sexta-feira, 1 de maio de 2020

Qual foi a primeira menina que fez seu coração saltitar?

#TANTAS VEZES CHEGAMOS, TANTAS VEZES PRECISAMOS IR ALÉM. 


Um semana depois de entrar 
em quarentena, me veio uma ideia. 

Vou lançar um desafio 
me desafiei a perguntar.  

Na falta de imaginação, deixei do jeito que está,
pois desisti de querer adivinhar,
por quem o coração daquela menina iria saltitar.
mas deixa assim,
que é para eu não me enrolar.

Tudo começou, por volta daquele início de 1972. Uma nova família chegou para morar em Bom Conselho. Naquele tempo algumas famílias de Alagoas vinham para a cidade atraída pela fama cidade ser a cidade das escolas. O Colégio das Freiras, Nossa Senhora do Bom Conselho, o Colégio dos Padres, Colégio Estadual Frei Caetano de Messina, o Colégio São Geraldo, o Souto Maior e mais uma dezenas de escolas municipais.

No começo de 1972, como disse, chegou na mesma rua em que eu morava, uma da dessas famílias. Vieram de Quebrangulo. Imagino até hoje que eram parentes da família Ferro de Bom Conselho, já tradicional da cidade. 

O casal, dois filhos homens e uma adolescente, a mais nova entre os irmãos. Ao escolher onde iriam morar, ficaram vizinhos dos meus avós, cuja casa era muito frequentada por mim.

Aquele enorme oitão da igreja era o ponto de encontro dos rapazes para jogar bola. Três anos antes também havia sido campo  do jogos de queimada e de rouba-bandeira, onde as adolescentes jogavam, mas elas haviam crescido e nós nos apossamos do lugar, a despeito das reiteradas reclamações do Padre Caricio.

O tempo passou e a gente foi se aproximando dos filhos daquela família, principalmente do filho do meio, com idade próxima a das nossas. Aí chegou o final do ano. A irmã dele já havia começado a espalhar a sua simpatia conosco e isto foi incendiando todos os nós. Aquela linda menina nos assanhou, e muito. A gente parecia um enxame de abelhas atrás do melaço do pão-doce.

Ela era educada, conversava um pouco, mas bola para algum de nós, nenhuma. Mas quem se importava, a gente tentava conquistar o coração dela. Os meses passaram, penso, que lá pela metade de janeiro de 1973, ela viajou e aí alguém disse: "Informação de primeira; ela tem um namorado em Maceió e é de muito tempo". 

Ninguém nunca viu esse namorado e a moça, de 13 anos, foi sendo deixado de lado, por que ela não dava, mesmo, bola para nenhum da rua. Ela passou a andar, sem que ninguém chegasse  mais perto dela, aquele negócio de namorado esfriou os nossos ânimos. 

Mas não demorou muito e a família foi embora para Maceió. Ninguém nunca mais a viu. Então o desafio da pergunta virou uma armadilha para mim e me cobrou uma resposta. Vamos imaginar que no futuro eu soube dessa história em uma viagem e ele foi narrada para mim na primeira pessoa, bem pessoal e bem depois da pandemia. Virou o tempo, é 2024. 50 anos depois do último encontro.

* * *

Eu andava sem rumo em Shopping de Maceió, bisbilhotava as lojas, olhava o povo, tentando achar o que fazer e adiando a hora de tomar um chopp. Já fazia uns cinco minutos que eu observava uma senhora. Sabe, aquela longínqua lembrança a cutucar o pensamento: Eu conheço ela. E, "eu conheço ela" foi crescendo, crescendo e eu me levantei. Fiquei rodando onde ela andava. Estava só, então a minha vigília, feita foi com todo o cuidado para não virar assédio, transformou a tendência de tédio, que me toma, quando chego e demoro em um shopping.

Aí, em certo momento, quando a oportunidade surgiu, eu perguntei: "Você morou em Bom Conselho? - Desculpe não entendi. - Perdão, acho que me enganei. Sou de Bom Conselho e achei que uma moça que morou lá fosse a senhora. - Não senhor, nunca morei lá - Obrigado, até logo".

Ela me deu as costas e sumiu dentro do Shopping. Eu ainda dei uma olhada de esguelha, me admirei que aquela senhora ainda mantivesse o corpo esguio.

Como ainda havia uma livraria por lá nesse tempo, eu fui nela. Passeei  pelos títulos e me lembrei dos livros não lidos que estavam em casa. Me demorei, nada comprei, a não ser uma caneta de ponta extrafina vermelha que serve para anotar observações em alguns textos em revisão. Após pagar, coloquei a embalagem no bolso da camisa e fui saindo da loja, parei de novo, um título me chamou a atenção: Pacificando a Mente, do Dalai Lama. Folhei, achei uma no meio uma frase que casava com o meu momento. Comprei.

