sexta-feira, 28 de agosto de 2020

CELEBRAÇÃO DE AMIZADE

Paraibana vence concurso de cartas dos Correios e maranhense fica em sexto  lugar - Maranhão Hoje

Desde a antiguidade
E do tempo de Esparta
Que existe troca de carta
Em nome da amizade.
Mesmo na 
Modernidade
Muitas cartas tenho
lido.
Tenho livro recebido
Como retribuição
Em forma de gratidão
A um livro remetido.
        "De Ademar Rafael Ferreira"


A literatura nos aproximou. No início do anos 1980 eu o conheci e nada sabia sobre o seu talento de escritor e poeta. Eu gostava de ler e lia pouco. Tinha saído da faculdade para ir trabalhar no Banco do Brasil, em Afogados da Ingazeira. 

Aqui e acolá eu escrevia memorandos e certo dia ele me encarregou de redigir um para uma diretoria, em Brasília.  Datilografei e levei para ele. Como bom professor,  à antiga,  deu vários riscos e definiu que o memorando estava ruim. Eu não entendia assim e me chateie.  Na segunda tentativa,  ele ainda encontrou erros e eu quase dizia que ele escrevesse. Por fim, escrevi da forma que era o costume na empresa. 

Um tempo depois ele começou a falar dos escritores clássicos da Rússia e eu, que nada sabia deles, fiquei sem jeito.  Leitor de bang-bang, FBI, de gibis e por aí vai, tinha lido pouco autores gabaritados de literatura.  Isto aos 23 anos.

Certo dia uma pessoa me apresentou Cem Anos de Solidão (Gabriel Garcia Márquez) e eu tive a ousadia de ler o livro de uma sexta- feira à noite para o domingo à tarde.  

Por esta época, esse amigo das letras me presentou com um livro, acho que foi o Discurso do Método.  Li alguma coisa e abandonei a leitura por não entender nada do que havia lido.

Saí de Afogados e ganhei o mundo,  mas a leitura só fez crescer. 

Em setembro do ano passado eu espalhei entre os amigos que havia acabado o romance  A Puta Rainha.  Beleza! Nem tanto. Mas pouco causa disso, ele me telefonou desejando comprar o livro. Obra que só conclui em março deste ano.

Em março mesmo enviei para ele um exemplar, que me respondeu com a carta carinhosa e repleta de erros do livro para eu corrigir.  Assim fiz.

Dias depois eu voltei a pegar o envelope. Retirei a carta e fui reler.  A linguagem primorosa revelava uma pessoa que, nem de longe, eu suspeitava.  Primeiro: os elogios; depois: a atenção de ler o texto como um professor que gosta de ajudar os alunos. 

A forma,  o conteúdo,  o presente valioso: um livro.

Assim, desde então, nós usamos um meio, saborosamente anacrônico, para conversamos.  Vai carta, vem livro, vai livro, vem carta e nas entrelinhas o apreço de um amigo.


Abraço Ronald, o velho Rona Bancaro.



Semana Iluminada,
Marconi Urquiza




sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Troll

 Portal da sua empresa, o que não pode faltar? - Bluecore

Acordei pensando naquele aluno do colégio, que ao descobrir uma apelido de outro colega, não deixava de dizer em voz alta, para quem estivesse por perto, o apelido que incomodava o desavisado. Ele era agradável, simpático e de vez em quando escolhia um para as suas intermináveis galhofas. Um dia esse aluno "brincou" demais, um amigo se impacientou e o esmurrou. Não escapou da suspensão. No dia seguinte, Serinho contava vantagem e já olhava quem seria seu próximo alvo.

Muito tempo atrás ouvi falar de um tal de Dr. Serius, afora a sua profissão liberal, ele tinha uma verve forte. Diziam, não conheci essa particularidade, que Dr. Serius facilmente tirava um interlocutor do sério, bastava esse, entrar no seu radar. A sua eloquência poderia ser um caso de estudo.

