
Um dos livros mais instigantes que li foi Eichmann em Jerusalém - Um relato sobre a banalização do mal³, da filósofa alemã e judia, Hanna Arendt. Livro famoso que lhe rendeu muitas críticas. Livro, no qual, Hanna, fez o perfil de Adolf Eichmann, que ele esperava encontrar um indivíduo medonho, toda a estampa de uma pessoa má e se surpreendeu ao encontrar um burocrata, "cumpridor dos seus deveres" na máquina de matar nazista. A toda a acusação ele respondia, mais ou menos assim: "Não na forma como estou sendo acusado", pois ele acreditava que estava cumprindo ordens, apenas isso. Tal coisa, entre outros argumentos, fez Hanna Arendt criar a expressão "Banalização do Mal".
Há muitas outras banalizações ruins. Marolinha, gripezinha; etc. As pessoas esgotadas pela "prisão" da quarentena enchendo os bares no Leblon, no Rio. Shoppings em Blumenau. Pessoas vão morrer. Guerra de facções, extorsão lá distante de nós, pelas milícias. Tantas mortes nesta pandemia, criando um modelo para os nosso vizinhos de bairro pobres. Racismo. Discriminações. Feminicídio. Corrupção. Sobrepreço. Estresse. Síndrome de Burnout. Assédio de tudo que é tipo.
Desde que li uma notícia, alias, já consigo ver alguns noticiários onde a estatística das mortes pela pandemia da Covid-19 não me choca mais, às histórias narradas pelos atores da Rede Globo de alguns dos mortes pela pandemia escritas no site Inumeráreis, sim. Me lembra da minha própria vulnerabilidade, me lembra que eu preciso ir preenchendo a minha mente, meu espírito, meu tempo, minha verve de coisas boas, sadias, de ter uma luta "heroica" contra a desesperança, a falta de fé, o medo, a angústia.
Duas noticias me deixaram dias a fio pensativo, uma me deprimiu, foi quando o pai comentou que o filho (25 anos) disse que não aguardava mais o sufoco do tratamento contra a Covid-19 e pouco depois ele morreu. Me choquei, pois havia lido no trecho do livro Em busca de Sentido, de Viktor Frankl, médico psicanalista, preso em Auschwitz, onde ele constatou que a falta de um sentido para a vida fez milhares de prisioneiros morrerem, inertes, sobre uma cama. Lembrei, quando vi uma reportagem, da cena que ele descreveu de um homem que havia sonhado com a liberdade, que ocorreria para ele, neste sonho em 31 de março e ele morreu em 30 de março de 1945, pois dois dias antes, ele se prostrou sobre a cama dura, sequer saia para fazer as necessidades fisiológicas. E antes cheio de esperança, desistiu e em 48 horas estava morto. Esta constatação me chocou. Fiquei dias pensando e ao mesmo tempo, tentando me livrar dessa agonia.
Na semana passada, eu vi no site G1, uma pequena reportagem de um rapaz de 19 anos, que mandou um áudio para a namorada dizendo que iria ser entubado e depois de três dias iriam desligar o aparelho. A reportagem não transmite todo o medo daquela pessoa. A matéria, entre tantas outras, milhares, entrou na mesma barca do comum.
Ontem à tarde estava na área de serviço aqui do apartamento e vi pela calçada um senhor, andando ao lado de uma jovem. Ele sem máscara, ela com máscara. Na outra calçada, vi cinco jovens, todos eles andando sem máscara.
Curioso comecei a ler e a escutar programas, comentários, lives sobre como as pessoas serão, sobre como a economia será, sobre como as empresas serão, sobre como o cuidado com a ecologia será, sobre como as pessoas serão tratadas, sobre como os sentimentos degradantes, como o racismo, discriminação de gênero, violência contra a mulher, contra as crianças, como as minorias, etc. Etc.
Alguns dizem que certas mudanças, uso de máscara, processos de proteção nas empresas, preocupação com a saúde dos funcionários, dos clientes, serão mais fáceis, outros que os sentimentos entranhando na cultura não serão alterados do modo que se imagina, os mais otimistas e que é desejável, por exemplo: o racismo estrutural. Eu estou nesta corrente.
Na quarta-feira ouvi em um programa de rádio, do Geraldo Freire, a afirmação de um médico neurologista, autor de um livro a respeito da Biologia dos Hábitos, que mudar pensamentos consolidados exige um esforço deliberado e consciente, persistente, sobretudo, para que novas sinapses dos neurônios sejam criadas, pois, do contrário, o pensamento antigo, que está automatizado por sinapses neurológicas no cérebro, toma conta das suas atitudes sem que o indivíduo perceba.
Isto me fez lembrar de um livro que ganhei de presente: O Mecanismo de Vida Consciente¹. Tio Marlos Urquiza dizia que os pensamentos eram autônomos, ele havia estudado com afinco a Logosofia² e eu era cético quando esta afirmação, quando o médico falou, ao responder ao radialista Geraldo Freire, de imediato não pensei nesta minha experiência de vida. Escutei com o espírito de curiosidade, mais aberto ao que se dizia naquele instante do que quando ouvi do tio em 1990 que os pensamentos têm vida autônoma, como os pensamentos que tornam as nossas ações automáticas, como dirigir, conversar ao mesmo tempo, acionar a alavanca de câmbio, a sinaleira, etc. Mas o pensamento valorativo obedecem a mesma lógica. A pessoa julga sem perceber que julgou. Age no automático sem perceber que foi oriundo de um pensamento entranhando nos neurônios.
Aí, eu pensei. Venho pensando, como se portar dentro dessa realidade que o risco está em todo lugar. Como se portar quando uma pessoa já passou pela Covid-19 e escapou: Continuar usando máscara; se sente invencível, imortal e não se preocupa com as outras pessoas. Ficar um um medo atroz, estampado no rosto e na mente, no coração, sobretudo. Traumas causam medo. Quem ainda não passou por ele, pode achar que a refrega dessa pandemia diminuiu e afrouxa os cuidados.
Ainda há um estado de guerra. Você não mata o inimigo, mas ele pode te matar.
Abração, Semana Iluminada
Marconi Urquiza
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