Saí para o corredor, fiquei indeciso para qual lado eu iria. De longe vi uma exposição de carros antigos. O azul do Dodge Magnum me atraiu. Fui lá. Os seis carros em exposição eram um chamariz para uma exposição maior no estacionamento do shopping. Saí do shopping e achei a exposição. Já de longe vi umas picapes, dei três passos devagar e depois acelerei. Três picapes lado a lado, elas estavam na última fileira, por trás dos automóveis. Cheguei perto e fiquei olhando. Uma Ford F1 de 1952, uma Chevrolet Brasil, 1963 e uma Marta Rocha, uma Chevrolet importada dos Estados Unidos nos anos 1950. Só para mal comparar, ela ganhou este apelido por causa da Miss Brasil de 1954, a belíssima Marta Rocha.

Rodei em volta das outras picapes, olhei dentro, me afastei um pouco e fiquei admirando todas elas. Deixei as outras duas de lado e me encostei na Marta Rocha. De vez em quando olhava ao redor para ver se o dono dela não estava me observando. Comecei a alisar a carroceria. Não resisti, abri a porta e olhei para dentro dela. Todos os detalhes estavam recuperados pela restauração rigorosa. Alisei o banco de couro, passei a mão pelo volante e ainda senti as reentrâncias para ajudar a fixa a mão ao se dirigir nela. Estiquei o braço e liguei o rádio. Rodei o dial, os altos falantes deram alguns estalidos e terminei achando uma rádio AM. Uma saudosa rádio AM. Tentei subir o volume para ver se escutava melhor, foi quando eu ouvi:
- O senhor gosta muito dela, não é?
Não respondi, a surpresa me fez mudo por alguns segundos, então disse:
- É da senhora?
Ela balançou a cabeça e disse:
- Foi do meu avô. Achei ela escondida em uma garagem na fazenda dele lá em Quebrangulo. Conhece?
- Conheço. Terra de Graciliano Ramos.
- Isso mesmo.
- Ela está muito linda. A restauração foi muito bem feita.
- Não tem restauração. Só mandei limpar.
- Mas ... É mesmo?
- Ele comprou lá no Recife e enciumado, para não estragar, ela a guardou e ficou lá, mesmo depois que morreu.
- Admirável.
- Posso entrar um pouco.
- Entre.
Eu entrei. Me acomodei, coloquei as mãos no volante. Para minha surpresa ela me ajudou a fechar a porta. Não saiu, permaneceu do lado de fora, me olhando, encantado com a picape dos meus desejos.

Depois de uns dois minutos, ela disse:
- Quer ouvir o motor?
- A senhora deixa?
Em resposta abriu a bolsa, dela subiu uma mistura de bons perfumes, ela passou a mão em um bolsinho lateral e tirou a chave, ao me entregar, me orientou:
- O senhor pisa na embreagem, aperte o botãozinho na alavanca e coloque a marcha no N, depois é só ligar. Acho que vai gostar do som.
- Original? - Perguntei sobre o motor.
- Sim, - dito junto com o balançar da cabeleira levemente grisalha.

Liguei, o ronco do motor V8 subiu. Fiquei nessa um minuto. Quando coloquei a mão na chave para desligar o motor, ela falou:
- Deixe ligada. Preciso manter a bateria carregada.
- Está bem. Muito obrigado.
- De nada. Gostaria de ter uma?
- Sim. Mas subiu muito o preço. Mas a senhora não está vendendo?
- Não. É que o senhor me lembrou de um menino que não podia ver um carro, logo ia atrás e quando que chegava perto, ficava todo ancho.
- Eu também fui assim. Corri muito atrás de carros que não conhecia, só para ver de perto.
- Ele era assim mesmo. Era aquele menino magro correndo pela rua.
- Eita! A senhora está fazendo eu me lembrar de mim mesmo.
- A magreza daquele rapaz fazia ele muito feio.
- A senhora falou de quem? - Perguntei desconfiado.
- Não lembro mais do nome. Morei pouco tempo na cidade.

A conversa deu uma pausa, olhei para ela bem de pertinho, vi bem o seu rosto e fui trazendo para os olhos a imagem de uma jovem, de cabelo penteado, com o corpo escondido por um bonito vestido, perfumada e contente por estar arrumada nas vésperas do natal. 
Ela percebeu que eu a admirava, mas nem se importou. Acho que outros admiradores se debruçaram sobre ela muitas vezes. Ela voltou a me olhar, como se quisesse falar, não perturbei o seu pensar, então ela disse:
- Mas eu lembro de um nome.
- O do magro?
- Sim. 
- Plínio?
- É, parece que era esse. - Confirmou sem nenhuma convicção.
- Mas eu tenho outro nome.
- Qual é?
- Clara.
- Como sabe o meu nome?
- Eu paquerei muito a senhora.
- Eu?
- Sim.
- Não me lembrava.
- O senhor é casado?

Aí a conversa correu biográfica mais alguns minutos. De lado a lado fomos contando trechos das nossas vidas, até que resolvi ser sincero:
- Posso fazer um elogio?
- Pode.
- A senhora ainda está muito bonita.
- É mesmo? - Perguntou toda contente, mas não disse nada sobre a minha aparência, mas fez uma observação:
- O senhor é muito gentil.
- Muito obrigado.

De longe me fazem um sinal.
- Preciso ir.
- Está bem. Foi muito bom conversar com o senhor. Tome aqui meu cartão. Quando voltar a Maceió me ligue para a gente dá uma voltinha nessa menina. - Riu e passou a mão sobre o capô da picape.