Com a voz poderosa e argumentos falsos, começou a instigar intrigas e as arengas foram crescendo, o seu instrumento para espalhar as suas veleidades eram homens que adoravam espalhar fofocas, mas um dia isto estourou e cinco homens, que gostavam da política, contrariados, invadiram o seu escritório e o surraram. Dr. Serius sumiu da cidade. O alcance das suas provocações estavam apenas naquela comunidade de 40 mil habitantes. Não em toda, apenas em uma parte.

Você conhece um Troll de carne e osso? Já conviveu?

Nesta semana, ganhou a mídia em geral, o caso da menina grávida do Espírito Santo que a Justiça autorizou o aborto. O caso passaria despercebido se não tivesse havido a recusa de um hospital de Vitória, a capital do estado, em fazer o procedimento autorizado e muito menos, se Sara Winter não tivesse gravado um vídeo. 

Foi o caso da garota de dez anos, que vinha sofrendo um estupro continuado desde os seis anos. A ocorrência em si mesmo, já era uma tragédia, uma situação que vai marcar a vida daquela garota profundamente, só isto, já deveria ser suficiente para que as pessoas tivessem compaixão. Muitas têm, muitos são indiferentes, é mais uma desgraça no meio de tantas que são noticiadas.

Eu, em particular, li a notícia e não a processei como destaque e nem dei o peso que ela deveria ter. Era uma notícia justa, lida em um site jornalístico que tenta recuperar o seu protagonismo e que faz um esforço grande para ter credibilidade.

A discussão sobre a situação da menina coincidiu com a leitura de um livro: Os engenheiros do caos. Este livro versa sobre as pessoas que impulsionam conteúdos, quaisquer que sejam, com o objetivo de influenciar o voto. O nosso voto. Tais "engenheiros" provocam na internet a adesão às suas ideias, catalisam as raivas dispersas e criam turbilhões, em cima de turbilhão. Tentam e conseguem uma incessante provocação em cima das pessoas que estão insatisfeitas com algum ponto sócio-político, sócio-emocional ou apenas emocional, o que significa: Mobilizar as massas. 

De 1933 para frente: o rádio e o cinema, na Alemanha. 2013: o Facebook no Brasil contra Dilma; 2014 no Brasil: a mídia tradicional com a Lava Jato. 2016 nos Estados Unidos: Twitter e Facebook na eleição presidencial.  2018 no Brasil: o uso do Whatsapp na eleição presidencial.

Estas situações não ocorreram por acaso, foi tudo organizado, concatenado, articulado, sempre com um propósito de dominar, ter poder, sujeitar, de mobilizar as massas e embotar no nosso pensamento crítico.

Mas vamos voltar para o caso da menina. Sara Winter descobriu, alguém disse a ela que a menina estava em Recife, em qual maternidade ela estaria para fazer o aborto necessário. Fez um vídeo no You Tube, os seguidores de Pernambuco aceitaram a provocação dela e foram para a frente do hospital. Perturbaram, chamaram a menina de coisas pouco santas, perturbando os doentes e o sossego das demais pessoas. Estas pessoas deveriam ter ponderado se os estímulos eram justos ou não, rezaram por uma espécie de fanatismo "religioso", que se mostrou ruim, mas que exemplificou como as redes sociais funcionam nestes mobilizações.

De modo geral, se conhece este fenômeno que a internet propicia e potencializa. A distância física não existe, só temos a distância do pensamento, ele que aproxima ou distancia.

Já se sabe que as redes sociais são programadas para fazer a gente ficar constantemente ligado nelas por meio da incessante distribuição de mensagens que impactam a nossa psicologia, provocam as nossas emoções justamente em um ponto que, em regra, há muita dificuldade em controlar: O ÓDIO.

Isto é o que faz um TROLL. São os provocadores da internet. Às vezes são apenas um instrumento de uma estrutura organizada: às vezes ele mesmo, é o líder dessa estrutura. Trump é um por excelência. 

