os cincos juntos.


Quando a saudade matadora chegou, a inquietação cresceu tanto, tanto que ultrapassou os limites. Meses depois chegou ao seu destino. Subiu no prédio para se apresentar ao novo chefe. 
A luz azulada era filtrada pela película insulfilm. Se aproximou e se postou diante daquele cenário. O mar mostrava as suas ondas suaves, azul como o céu. O rio escuro se encontrava com o mar e outro rio mais adiante chegava quase empurrado, não tinha forças para andar sobre as ondas. 
Os olhos começaram a passear, foram até onde a vista  enxergava prédios. Correu os prédios de um lado para o outro, se admirando como aquele bairro tinha tantos. Correu a linha do mar, entrou em outro rio, correu as duas pontes sobre eles. Depois veio passeando pela avenida que percorria um cais famoso e foi chegando, desceu junto com o viaduto mais famoso, veio andando com o olhar e chegou na ponte logo abaixo. 
O olhar inquieto correu para a praça. "Tanta árvores assim?" Passeou pelas calçadas, parou na frente do teatro. Um som chegou aos seus ouvidos, um motor no rio pipocava devagar. Baixou o olhar e acompanhou aquele caminho nas águas, até seu olhar se perder na curva invisível do encontro com o mar.
Levantou os olhos e ficou quieto, absorvia toda a saudade do seu coração.


Seus olhos corriam pela pista. Passageiros e mais passageiros chegavam. A menina ao lado estava inquieta. Duas semanas que a sua alegria se misturava. Filhinha papai vai chegar. Mas ela disse cedo que o pai viria. Todos os dias a menina perguntava. Ele vai chegar filhinha, fique alegre. O seu própria coração sorria e ansiava pelo encontro.  Muitos meses antes ele tinha ido trabalhar na fronteira do Brasil com a Colômbia. Mais de cinco mil quilômetros de saudade.
Olha, na semana que vem vou ver a minha esposa e a minha filhinha! Dita de uma forma tão feliz que contagiou. Está de férias? Não vou aproveitar as folgas do quartel. E vai como? Mais alegre do que nunca respondeu. Vou de carona com um avião da FAB. Que maravilha. Eita, vai ser uma surpresa. Não! Um não dito com tanta convicção que provocou um espanto. Não!? Não, eu já disse a ela!  
Todos os dias eu ligo, todos os dias eu ouço a alegria me esperando chegar. E quando vai ser? Vou neste final de semana, agora na sexta. Boa viagem. Vai ser maravilhosa!
Mais vôos chegavam. Vem filhinha, papai chega logo. Levou a menina em um brinquedo para diminuir todo aquele aperreio. De costas ouviu um monstro cortando com ar com força, chapando o vento. O som foi diminuindo e ainda ruidoso foi encostando no outro lado. As lágrimas foram chegando, os lábios sorrindo e o sorriso se perfumando. "Vamos filhinha, papai chegou!"



Abração, semana venturosa.
Marconi Urquiza


O poder revela ou transforma uma pessoa?

  imagem: Orlando/UOL.            Um papo na última segunda-feira entre aposentados do Banco do Brasil que tiveram poder concedido pela empr...