Quando me afastei alguns metros, ouvi:
- Plínio. - Me voltei e ela disse:
- Você era muito tímido.
- A senhora era, era muito bonita.
- Eu sei. Depois eu conto aquela história do noivado.

Sorri e fui embora,  planejando a volta à Maceió para saber essa história do seu noivado aos 13 anos.

Plínio se calou, então eu resolvi ajudar.
- Plínio, os próximos jogos de aposentados vão ser em Maceió. 
- Huum. Boa.

***

Abração, boa semana.

Marconi Urquiza.






  

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Tempos de mal humor

#TANTAS VEZES CHEGAMOS, TANTAS VEZES PRECISAMOS IR ALÉM.

Me abrace, que no abraço mais do que em palavras, as pessoas se gostam.... Frase de Clarice Lispector.

Na última semana eu fui repassando vários mini vídeos do TikTok com piadas e situações engraçadas. Ariano Suassuna, Chico Anísio, Costinha, Ari Toledo, um ou outro menos conhecido, também um ou outro manifestou que achava engraçado.

Não olho para os grupos grandes, pois ele são muito heterogêneos, mas para os grupos pequenos, dois deles, quando eu faço a transmissão fico observando, o bom humor não tem espaço. 

É tempos de coisas muitos sérias, Muitos se enojam com as coisas da política, Muitos reagem agressivamente a favor de certas coisas da política, mas, a percepção, é que tais coisas, apenas mascaram o sentimento forte de que estamos em um avião sozinho, sem piloto, sem a pista à vista, com o tempo enevoado, sem saber pilotar e sem ter a menor ideia de quanto combustível há nele.

A putaria que tinha uma boa frequência sumiu, a leitura começou a ser mencionada, postagens de notícias alvissareira cresceu. A acidez que temperava o espírito de alguns foi dando espaço ao silêncio. 

Silêncio, este é um silêncio diferente, não é desligar a tv, não ligar som, deixar de lado o celular por algum tempo, é um silêncio que toca no nosso espírito. O silêncio que trás a incerteza da hora seguinte, do outro amanhecer. É aquele estado de ensimesmamento de quando estamos precisando recorrer a tudo que temos dentro de nossa alma. Pode ser a fé, a oração, a experiência, ao auto controle, as raivas expurgadas.

As vezes esse tal silêncio não dura muito, alguns minutos apenas, alguns segundos, em um flash, mais que ligeiro.

Hoje eu acordei pensando naqueles diagnósticos de quando trabalhava: Você está tendo vontades súbitas? (Estou); Tudo que que vê parece urgente? (Mais que urgente); Muda de ideias várias vezes em pouco tempo? (Demais). Eram as perguntas do Exame Periódico de Saúde para medir o nível de estresse.

Tem tido tontura? (Ontem quase caio ao acordar, tive até que mijar sentado); Tem tido vontade de chorar? (Não, mas me emociono ainda com maior facilidade). Certo, não se esgota tais sentimentos nesta quadra de nossas vidas. AQUI CABE NOSSAS VIDAS, MESMO.

Pois bem, tudo isto cabe, em cinco segundos desse Silêncio da Alma.

Ontem foi um dia de excessos. Dormi pouco, acordei extremamente tonto, me demorei para ir lavar os pratos. Tomei um pouco de sol na varanda, li logo cedo, meia hora do romance Agá, de Hermilo Borba Filho e aí me deu àquele urgência dos fim dos tempos. Sentei-me na frente do computador e dei vazão a dois de pensamentos fixos. Criei uma marca para colocar nos meus livros: Galo Prosador Books. Fui no site no INPI, entrei no site do Canva e passei a manhã toda criando uma marca para essa pseudo editora.

Quando me dei por satisfeito fui nos três livros colocar a marca, atualizar as capas com a marca, alterar o resumo da quarta capa, depois colocar no site da Amazon, de autopublicação. Só consegui dormir nesta madrugada, depois da uma hora.

E agora a minha mente esvaziou, olhei para meu pequenino caderno de poemas, vi nele, cujos poemas, na maioria foram escritos há vinte anos, um poema: Só Saudade. Foi escrito para um amigo que foi nos visitar no natal de 1999, viajou 3 mil quilômetros e algum tempo depois a sua esposa questionou a minha, por causa do meu silêncio.

SÓ SAUDADE

Pensei em um
amigo,
amigo sinto saudades,
nunca ligo,
não é por maldade,
tem descaso,
mas não é maldade,
é por saudade.

Amigo,
a saudade enternece,
quando cresce,
entristece,
acredite
no meu coração,
na alma
seu lugar é muito grande.

Amigo,
não ligo, mas
ligo aqui dentro,
sei que não
advinhas.

Imagine, amigo!
Querer que de tão longe 
saibas disso,
de longe e ainda
mais

se nem ligo,
mas digo,
a saudade diminui,
quase rui
quando estas palavras
vão para ti,
só faltam chegar,
verdade. 
Verdade!