Já conviveu com um provocador? Já conviveu com um manipulador? Já? 

Pois bem, tais pessoas são TROLLS e têm uma capacidade imensa de cutucar as insatisfações e na atualidade, usam os ALGORITMOS das redes sociais para os seus propósitos, pouco sacrossantos, para mobilizar as massas, estritamente para atender a estes interesses e com isso, costumam fazer muitas pessoas de bestas. Uma das bestas do algoritmo, podendo ocorrer dois, dos vários sentidos da palavra besta: o popular trouxa (bobo) ou o bíblico, no simbolismo do Apocalipse.


Abração, Semana Iluminada.

Marconi Urquiza


Link da imagem:

https://liu.se/-/media/liu/2015/12/07/electronic-identification/e-government.jpg?mw=1120&mh=1120&hash=BEF5533758CF3DD9E77BED3A804D8C99

Uma das notícias a respeito do caso:

https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/08/17/sara-giromini-estupro-vulneravel-prisao.htm

O livro:

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Foi assim, foi o título do convite: FEIJOADA BENEFICENTE.

 Solidariedade – Wikipédia, a enciclopédia livre

Quase sempre é

altruísta

Toda ação solidária

Busca ajudar o

próximo

E tem a lógica

gregária.

Da omissão nos 

redime

Pessoa que forma o

time

Nunca é beneficiária.

Poema de Ademar Ferreira Rafael


O momento, de tantas ações  solidárias, exemplificadas constantemente desde março, reforçando o caráter solidário de muitas pessoas na busca de ações coletivas para minorar o sofrimento de muita gente.

Eu estava atrás de uma inspiração para escrever a crônica desta semana, mas não pensava em nada que se assemelhasse a esse despertar do altruísmo, no entanto, eu achei esta história prontinha. Escrita na forma de um relatório, impessoal, escondendo todo o sentimento que nos moveu:

________________________________

13/10/2008

7:42

Foi assim, foi o título do convite: FEIJOADA BENEFICENTE.

     Caraúbas, 1990.

     Soubemos por vigilante da agência do Banco Brasil que a filha do vigilante do Banco do Estado do Rio Grande Norte tinha problemas nos olhos e que já havia perdido o olho direito. Um mal que levaria à cegueira total. Como notícia, como dor estava distante de nós, sentimos naquele momento apenas compaixão.

     Naquele época, discreta, minha esposa fazia entrega mensal de cestas básicas, havíamos adotado cinco famílias para as auxiliar nos alimentos.

     Cerca de dois meses após saber a notícia da garota de 13 anos, a filha do vigilante, eis que ele vem na agência, conversa com seus colegas de profissão e depois se aproxima de mim e faz o seu pedido. Conta-me a sua história e a sua falta de condição de curar a filha. Digo-lhe que não tenho dinheiro para lhe ajudar e fico por aí. Mas pedi que voltasse no dia seguinte.

     A noite converso com a minha esposa, [Cida], lhe narro o problema e juntos buscamos uma alternativa para conseguir o dinheiro. De um estalo surgiu a ideia de uma feijoada beneficente.

     Assim escolhida a alternativa, bolamos em casa mesmo os convites e tratamos de vender, 150 convites.

     Começamos a preparar a feijoada na sexta-feira anterior ao evento, fomos dormir de madrugada, no sábado cuidamos da organização da AABB, de como se faria o atendimento, do local em que ficaríamos com as panelas, a que hora lá chegaríamos, assim por diante.

     Do sábado para o domingo ficamos toda a madrugada cozinhando a iguaria lá no quintal de casa, conversando, cuidando do fogo de lenha e  usufruindo da fresca da madrugada, no quente Rio Grande do Norte.

     Sem experiência da quantidade que se colocaria em cada panelinha, fomos vendo com preocupação se acabar a feijoada antes das 14:00h, hora informada nos convites para o término do serviço. De 10 em 10 minutos a gente contava os ingressos, ainda faltam 40, ainda faltam 30, ainda faltam 20, refizemos a contagem e de fato apenas 120 pessoas vierem pegar a sua feijoada. 

