#TANTAS VEZES CHEGAMOS, TANTAS VEZES PRECISAMOS IR ALÉM.
Um semana depois de entrar
em quarentena, me veio uma ideia.
em quarentena, me veio uma ideia.
Vou lançar um desafio
e me desafiei a perguntar.
e me desafiei a perguntar.
Na falta de imaginação, deixei do jeito que está,
pois desisti de querer adivinhar,
por quem o coração daquela menina iria saltitar.
mas deixa assim,
que é para eu não me enrolar.
pois desisti de querer adivinhar,
por quem o coração daquela menina iria saltitar.
mas deixa assim,
que é para eu não me enrolar.
Tudo começou, por volta daquele início de 1972. Uma nova família chegou para morar em Bom Conselho. Naquele tempo algumas famílias de Alagoas vinham para a cidade atraída pela fama cidade ser a cidade das escolas. O Colégio das Freiras, Nossa Senhora do Bom Conselho, o Colégio dos Padres, Colégio Estadual Frei Caetano de Messina, o Colégio São Geraldo, o Souto Maior e mais uma dezenas de escolas municipais.
No começo de 1972, como disse, chegou na mesma rua em que eu morava, uma da dessas famílias. Vieram de Quebrangulo. Imagino até hoje que eram parentes da família Ferro de Bom Conselho, já tradicional da cidade.
O casal, dois filhos homens e uma adolescente, a mais nova entre os irmãos. Ao escolher onde iriam morar, ficaram vizinhos dos meus avós, cuja casa era muito frequentada por mim.
Aquele enorme oitão da igreja era o ponto de encontro dos rapazes para jogar bola. Três anos antes também havia sido campo do jogos de queimada e de rouba-bandeira, onde as adolescentes jogavam, mas elas haviam crescido e nós nos apossamos do lugar, a despeito das reiteradas reclamações do Padre Caricio.
O tempo passou e a gente foi se aproximando dos filhos daquela família, principalmente do filho do meio, com idade próxima a das nossas. Aí chegou o final do ano. A irmã dele já havia começado a espalhar a sua simpatia conosco e isto foi incendiando todos os nós. Aquela linda menina nos assanhou, e muito. A gente parecia um enxame de abelhas atrás do melaço do pão-doce.
Ela era educada, conversava um pouco, mas bola para algum de nós, nenhuma. Mas quem se importava, a gente tentava conquistar o coração dela. Os meses passaram, penso, que lá pela metade de janeiro de 1973, ela viajou e aí alguém disse: "Informação de primeira; ela tem um namorado em Maceió e é de muito tempo".
Ninguém nunca viu esse namorado e a moça, de 13 anos, foi sendo deixado de lado, por que ela não dava, mesmo, bola para nenhum da rua. Ela passou a andar, sem que ninguém chegasse mais perto dela, aquele negócio de namorado esfriou os nossos ânimos.
Mas não demorou muito e a família foi embora para Maceió. Ninguém nunca mais a viu. Então o desafio da pergunta virou uma armadilha para mim e me cobrou uma resposta. Vamos imaginar que no futuro eu soube dessa história em uma viagem e ele foi narrada para mim na primeira pessoa, bem pessoal e bem depois da pandemia. Virou o tempo, é 2024. 50 anos depois do último encontro.
* * *
Eu andava sem rumo em Shopping de Maceió, bisbilhotava as lojas, olhava o povo, tentando achar o que fazer e adiando a hora de tomar um chopp. Já fazia uns cinco minutos que eu observava uma senhora. Sabe, aquela longínqua lembrança a cutucar o pensamento: Eu conheço ela. E, "eu conheço ela" foi crescendo, crescendo e eu me levantei. Fiquei rodando onde ela andava. Estava só, então a minha vigília, feita foi com todo o cuidado para não virar assédio, transformou a tendência de tédio, que me toma, quando chego e demoro em um shopping.
Aí, em certo momento, quando a oportunidade surgiu, eu perguntei: "Você morou em Bom Conselho? - Desculpe não entendi. - Perdão, acho que me enganei. Sou de Bom Conselho e achei que uma moça que morou lá fosse a senhora. - Não senhor, nunca morei lá - Obrigado, até logo".
Ela me deu as costas e sumiu dentro do Shopping. Eu ainda dei uma olhada de esguelha, me admirei que aquela senhora ainda mantivesse o corpo esguio.
Como ainda havia uma livraria por lá nesse tempo, eu fui nela. Passeei pelos títulos e me lembrei dos livros não lidos que estavam em casa. Me demorei, nada comprei, a não ser uma caneta de ponta extrafina vermelha que serve para anotar observações em alguns textos em revisão. Após pagar, coloquei a embalagem no bolso da camisa e fui saindo da loja, parei de novo, um título me chamou a atenção: Pacificando a Mente, do Dalai Lama. Folhei, achei uma no meio uma frase que casava com o meu momento. Comprei.
Saí para o corredor, fiquei indeciso para qual lado eu iria. De longe vi uma exposição de carros antigos. O azul do Dodge Magnum me atraiu. Fui lá. Os seis carros em exposição eram um chamariz para uma exposição maior no estacionamento do shopping. Saí do shopping e achei a exposição. Já de longe vi umas picapes, dei três passos devagar e depois acelerei. Três picapes lado a lado, elas estavam na última fileira, por trás dos automóveis. Cheguei perto e fiquei olhando. Uma Ford F1 de 1952, uma Chevrolet Brasil, 1963 e uma Marta Rocha, uma Chevrolet importada dos Estados Unidos nos anos 1950. Só para mal comparar, ela ganhou este apelido por causa da Miss Brasil de 1954, a belíssima Marta Rocha.