Amigo,
eu sou só saudade.
(Araruna, 26/8/2000)




Bem, abraço apertado. Bom final de semana.

Marconi Urquiza

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Quarentena - Em busca de sentido



Sem aviso Sem aviso, o vento vira uma página da vida... Frase de Helena kolody.
    Helena Kolody       
TANTAS VEZES CHEGAMOS, TANTAS VEZES PRECISAMOS IR ALÉM.

Vou começar com o título de um poema que tentei escrever em agosto de 2000: "TANTAS VEZES  CHEGAMOS, TANTAS VEZES PRECISAMOS IR ALÉM. O revi nesta semana, depois de muitos anos, ao encontrar um minúsculo caderno, onde me propus, naquele mês, escrever um poema por dia. 

Talvez ficasse assim:

TANTAS VEZES CHEGAMOS,
TANTAS VEZES PRECISAMOS IR ALÉM.

¨ Quantas vezes
   pulsamos,
¨ Quantas vez
   amargamos,
¨ Quantas desistimos, ....

Tantas vezes chegamos,
tantas vezes precisamos ir além.
  
Aqui acabou a redação original. 

Escrevi isto, ao sabor de enormes dificuldades que me perturbava o espírito naquele tempo. Dificuldade de ordem financeira, de uma jornada extenuante.  Do trabalho, como gerente do Banco do Brasil, de uma faculdade que cada vez mais exigia dos alunos, de minha própria visão de mundo, que queria ser mais e via diante de mim um enorme escudo invisível a me impedir de realizar meus sonhos profissionais. Tal como hoje, o escudo era perceptível, mas era invisível, tanto como estamos hoje, de modo amplo, diante do novo coronavírus.

Logo na primeira semana de confinamento, do distanciamento social, meu filho me indicou uma live gravada por vários profissionais que comentavam sobre a saúde mental, sobre o estado de espírito que se perturba em uma situação crítica como esta que estamos vivendo.

Ele foi muito específico ao dizer que deveria ver uma parte do vídeo (Construindo Sentido em Momentos Difíceis), onde um médico psiquiatra observava um ponto significativo para a continuação da vida em momentos extremos. Nesse vídeo ele citou um austríaco, preso em vários campos de concentração nazistas e autor de vários livros, entre eles: "Em busca de sentido". Seu nome: Viktor E. Frankl. Uma pequena biografia desse homem: Ele entrou em Auschwitz já médico e psicoterapeuta. 

Acabei de ler o livro nesta quarta-feira.

Como toda leitura deste nível, ela tem inúmeras paradas, inúmeras, pelo menos comigo. Lendo e lembrando. Lembrando e lendo. Entre estas lembranças, escolhi umas poucas. Que podem ser marcos muito fortes.

Tantas vezes chegamos,
tantas vezes precisamos ir além.

Vou começar por uma mais recente. Em 2013, a agência do Banco do Brasil recebeu um novo gerente geral. Nesta época, a minha função nessa agência era de gerente de atendimento. Em dois meses, "esse cidadão", revelou a sua personalidade. De uma maldade, um capo. Nos termos utilizados por Viktor Frankl ao se referir aos homens que tomavam conta dos barracões de judeus, eles próprios, também judeus. Ele atingiu forte todo mundo, mas me escolheu como seu alvo prioritário. Pegou forte, pegou duro, pegou com raiva, mas ele não tinha raiva, tinha maldade. 

Em uma das suas costumeiras reuniões unitárias comigo, eu senti que queria que eu sentisse medo, que tivesse medo dele como todas as horas.Quando eu tive a consciência disso, eu me levantei, fiquei conversando em pé. Não poderia mais deixar o medo me acorrentar.

Sabe, quantas vezes eu controlei me impulso para esmurrá-lo, quantas vezes usei o silêncio para criar uma resistência interna e não sucumbir a todo aquele assédio.  Mas era o começo do fim e eu não notei. 

Em fevereiro de 2015, após ele sair, eu marquei uma reunião com outro "cidadão", chefe de todo uma regional e fui lá, apesar das minhas tergiversações posteriores ao recado que queria dar. 

Naquele dia eu disse, firme, intimamente com raiva. Nem sei se isso transpareceu na minha voz ou no meu rosto, mas eu disse a esse outro "cidadão": "Olhe, mande um cara que nos una, pois esse que você mandou só nos fez mal." Devia ter dito mais, mas me calei.

Se já era alvo, arrumei uma bazuca apontada para a minha cabeça. Meses depois foi lançado o plano de aposentadoria incentivada. Como um tolo, eu estava desguarnecido emocionalmente, crendo que só por ser produtivo, me empenhar como nunca, ser um facilitador entre os funcionários e a gerência eu estaria salvo.

Não estava, logo no primeiro dia eu desmontei ao ouvir o recado que eu deveria aderir aquele plano de aposentaria. Na semana final, em dois eu recebi cinco avisos diretos que deveria sair. Por que sair? Esta era a minha pergunta? Não tinha tempo de INSS, era produtivo, até premiado recentemente. Não suportei, saí em agosto de 2015 e meu chão sumiu. 