     Frequentemente a gente chamava o vigilante [o pai da jovem]: como tá de gente lá? Tem muita gente, está chegando mais? Sim. E aí ficamos coletando esta informação e avaliando o que poderíamos fazer e ainda mais, torcer que não aparecesse todos os que haviam comprado o convite.

     14:00h. "Vamos encerrar logo, pois, do jeito que vai não sobra nem para o nosso almoço" e realmente, sobrou bem pouco, que  só deu para a gente almoçar, oito pessoas [que trabalhavam no evento], sem encher a barriga. 

      Feitas as contas e pagas as despesas repassamos ao vigilante 90% do lucro e 10% para uma senhora, que sem a gente dissesse que lhe pagaria algum valor, se propôs a nos auxiliar na empreitada.

      Dois meses após o evento vem o vigilante e nos informa: "Seu Marconi, a doença estancou, ela não vai ficar cega, mas ainda tem seis meses de tratamento, muito obrigado." 

    Apareceu e Agradeceu todos os meses até a nossa missão terminar naquela cidade, [em março de 1992], sempre trazendo informações acerca do tratamento da sua filha. 

________________________________

Quando eu pensava naqueles dias, em certo momento, alegre com essa recordação, me veio a imagem do dia em que o vigilante, do qual não lembro o nome, chegou onde eu estava e disse: 

- Ela está curada, agora só precisa ir de seis em seis meses para acompanhamento.

Passados 30 anos, espero que aquela menina seja uma mulher feliz, pois me sinto muito contente ter feito parte daquele esforço para salvar a sua visão.  

Esse altruísmo que a gente tem visto se aproxima do que disse Paulo Freire sobre a Esperança do verbo "Esperançar,  ... o esperançar de juntar-se com os outros para fazer de outro modo ..."

Abração, Semana Alegre.

Marconi Urquiza

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

O tapa do vento na cauda do avião


Pequeno manual contra medo de avião | Viagem e Turismo


Eu só me sinto seguro
com os pés rentes do
chão.
Um dia quase morri
Em um pequeno avião.
Vento na cauda batia
E eu rezando pedia
A Jesus a salvação.

Poema de Ademar Rafael Ferreira 

Não sei qual foi a sua maior aventura em uma viagem, passei por algumas: carro que quebrou no sertão da Bahia e a carona na caçamba de uma D20; Fusca empurrado no meio de um lamaçal nos confins do Amazonas; um cabrito transportado como bicho de estimação; uma manada de bodes invadindo um campo de futebol parando o jogo e por aí vai. No entanto, eu nunca vivi uma meia hora tão longa, como a que narrarei.

Cutucando os meus amados cadernos de inconfidências e de aperreios eu achei essa aventura, lá crua, agora eu dei uma enfeitada, pois voar baixo é bonito, se vê quase tudo, é quase como um drone, menos pelo ...

Era o ano de 1992 e eu fiz, junto com a minha família, a segunda das grandes viagens que empreendemos, pois sair do sertão potiguar rumo ao oeste do Amazonas, foi ir de um extremo ao outro. Cá beirava ao oceano Atlântico, escorregando do vale do rio Apodi, lá raspava os seringais do Acre.

O mês de março já estava para sair de fininho, deixei a turma em Caraúbas, no Rio Grande do Norte, e me mandei, primeiro para Manaus, depois de um breve estágio em Itacoatiara, por fim cheguei em Boca do Acre, do nome antigo: Santa Maria da Boca do (rio) Acre, Estado do Amazonas.

Depois de um mês distante da mulher e dos filhos, nós nos reencontramos em Manaus e daí seguimos, em um Boeing para Rio Branco, no Acre. Avião grande, trepidação pouca, estrada boa no céu de nuvens pouco carregadas.