Rodei em volta das outras picapes, olhei dentro, me afastei um pouco e fiquei admirando todas elas. Deixei as outras duas de lado e me encostei na Marta Rocha. De vez em quando olhava ao redor para ver se o dono dela não estava me observando. Comecei a alisar a carroceria. Não resisti, abri a porta e olhei para dentro dela. Todos os detalhes estavam recuperados pela restauração rigorosa. Alisei o banco de couro, passei a mão pelo volante e ainda senti as reentrâncias para ajudar a fixa a mão ao se dirigir nela. Estiquei o braço e liguei o rádio. Rodei o dial, os altos falantes deram alguns estalidos e terminei achando uma rádio AM. Uma saudosa rádio AM. Tentei subir o volume para ver se escutava melhor, foi quando eu ouvi:
- O senhor gosta muito dela, não é?
Não respondi, a surpresa me fez mudo por alguns segundos, então disse:
- É da senhora?
Ela balançou a cabeça e disse:
- Foi do meu avô. Achei ela escondida em uma garagem na fazenda dele lá em Quebrangulo. Conhece?
- Conheço. Terra de Graciliano Ramos.
- Isso mesmo.
- Ela está muito linda. A restauração foi muito bem feita.
- Não tem restauração. Só mandei limpar.
- Mas ... É mesmo?
- Ele comprou lá no Recife e enciumado, para não estragar, ela a guardou e ficou lá, mesmo depois que morreu.
- Admirável.
- Posso entrar um pouco.
- Entre.
Eu entrei. Me acomodei, coloquei as mãos no volante. Para minha surpresa ela me ajudou a fechar a porta. Não saiu, permaneceu do lado de fora, me olhando, encantado com a picape dos meus desejos.
Depois de uns dois minutos, ela disse:
- Quer ouvir o motor?
- A senhora deixa?
Em resposta abriu a bolsa, dela subiu uma mistura de bons perfumes, ela passou a mão em um bolsinho lateral e tirou a chave, ao me entregar, me orientou:
- O senhor pisa na embreagem, aperte o botãozinho na alavanca e coloque a marcha no N, depois é só ligar. Acho que vai gostar do som.
- Original? - Perguntei sobre o motor.
- Sim, - dito junto com o balançar da cabeleira levemente grisalha.
Liguei, o ronco do motor V8 subiu. Fiquei nessa um minuto. Quando coloquei a mão na chave para desligar o motor, ela falou:
- Deixe ligada. Preciso manter a bateria carregada.
- Está bem. Muito obrigado.
- De nada. Gostaria de ter uma?
- Sim. Mas subiu muito o preço. Mas a senhora não está vendendo?
- Não. É que o senhor me lembrou de um menino que não podia ver um carro, logo ia atrás e quando que chegava perto, ficava todo ancho.
- Eu também fui assim. Corri muito atrás de carros que não conhecia, só para ver de perto.
- Ele era assim mesmo. Era aquele menino magro correndo pela rua.
- Eita! A senhora está fazendo eu me lembrar de mim mesmo.
- A magreza daquele rapaz fazia ele muito feio.
- A senhora falou de quem? - Perguntei desconfiado.
- Não lembro mais do nome. Morei pouco tempo na cidade.
A conversa deu uma pausa, olhei para ela bem de pertinho, vi bem o seu rosto e fui trazendo para os olhos a imagem de uma jovem, de cabelo penteado, com o corpo escondido por um bonito vestido, perfumada e contente por estar arrumada nas vésperas do natal.
Ela percebeu que eu a admirava, mas nem se importou. Acho que outros admiradores se debruçaram sobre ela muitas vezes. Ela voltou a me olhar, como se quisesse falar, não perturbei o seu pensar, então ela disse:
- Mas eu lembro de um nome.
- O do magro?
- Sim.
- Plínio?
- É, parece que era esse. - Confirmou sem nenhuma convicção.
- Mas eu tenho outro nome.
- Qual é?
- Clara.
- Como sabe o meu nome?
- Eu paquerei muito a senhora.
- Eu?
- Sim.
- Não me lembrava.
- O senhor é casado?
Aí a conversa correu biográfica mais alguns minutos. De lado a lado fomos contando trechos das nossas vidas, até que resolvi ser sincero:
- Posso fazer um elogio?
- Pode.
- A senhora ainda está muito bonita.
- É mesmo? - Perguntou toda contente, mas não disse nada sobre a minha aparência, mas fez uma observação:
- O senhor é muito gentil.
- Muito obrigado.
De longe me fazem um sinal.
- Preciso ir.
- Está bem. Foi muito bom conversar com o senhor. Tome aqui meu cartão. Quando voltar a Maceió me ligue para a gente dá uma voltinha nessa menina. - Riu e passou a mão sobre o capô da picape.
Quando me afastei alguns metros, ouvi:
- Plínio. - Me voltei e ela disse:
- Você era muito tímido.
- A senhora era, era muito bonita.
- Eu sei. Depois eu conto aquela história do noivado.
Sorri e fui embora, planejando a volta à Maceió para saber essa história do seu noivado aos 13 anos.
Plínio se calou, então eu resolvi ajudar.
Plínio se calou, então eu resolvi ajudar.
- Plínio, os próximos jogos de aposentados vão ser em Maceió.
- Huum. Boa.
***
Abração, boa semana.
Marconi Urquiza.