Anos e anos, muitos anos, uns quinze, de uma luta por uma sobrevivência corporativa, de repente, perdi o sentido da vida. Mesmo  não tendo mais prazer em trabalhar no Banco do Brasil, era essa luta, diária, pesada, brigada, que me mantinha vivo.

Atabalhoado, imerso em uma crise familiar, que estava escamoteada. Que a escondia no trabalho. Eu me choquei com a realidade de ter de enfrentá-la desguarnecido da minha força de espírito. Nem a atitude, que costumeiramente me socorria, fazia sentido: "Só posso ficar assim um dia, amanhã tenho que ir para frente."

Meses fiquei neste estado, comecei a adoecer, arritmia cardíaca, pressa alta, dores de cabeça e foram elas que me levaram para um neurologista. Foi neste momento que tudo começou a mudar. 

Enquanto aguardava a hora da consulta, eu peguei um pequeno caderno e comecei a escrever para passar o tempo. Em certo momento, entrou uma lembrança de uma conversa, mas principalmente da companhia que meu pai me fez algumas vezes, ao olharmos para a rua e a praça, defronte a sua farmácia em Bom Conselho, ao entardecer.

Não tinha papo na maior parte, apenas a silenciosa e forte presença dele. Esta recordação me levou a pensar em uma cigana e aí comecei a escrever compulsivamente, na velocidade que a minha mão podia. Estava nascendo o livro A Puta Rainha.

Pouco a pouco, isto foi me dando um sentido para a vida. Foram 35 cadernetas  do tamanho A5, com cerca de 90 páginas, 3.150 páginas, manuscritas, durante um ano e meio. Estava tudo não caótico, como eu estava naqueles meses, que levei mais de dois anos para transformar tudo em um texto possível de ser lido. 

Hoje, quando estou revendo a pontuação, vejo como havia uma ânsia de escrever, de viver, de me achar e me achei. Trouxe lá do fundo de meu ser, uma vocação, a vontade e o redescobrimento daqueles poemas escritos aos 12 anos. Nunca pensei em ser escritor, quis ser jogador de futebol, quis ser engenheiro, quis ser arquiteto, fiz vestibular para medicina por influência do meu pai, fui bancário por desejo de casar e fui ser gerente por gosto e sentido de realização.

Aqui encerro essa seção autobiográfica.

A maioria do que leem esta crônica estão rodeando os 60 anos. Praticamente todos foram bancários. Quase todos em situação de risco diante dessa pandemia. Muitos, como eu, nervosos, com seus estados emocionais alterados. Muitos, creio, pensando na finitude, talvez pensando nos arrependimentos, das dores do que não fizeram e da maldade que praticaram. Tudo passa rápido, mas agora a câmara lenta entrou em ação. O tempo não passa, os marcadores de tempo, que passavam rápido por nossas vidas, estão vindo lentamente.

Devem estar passando pela tortura de se ver diante de um carrasco, não de um oficial da SS nazista em um campo de concentração, mas do vírus, que não sabemos quando chegará. A ciência diz que chegará em algum momento, pois não tem vacina à vista no curto prazo. 

Pode ser que, para algumas pessoas, como tenho visto da varanda do apartamento aqui na Av. Rosa e Silva, vizinho ao Náutico, já tenham desistido de viver e a quarentena não tenha nenhum valor. Por que, para essas pessoas, a vida pode ter perdido o sentido. Que há muito tempo ela já não tinha sentido para elas. A pandemia, pode ser a perfeita desculpa para se desistir de viver. 

E para nós?

TANTAS VEZES CHEGAMOS, 
TANTAS VEZES PRECISAMOS IR ALÉM.

¨ Quantas vezes
   pulsamos,
¨ Quantas vez
   amargamos,
" Quantas desistimos, ....

Tantas vezes chegamos,
tantas vezes precisamos ir além.
(Araruna, PR - 19.08.2000)

Abração, Marconi Urquiza




        Li este                                  Vou ler.

LINK DO VÍDEO: 
Ver dos 15 aos 38 minutos. 



sexta-feira, 10 de abril de 2020

CAUSO DO PORTÃO - Causos do futuro - 1

FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE MACHADO – FEM



Já que o futuro é incerto,
um causo me chamou,
um causo que chegou na
esteira de uma paquera.

Mas, o danado estava lá.

O portão atrapalhou
minha inocente paquera.

A cerveja gelava,
a mangueira estava esticada,
o balde cheio de sabão,
a esponja na minha mão.

Mas, o danado estava lá.

O portão despachou 
minha inocente paquera.

Eu estava na garagem, 
cheio de pabulagem, 
da garagem chamei Dinha
para mostrar o rebrilho e 
outras coisinhas,

mas as coisinhas ficaram.

O danado estava lá.

O portão atrapalhou
e despachou minha 
inocente paquera.


*


Bem, o causo foi o seguinte. Durante anos a fio, todo domingo eu lavava o carro. 

Oito da manhã eu preparava o kit: balde, shampoo de carro, escova, mangueira, aspirador de pó e as cervejas gelando no congelador. 

Nesse meu distraidor dominical, eu levava umas três horas e quando pude realizar o sonho de ter uma caminhonete, aí é que eu espichava o tempo.