Chegamos em um sábado no início da tarde. Era Abril, fazia um sol fabuloso, o calor deixava a minha pele com umas bolinhas de suor. Éramos três adultos e duas crianças, já tendo recebido uma dica de um colega, nos dirigimos ao box da empresa Táxi Aéreo Céu Azul, assim alugamos um avião monomotor, pois a estrada de Rio Branco até nosso destino estava intransitável.

O voo para Boca do Acre, a 226 quilômetros de distância, levaria cerca de trinta minutos.

Nos dirigimos para a pista e o asfalto de concreto estava ainda mais quente, era um calor infernal e uma umidade relativa do ar que fizeram crescer as bolhas de suor, que ficaram graúdas. A minha camisa estava ensopada, os rostos dos filhos avermelhados, puxávamos as maletas, três enormes.

O piloto nos levou até o avião. A primeira impressão foi de que o monomotor era novo, meio novo, para ser sincero. Estava com pintura recente. Chegamos no avião, acho que de quatro lugares. O aperreio foi para acomodar primeiro as malas, depois acomodar Quitéria, a nossa empregada, que era uma pessoa alta e corpulenta, depois Cida, Victor e Raphael se acomodaram. Demos um jeito e sentei na frente, mas o danado é que toda vez que o piloto mexia na direção, a do co-piloto batia nos meus joelhos e assim começou a viagem.

O piloto ligou o avião e ficou testando o motor, o calor interno estava derretendo todos nós, para amenizar ele pediu para manter a porta aberta, que ficava do meu lado. Assim ficamos vários minutos, quando se deu por satisfeito, começou a falar com a torre do aeroporto, naquela língua de sinais verbais, piorado pela estática do rádio, que estalava igual a milho de pipoca no fogo. 

Faltava a autorização da torre de comando do aeroporto para começarmos o voo, pois tinha uma avião grande pronto para iniciar a sua viagem. Autorizado, o nosso piloto começou a taxiar, ainda estávamos com a porta aberta, ele nem foi para o final da pista, aprumou o avião e olhou para a cabeceira. Lá longe, mas bem perto do aeroporto, vimos um rebuliço nas nuvens,  elas já faziam as suas piruetas, então ouvi o piloto dizer: "Vem uma chuva forte, se a gente não sair agora, a pista vai fechar", então ele acelerou e em segundos soltou o danado e ele começou a ganhar velocidade e aquela zoada da hélice no pé do ouvido, a incomodar.

Veloz, o avião desgarrou do chão e foi ganhando altura, não muito, uns vinte metros, nessa hora veio um vento lateral, deu um tapa de mão aberta na cauda do avião, ele se entortou todo e penando foi ganhando altura, o motor agora piava alto, em três minutos cruzamos o rio Acre e eu via o chão bem, bem ali, a um beiço de distância, então comecei a mover os lábios.

Não sei quanto o avião subiu, 50 metros, 100 metros e parou por aí, mas já dentro das nuvens. Estava muito nublado, a chuva ainda estava forte. A visibilidade não era das melhores e nisso o piloto começou a falar pelo rádio. Do pouco que eu entendi, sem uma visibilidade adequada, ele recebeu a sugestão de outro piloto para descer o avião e voar rente ao teto das nuvens, com um teto baixo, mas com a visibilidade bem melhor, dava para ver os rios, o gado, os vaqueiros,  as árvores. Algumas Castanheiras-do-Pará pareciam tão perto do avião que dava medo. 

Olhando para o piloto a todo instante, notei que ele havia começado a suar, corria um suor pela fronte dele e nisso, freneticamente movia, mexia um bocado, um dos botões do painel, era um tal de aperta, de desaperta e o suor não parava, foi quando eu comecei a declamar em silêncio: "Pai nosso que está no céu; Pai nosso que estás no céu", e enquanto o pai nosso não saia disso, a boca foi secando.

