Sabe uma daquelas perguntinhas que coloca a gente para pensar? Foi o que me ocorreu, quando me perguntaram como eu havia criado os personagens do romance A Puta Rainha.
Pois bem, meses atrás conversando pelo Instagram com uma leitora prévia do romance, ela disse que assim que tivesse oportunidade queria conversar sobre os personagens do livro, como os havia criado. A pergunta me fez pensar, eu criei mesmo ou foi a intuição que me conduziu?
No início confesso que fui tudo intuição. Tudo saiu de supetão da minha mente.
Quando pensava nessa crônica, eu recordei de um livro de Mário Vargas Llosa, cujo título é: Cartas a um Jovem Escritor. Em certo trecho deste livro ele observa que toda ficção começa autobiográfica. Em miúdos, um escritor começa um livro à partir de um ponto da sua própria vivência.
Não fugi a esta regra. Eu comecei A Puta Rainha por causa uma lembrança que me deu o motivo e o impulso naquele início*. Durante semanas esse impulso me conduziu, a história parecia que era ditada, no entanto, em certo ponto dessa trajetória da criação do livro eu me vi perdido, sem saber como encaminhar o livro para o final.
Então, em certo dia, eu fui para a Livraria Cultura do Paço da Alfândega, aqui em Recife. Agora fechada. Saí zapeando entre as estantes e em um dos móveis, que expunham as capas dos livros, eu vi A Jornada do Escritor (Christopher Vogler). Comprei e fui ler, na medida em que lia, eu fui remoldando a narrativa. Nesse livro descobri que um bom personagem, além de um conflito que precisa resolver, precisa de um mentor.
O mentor, também um personagem de ficção, que tem a função de ajudar o personagem principal a ser forte, valente, superar a si mesmo, superar as dificuldades e chegar no fim do livro diferente. Bem, tudo isso dentro de uma lógica chamada de verossimilhança, e que significa que tudo que está escrito no livro parece ser uma história verdadeira. Olha!!
Imagine amigo, pense no dilema. "A mentira" precisa ser bem contada, se a narração parece irreal pode cair no descrédito e o livro fracassar. Agora imagine, um escritor cair em uma situação de descrédito na era do cancelamento, das redes sociais viralizando tudo.
Com base no livro de Vogler eu comecei a pensar em um mentor para Dora. No perfil de uma pessoa que fosse capaz de dar um rumo para uma jovem de 14 anos.
Matutei, matutei para lá, para cá, passeie pelas minhas lembranças, pelas dezenas de livros que li, pelos exemplos do livro A Jornada do Escritor, até que um dia acordei pensando em um, o Coronel Zélio.
Veja o que ocorreu.
Nos primórdios do site Estante Virtual eu fui à caça de um livro antigo que tinha ouvido falar, de um uma pessoa real da nossa cidade - Bom Conselho. Uma liderança política que se manteve ativa mais de 50 anos, até falecer aos 84 anos. Essa pessoa era o coronel Zé Abílio - José Abílio de Albuquerque Ávila. Ao caçar, eu achei dois exemplares do seu livro: Um Coronel do Sertão. Era a sua autobiografia. Em 2010 eu li o livro, há uma frase nele que me soou como um aviso que o coronel dava aos seus desafetos: Não adianta o cabra gritar por São Bento depois da cobra picar. Achei tão significativa que incorporei no romance A Puta Rainha.
Por causa da leitura desse livro eu comecei a lembrar de um monte de comentários sobre o coronel Zé Abílio, da sua inteligência agregadora, da sua liderança pessoal e política, do seu jeito ardiloso de fazer as campanhas, do seu famoso cafezinho das cinco horas da tarde, mantido toda a sua vida. Aí, aos poucos, com base nesse personagem histórico eu comecei a imaginar quem seria o mentor para Dora, então fui construindo-o na medida em que escrevia, assim surgiu o Coronel Zélio. Ele não é o espelho do coronel Zé Abílio, mas tirei dele, o que mais me impressionou, a sua sabedoria de vida.
Bem que eu poderia incorporar uma chamada bem humorada para quando o coronel Zélio mandasse um aviso, frase costumeiramente dita pelo Padre Arlindo de Tamandaré quando encerra os seus vídeos: Mas menino!
Ao caminho fique
Atento
Pra não gritar por São
Bento
Depois que a cobra
picar.
Coronel Zé Abílio Um coronel do Sertão