Naquele ano de 2000, eu tinha comprado e financiado por 36 meses uma S10 1997, cabine dupla, verde, completa de tudo, como dizem os valorosos vendedores.

Acordei cedo, dei uma rezinha de uns três metros, coloquei ela na rampa da garagem, pegando todo o sol. Em tempo, morávamos em uma casa, cuja garagem era aberta. O declive era da rua para a casa.

Peguei o Kit, preparei para lavar ela. Molhei primeiro o teto e por fim a caixa de rodas. Já tinha passado uma meia hora, aí eu me ergui. "Eita, esqueci de colocar a cerveja para gelar." Coloquei umas seis latinhas e voltei para o carro. 

A cada intervalo de descanso, eu corria na cozinha e vinha com uma latinha. Assim, assim foi até que  a parte mais chata, para mim, chegou, limpar o interior o carro. Passei o pano úmido nos plásticos, aspirei com aquele trator, que quase me estourava os tímpanos. 

Acabei, olhei para o carro. Brilhava, o shampoo com cera tinha feito um bom efeito.

Abri o capô, dei uma olha nos fluídos, completei a água do limpador. Sapequei um pouco de detergente. Pronto, o carro estava limpo para a semana. Em tempo: No tempo das chuvas no Paraná, a limpeza não durava meia hora, se sair com o carro para a rua, ele volta melado.

Voltando. O carro estava uma lindeza. Em certo momento, Nega saiu para a garagem e eu todo empolgado, cheio de pabulagem, quis fazer uma demonstração para ela.

"Vem cá Nega", chamei. Ela chegou pelo lado da porta do motorista e eu liguei a S1O. Direção hidráulica macia, leve. Uma pluma como se dizia na época. 

Carro ligado, o motor diesel roncando, eu vaidoso e empolgado para demonstrar as minhas habilidades e os recursos do carro.

"Olha, como é leve", disse a ela. Com a mão direita engatei a ré e com a esquerda eu fui esterçando e acelerando de leve, de repente, um tranco. Tentei acelerar, nada, aí eu desci desconfiado, já imaginando o que havia feito. Quando cheguei na traseira do carro, vi a ponta do para-choque enfiada na grade do portão. "Merda". Amassou o carro e o portão.

Pois bem, eu, no afã de me mostrar, tinha esquecido que ali, na nossa casa, só se entrava e saia em linha reta.

Bem, 

O danado estava lá.

O portão atrapalhou
e despachou minha 
inocente paquera.



Pense nos seus causos.
Abraço e ótimo final de semana.

Marconi Urquiza








sexta-feira, 3 de abril de 2020

Na vida só tenho certeza de uma coisa ... O novo normal

# Sextou # Crônica # Deixe seu comentário

O problema do mundo de hoje é que as pessoas inteligentes estão cheias de dúvidas, e as pessoas idiotas estão cheias de certezas...... Frase de Bertrand Russell.

Passei a semana oscilando, arranhando os sentimentos depressivos, catucando a angústia, escapando pela literatura, puxando as lembranças dos momentos de resiliência e tentando achar o novo normal nessa Quarentena.

Essa mistura de estados emocionais me deu um excesso de assuntos e como tem tanta gente se manifestando ....

Nem sei mais que é pré da pré crise, pré da pandemia leve e o que é atual. Tudo isto, por incrível que pareça me deu uma escassez sobre o que escrever. Sobre o que mesmo? 

Era o dilema do personagem Mário, do romance A Puta Rainha, que no meio da enormidade de posts das redes sociais via uma enorme escassez de profundidade. Para um jornalista como ele, que tinha a missão de escrever "histórias humanas", tudo era muito raso.

Agora eu vi no dilema inverso, tudo parece ser muito profundo. As explicações dos médicos e profissionais da saúde. As implicações da economia e na economia, as implicações enormes para as pessoas, da doença à fome, passando pela angústia do desemprego, da doença e do medo. Tudo é muito sério. Uma seriedade que não cansa, embora tenha pessoas, que em sua "santa" teimosia, teima contra o óbvio. A certeza que vai adoecer.

Antes a gente só tinha a morte como certeza absoluta na vida, parece que Deus colocou essa outra certeza, pelo mesmo menos por enquanto: Você vai adoecer do novo coronavírus.

Essa certeza, por falta da cura, é estampada nas expressões de todos. Não tem ninguém, nenhum que vai passar salvo por ele, até que a vacina seja criada e espalhada pelo mundo.

Uma outra coisa que veio rebolando na minha cabeça é como os países se prepararam para essa pandemia. Os Estados Unidos tripudiaram, Trump, né. Tripudiou do efeito do coronavírus. Tá aí, arriado de joelhos para seus efeitos pesados. 

Trouxe esse exemplo por me lembrado de uma frase que li no departamento de pessoal da Prefeitura de Igarassu, aqui perto de Recife. A frase dizia, mais ou menos assim: "QUANDO NÃO SE FAZ A TEMPO, TUDO É URGENTE." Sábio, né?