Com a boca seca, eu só olhava para frente e de repente vejo, do lado esquerdo um rio, já mais largo. Embora no contexto dos grandes rios da Amazônia, ele parecia um riacho encorpado.

Voltei a olhar o piloto, ele agora parecia mais tranquilo e aí voltou a conversar comigo, explicando que um avião tem circuitos elétricos independentes, que mesmo, no caso daquele monomotor, se ocorresse uma pane elétrica, o motor continuaria a funcionar.

Já mais confiante, deu uma guinada para a esquerda e aí surgiu uma pista de pouso, não vi nenhuma pessoa por perto, estranhamento total e a pista me pareceu enorme para o tamanho daquele avião. O piloto aterrissou e com cem metros ele voltou e foi para a estação de passageiro abandonada, descemos, tiramos as malas e uma Kombi se aproximou.

Ainda na pista do aeroporto de Boca do Acre, olhei para trás e vi o piloto tentando colocar o avião para ligar o motor, era um tal de aí, aí, o motor estalava e não pegava, fumaçava e teimava em ficar sem funcionar. Parecia meu velho Fusca quando teimava em não pegar.

Saímos do aeroporto e pegamos a pista para o bairro Platô do Piquiá, onde moraríamos. Cinco minutos depois, o piloto deu um sobrevoo rasante, nos avisando que ele voltaria para Rio Branco. Olhei para frente,  aliviado por estar em terra, respirando a fumaça da Kombi, que queimava mais óleo que gasolina e sinceramente, sinceramente, ainda hoje, quando lembro disso, engulo em seco, imaginando aquele avião engasgando lá em cima.

Aí eu tentei me lembrar de uma frase daquele dia, sem êxito, então encontrei essa de Fernando Sabino: "Os homens se dividem em duas espécies: os que têm medo de viajar de avião e os que fingem que não têm"; eu me incluo na espécie que reza quase o tempo todo.

Abração, Semana Iluminada.
Marconi Urquiza

sexta-feira, 31 de julho de 2020

O Exercício do Impossível

Conceito de negócio isométrica vicioso círculo impasse loop infinito. ilustração  impossível da ilusão de ótica da escadaria inexistente da via da fábula do  labirinto da fada impossível. | Vetor Grátis



O que verdadeiramente somos é aquilo que o impossível cria em nós.... Frase de Clarice Lispector.


Imagine que um amigo lhe mostre uma fotografia antiga, da qual você não se lembra mais ou lhe conte uma história de um episódio, do qual você sequer teria lembrado se ele não falasse, pois bem, foi assim que me senti.

Na semana passada eu estava escolhendo vários livros para doar, de um deles caíram várias fotografias de um encontro com amigos em Terra Boa - PR, deste mesmo livro caiu um lindo recado de um filho, de outros surgiram alguns pedaços de papéis com anotações mundanas, de três, três textos, do tempo em que eu invadia as notas técnicas de vários colegas, uma espécie de e-mail interno do Banco do Brasil. Logo no primeiro, eu esbarrei com um texto de título simples: Conversando, que não demonstrava o que de instigante havia no seu teor.

Abri a mensagem, de duas páginas, impressas em lado único e comecei a ler, aí, sim, a curiosidade se tornou em atenção e o meu cérebro a questionar e, principalmente, a se questionar, pois as frases iniciais, fortes, impactantes, mesmo após tantos anos, me impressionaram.

Não sei, não posso afirmar que estávamos no limite ou se restaria alguma energia para produzir tudo que nos era exigido. De 11 possíveis funcionários, tínhamos 9, acho que 4 eram caixas-executivos e o restante, me incluindo, para atender milhares de clientes e de quebra de uma vasta região que a cidade centralizava com seu amplo comércio, que misturava parte Pernambuco e com parte da Paraíba, além disso, tínhamos que entregar os resultados, sempre fortes. 

Não sei se o esgotamento avizinhava-se como uma cheia de rio que corre manso e não dar sinais de um desastre, pois não chove ali onde é observado, mas absorve toda água que escorrega por ele, em cujas cabeceiras caiu um dilúvio. O fato é que as condições de trabalho eram péssimas, inclusive com uma temperatura interna da agência que passava, com frequência, dos trinta graus.

Li e ao reler um das frases eu senti um bloqueio, passei horas pensando nela, tentando me compreender, buscando o contexto, a mais da realidade que descrevi acima. Tentando achar em mim, no meu estado de espírito naquele final de dia (20:18:10h), daquela quarta-feira, 20 de agosto de 2003, praticamente três meses após a minha chegada em Surubim, PE.

Só uma semana depois da releitura é que fui espantando o bloqueio, abrindo brechas para tentar compreender as razões para ter escrito o que escrevi. Como querer achar uma razão específica, algo que me respondesse assim: Se você fizer assim, o resultado é 1; mas se você fizer de tal forma, o resultado será 2, assim por diante. A verdade é que ainda estou procurando.

É bem provável que eu tenha absorvido integralmente o discurso corporativo da época e o transmiti, arredondando as palavras; também é possível que eu tenha sucumbido às ameaças de ter a cabeça cortada, após oito anos no Paraná "mantando um leão por dia" e um desespero começasse a surgir.

Bem, quero expressar a minha perplexidade com aquilo que estava escrito,  principalmente por que eu escrevi centenas de textos em vinte anos de escrita profissional. De textos motivacionais as críticas sutis e algumas ácidas, das simples histórias bem humoradas a alguns poemas, de certos relatos pungentes a histórias de futebol. Mas aquele texto, não me pareceu ser o meu estilo, utilizar um conjunto de palavras que me levasse e ainda me leva, ainda me provoca uma busca incessante pelo signo dela e do seu contexto. 

A verdade, é que a partir daquele marco temporal, nos anos seguintes e até a este momento, a minha minha vida foi de superação a cada dia, de organiza-se quando o caos nos varria, de achar vários sentidos para a vida. A verdade é que não achei todo o sentido, todo o significado e toda a energia expressa na frase.

A mensagem Conversando trazia algumas orientações de como se comportar perante a clientela, exortava a todos na busca da entrega e delimitava os objetivos a serem entregues. Seu conteúdo era bem comum, exceto por isto:

Colegas,

há dias fiz uma nota pessoal ao SUREG (meu chefe) e disse-lhe que estávamos no exercício do que era possível.

Vou me reposicionar, estamos no exercício do impossível.

Estamos no exercício do impossível. Sabe, você já alcançou ou passou por situações onde colocou toda a sua energia para superar uma causa, um desafio, uma meta que intimamente considerava impossível?

É provável que, ao me expressar com uma palavra tão taxativa, eu estivesse exercendo uma profissão de fé, a minha crença que poderia liderar uma equipe para alcançar o Impossível!

No presente, eu só imaginei esse sentimento do impossível ao refletir sobre o que viveram os profissionais de saúde nos primeiros meses da pandemia da Covid-19 e principalmente os doentes internados, até hoje, nas suas agruras entre o viver e o morrer. Acho que todos eles estiveram e estão em um penoso exercício do impossível.

Bom, se eu alcançar toda a dimensão do que escrevi, dessa perplexidade que me acometeu ao encontrar algo tão incisivo e para mim, tão profundo. Se eu alcançar essa busca, volto para falar com vocês e se não chegar à completa compreensão, levarei comigo esse espanto, talvez o mesmo expresso pelo escritor Milan Kundera: Não era a vaidade que a atraia para o espelho, mas o espanto de descobrir-se.

Viva a vida, sob muitos aspectos, ela é um Exercício do Impossível.