Há nove anos eu cursava um mestrado na UFPE e tive aulas de inteligência competitiva. Em uma das aulas, o professor Abraham Sicsu mencionou um indicador de nome "Sinais Fracos". É que tais sinais, se não forem bem interpretados poderão ficar fortes e se tornarem um problema muito sério. 

Sabe, desde de então, a lembrança do assunto sempre volta. O primeiro sinal do COVID-19 foi feito por um médico chinês e o estado chinês tratou ele como caso de polícia. Quando a China disse que enfrentava um problema sério de saúde pública, as nações dormiram diante deste sinal, que não era tão fraco, mas era geograficamente muito longe.  Faltou uma coisa assim: COMO É MESMO ESSE NEGÓCIO? VAMOS VER.

Voltando para gestão da crise. A lógica da prevenção é a seguinte: RETARDE O SEU CONTÁGIO, SENÃO ALGUÉM PODE ESCOLHER UM MAIS NOVO (E PRODUTIVO) PARA VIVER. 

Captou a lógica. Captou a dureza dessa lógica. Captou a lógica demográfica. Mais novo tem mais tempo de vida, mais tempo para produzir para a economia. Não é só a questão de ser mais saudável e o organismo ter mais resistência. 

Sabe, tem um paradigma da Ciência Econômica que diz, mais ou menos  o seguinte: Os recursos são escassos e as necessidades humanas ilimitadas. Este é o momento em que isto está mais sendo percebido e de modo muito mais doloroso.

Pelos menos, por enquanto, temos que conviver com essa outra certeza. Essa outra certeza tá fazendo eu perceber certos hábitos: cutuco o nariz, por fora e dentro dele, constantemente. O ressecamento provoca um incômodo, devo perceber quando começar a ocorrer. Não consegui ainda essa disciplina, mas evolui na percepção que poderia espirrar. Durante dez dias eu controlei a renite e não espirrei. 

Agora venho pensando nos passos para otimizar a lavagem das mãos. É tudo tão inconstante, caótico, que muitas vezes eu lavo a mão cinco, seis vezes em dez minutos.

Bem, fiquem aí com estas duas certezas. O novo normal.

Abraço #FIQUEEMCASA 

Marconi Urquiza 



sexta-feira, 27 de março de 2020

Quarentena

# Sextou # Crônica # Deixe seu comentário

A responsabilidade de todos é o único caminho para a sobrevivência humana.... Frase de Dalai Lama.
Estamos vivendo tempos de uma Caminhada Peregrina de Santiago Compostela às avessas. Em uma caminhada deste nível, os nossos fantasmas rondam à memória, talvez alguns desses fantasmas possam estar ao nosso lado agora. Sentado, vendo TV, comendo, falando. Pode ser que uma antipatia, fugidia, que faz a pessoa se refugiar no mundo, tenha que transformá-la em uma antipatia tolerável, bloqueada pela uma força invisível do Coronavírus. A quarentena nos impõe perceber estes fantasmas.

Mas tal antipatia se torna mais difícil quando ela é contra nós mesmos, com os nossos arrependimentos, do temor de deixar alguns projetos pelo meio do caminho, que na vida, "tudo poderia ter sido diferente" ou se, "eu escapar dessa, você fazer ....", é neste aspecto que esbarra a mudança. 

Ontem eu vi um vídeo de Rolando Boldrin, uma linda e profunda mensagem psicografada sobre este momento do planeta. Onde antes tudo era negado, onde os fatores econômicos e de poder mandavam na agenda, o social e humano, que fossem para o pau.

Nem sei se posso falar em ironia dos tempos, ao sair da China, o danado do coronavírus começou pelos que podiam viajar pelo mundo. Caprichou primeiro em pegar os mais ricos. Pode ser a elite? Na falta de melhor termo, fica mesmo elite. Alguém se lembra da história bíblica, das pragas do Egito, que pegou o filho do faraó. Tem sido aquela sofrência. 

Mais individual, impossível. Mais individual que nunca, uma quarentena nos leva a ficar nervosos, agitados, reclamões, às vezes, brutos, descorteses. Talvez violentos e depois, quando essa sofrência for demorando, a missa começará a ser compreendida. A missa da paciência, da solidariedade mútua, da conversa boa, que em algum momento poderá chegar.  O silêncio também começou a dar às caras.

Vi imagens dos canais de Veneza onde se vê o fundo deles.  O ar está limpo, as cidades estão menos ruidosas. As pessoas estão mais contemplativas. Quem sabe, lendo mais. É preciso pacificar a mente, ativar o corpo. Ser disciplinado e profundamente compreensivo. 

Os valores humanos, como a compaixão, demoram a vir à tona. Quem nunca teve, pode ser que esteja precisando da solidariedade. Vai dizer: "Muito obrigado"? Vai dizer: "Que Deus te pague?"  Vai pensar: "Conte comigo, se precisar?" Vai mesmo fazer isto quando for possível?

Vamos nos ocupar com sabedoria, quem sabe resgatando a fantasia, aquela fantasia que faz uma criança criar brinquedos, inventar mundos e sair deles saudáveis ao ser chamada: "Vem meninos, a comida tá na mesa.Vem logo que eu preciso tirar a mesa." A gente nem chegava, a urgência já estava posta. Em outro tempos, a meta já estava nos empurrando, sem pensar, só reagindo. 