Abração, Semana Iluminada.
Marconi Urquiza


Mensagem original: Conversando





Conversando






sexta-feira, 24 de julho de 2020

Coisa de avô

Avó E Vovô Felizes Com Neta Retrato Da Família Ilustração Lisa Dos Desenhos  Animados Do Vetor Isolado No Branco Ilustração do Vetor - Ilustração de avó,  miúdo: 127693421 
Meus avós geraram
filhos
Dos meus pais eu fui
gerado
Eu e a esposa
geramos
Cada filho abençoado.
E o ciclo fica completo
Na hora que cada neto
Assumir nosso legado.
 
Poema de Ademar Rafael Ferreira


Há muitos anos eu escrevi uma crônica, em uma sexta-feira anterior ao dia dos pais, naquele curso de uma viagem que terminaria em cinco quilômetros a minha cabeça se encheu de ideias e eu escrevi que não sabia me definir como pai e trouxe os meus sentimentos de filho.

Lembrei da minha perplexidade ao ver cada filho após o nascimento, era uma impressão tão forte que só me coube silenciar durante vários minutos.

Dois netos estão vindo, primeiro a criança de Raphael e Joyce, agora virá a criança de Victor e Milena. É, uma nova vivência que virá e a vida se renovará.

É uma vivência nova se aproximando e aí as fortes lembranças chegaram sem pedir licença, vejo os rostos sorridentes das avós e dos avôs amorosos, então me vi sendo neto, entrando pela porta da frente da casa de Mangina (Maria Georgina) e de vovô Valdemar e  ir sentar na mesa para jantar ou tomar café ou simplesmente entrar na casa para conversar, melhor, ser ouvido na minha tagarelice infantil ou então me vi indo, a bordo de um Jipe, para o sítio de Pai Jaime e de mãe Centina (Vicentina), meus avós maternos, e ao chegar lá subir nos cajueiros, me banhar no riacho de água salobra, pular na palha do café despolpado, montar no jumento e cair sobre o capim, quando ele dava brabo.

Me vi entrando na cozinha: Bença mãe Centina; ir para o escritório: Bença Pai Jaime; Bença vovô; bença Mangina.

Na farmácia de papai, me encostar no balcão e ficar perto de vovô Valdemar, ouvir as suas histórias antigas; ver  Pai Jaime pitar um cigarro de fumo de corda; entrar de novo farmácia de papai e escutar meu avô reclamar de meu pai, ao dizer que ele era enganado: "Também! Quem tem besta não compra cavalo". Ele mesmo de uma bondade enorme, era o pai protetor se manifestando.

Eu sabia ser neto, um neto querido, recebido com carinho. Não sei como os meus avós se sentiam sendo avô, avó de três meninos traquinos, irrequietos e comilões.

Eu adorava ir para as casas deles, ver Mangina servir o bife de caçarola suculento e derramar o molho da carne sobre o cuscuz, ligar o rádio de mesa cheio de botões de vovô e ouvir ele falando umas línguas estranhas; de ir lá no sítio em Saloá para tomar leite recém retirado de uma vaca e tomar um copo com umas coleradas de açúcar, de acordar com o cheiro gostoso do café coado, colhido ali mesmo. De me servir em uma mesa enorme e enfrentar um prato de cuscuz com leite, que mais parecia de leite com cuscuz e ouvir: "Come menino para tua mãe não reclamar que você tá muito magro."

Chegar perto de Pai Jaime e ficar doidinho para pegar aquele rifle Winchester, luzindo pela lubrificação, encostado em pé na parede, perto da cabeceira da sua cama. Dirigir para vovô Valdemar e ouvir ele dizer: "A roda é quadrada?", quando dirigia devagar ou ele ralhar quando eu passava dos oitenta quilômetros por hora: "Tá correndo muito, rapazinho."

Era assim, eu sabia ser neto, vou aprender a ser avô para que as netas, os netos se lembrem de mim quando estiverem com 60 anos. 


Abração, Semana Iluminada.
Marconi Urquiza

O poder revela ou transforma uma pessoa?

  imagem: Orlando/UOL.            Um papo na última segunda-feira entre aposentados do Banco do Brasil que tiveram poder concedido pela empr...