Mesmo para quem tem as metas no trabalho, a dinâmica mudou. Os oportunistas dos tempos já colocaram as suas garras, as fakenews políticas perderam a importância, a ordem do momento são as pessoas, proteger a si mesma, proteger os outros não sendo um agente de distribuição do vírus e ter a ajuda dos filhos, dos amigos, do vizinho do prédio, a quem quase nunca vemos. Do zelador do prédio, sempre tão prestativo e por aí vai.

Bem, não vou dizer que descobri hoje, já sabia que havia vários. Mas já contei dez livros não lidos que comprei nos últimos anos. Devo ter mais. 

Por fim, Quem não sabe não seja a hora de você escrever, contar os seus causos, gravar vídeos contando eles. Quando mais engraçado melhor.  Quem sabe você aproveita este momento para praticar a paciência. Escrever vai lhe dar uma mente pacificada ou a fé, como nos disse o Dalai Lama: "Somente a fé remove a desordem mental e devolve a clareza de espírito." Este deve ser o melhor caminho.

Para não ficar apenas na conversa vazia, hoje estou treinado, posso ajudar  a quem se dispuser a escrever.


Deus te pague amiga, amigo, pela paciência de me ler.

Abração, Marconi Urquiza

PS: 
Ligue, estou à disposição: 81-99595.8424 (Whatsapp também) ou marconiurquiza19@gmail.com









sexta-feira, 20 de março de 2020

Eu estou com medo ... O medo bom

# Sextou # Crônica # Deixe seu comentário

A confiança é a mãe do descuido.... Frase de Baltasar Gracián y Morales.


Depois de seis dias de recluso, ontem eu dei uma saída para pegar dinheiro e comprar medicamentos. Podia estar contente, nestes seis dias consegui escrever quase cem páginas e conclui um romance inacabado desde 1999. Foi o medo que aumentou minha capacidade criativa e o sentido de urgência a me dar foco e energia para redigir até 10 horas diárias.

Pois bem, saí de casa e fui comprar uma tomada para ar-condicionado, uma dos funcionários falava sobre a pandemia, outro em cinco minutos higienizou as mãos duas vezes. 

Cheguei no ETC (misto de galeria com escritórios diversos). Precisava utilizar uma conta da Caixa Federal. Senti algumas pessoas preocupadas. Nas Lojas Americanas presenciei a mãe e sua filha conversando e se aproximando demais das pessoas. Não sei se negavam a realidade ou eram imprudentes. Me incomodou e dei dois passos para frente.

Dentro do shopping olhei a Lotérica, costumeiramente cheia, estava vazia. Olhei e vi alguns idosos passando por lá, vi tensão e vi muito medo. Medo. Talvez o mesmo medo que meu rosto revelava.

Dali fui na farmácia da mesma galeria, não esperei, mesmo os fregueses, dois apenas, guardando distância, o ambiente era muito pequeno. Saí do ETC e passei em uma loja, ali perto, fui comprar um borrifador. Freguesia não vi. Ouvi uma das funcionárias falando um tanto despreocupada, quando perguntei se havia borrifador ela me levou onde estava, mas sua expressão mudou.

Saí desta loja em fui em outra farmácia, que tem um movimento mais fraco. A primeira coisa que notei, a sua porta estava aberta, escancarada. Era costumeiramente fechada por causa do ar-condicionado. Pedi três meses dos medicamentos aos quais devo diariamente tomar. Não esperei que a CASSI me mandasse.

Enquanto eu aguardava o atendente despachar meus pedidos, uma senhora, mais idosa que os meus sessenta anos entrou e perguntou por álcool em gel. "Não". Ela, guardando distância, correspondeu ao meu olhar, e na expressão dela, havia o maior dos medos. 

Tem medo ruim, tem. TEM TAMBÉM O MEDO BOM, tem e neste momento o medo de ser contagiado é um medo bom, que deve ser seguido pelas medidas de higiene, pelo isolamento social. Pela autodefesa, que se deve ser coletiva.

Ontem quando eu voltei, uma nova contagem regressiva recomeçou, a do aumento do risco de contágio, infelizmente, hoje de novo. A minha esposa foi ao supermercado. 

Tempos atrás, há um bocado de anos, eu tinha uma certa predileção por leituras, digamos mais técnicas. Alguns filósofos antigos entraram nessas leituras, um deles foi o Baltasar Gracián, espanhol do século 16. Dele eu comprei A Arte da Prudência. Li parte do livro com gosto, não lembro mais o que nele me chamou a atenção, mas hoje, diante do quadro do Coronavírus trago dele, este ensinamento:

"NÃO DEVEMOS PERDER UMA HORA, POIS  NÃO ESTAMOS SEGURO NEM DE UM MINUTO".


Abraço, saúde e paz.
Marconi Urquiza








O poder revela ou transforma uma pessoa?

  imagem: Orlando/UOL.            Um papo na última segunda-feira entre aposentados do Banco do Brasil que tiveram poder concedido pela empr...