quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Escala para a saudade

Saudade é um sentimento que, quando não cabe no coração, escorre pelos olhos.... Frase de Bob Marley.

Neste voo chamado Vida há escalas inevitáveis e importantes, quis as forças do universo que eu estivesse em várias. Imagino que isto sirva para todos.

Deixar as casas dos pais, deixar  o namorado, a namorada, deixar os filhos pequenos para fazer as viagens necessárias, sair da sua cidade e não voltar mais. Buscar um sonho, suprir uma necessidade, ser alguém, ser feliz, entre tantas, são escalas na longa viagem, chamada Vida.

A escala desta semana, me levou em viagem rumo a uma certa noite de uma quinta-feira há mais de trinta e seis anos. Naquela noite não houve saudade, havia ausência e um vazio estampado até na arrumação dos móveis da casa. Um vão livre, escuro e frio.

Nesta véspera do Natal, quis as forças do acaso e depois a força do amor e do apreço que eu estivesse participando de uma família, um longo convívio, iniciado em 1981.

Nesta véspera nos reunimos para um jantar sem meu sogro, que há seis meses fez sua escala derradeira. Estavam presentes a sua esposa, filhas e filhos, netos e netas, eu, o restaurante e os garçons. Eles, é de se esperar, não perceberam. Quem estava com a lembrança mais forte sentiu mais, nenhum chorou ali, não saberei se alguém chorou depois. 

Uma filha faltou, foi para um ambiente onde a saudade não foi sentida.

Um chope aqui, ali, mas pairava no ar quase um silêncio, não havia silêncio, alguns conversavam com a voz baixa, jantamos, fizemos sala no restaurante, um dos presentes se levantou e pareceu apressado, saiu, se a memória não falha, sem se despedir. 

Quando estávamos todos na calçada começou a se formar uma percepção. Descemos com as nossas malas, seguimos para um lar. O papo rolou, música, muitas cervejas, foi o melhor encontro possível, por que a escala nesta véspera de Natal foi de saudade.

Fernando Pessoa. Mais uma vez recorro a ele, farei uma colagem do poema Aniversário:

Aniversário

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
...

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!

Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
...
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...
...


       Bem e para encerrar, substitua "o dia dos meus anos" para o dia de Natal, pois foram muitos encontros alegres e felizes. 

       A que se fale, a que se diga, quem d`alma esteve neles pousou nesta escala da saudade. 


Abraço e Feliz Ano Novo.
Marconi Urquiza


sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Correio para Homens

Nesta semana adquiri um novo livro. Depois de muito ensaiar a leitura de alguns dos livros de Clarice Lispector eu comprei, CORREIO PARA MULHERES. Este eu estou lendo.

Há no livro centenas de conselhos e opiniões que ela escreveu para o Diário da Noite do Rio de Janeiro, entre 1960 e 1961. Li algumas, duas, três por vez, para que o livro não acabe muito rápido e eu possa aprender alguma coisa.

Alguns dos conselhos são tão pueris para os dias atuais, que se aparecesse hoje em um jornal ou um blog seria imediatamente detonado pelas próprias mulheres. 

Depois de ler cerca 12 conselhos eu fiquei matutando, aliás, venho matutando desde que li as primeiras crônicas. 

Como seria um Correio para Homens para os dias atuais em que, até paquerar, enche muitos barbudos de cautela ou de medo?

Medo de não saber se a mocinha está a fim de um flerte ou vai olhar com a cara feia. O cara mesmo, por cautela, não sabe se estar paquerando ou assediando. É um perigo em cada olhar.

E, em tempos de Cialis, de Viagra, Levitra e da catuada reforçada onde há muito novinho tomando essas vitaminas por pura insegurança, sem necessitar. Pois um rapaz, com quase 800 nanogramas de testosterona por decilitro de sangue, é capaz de mijar para céu. 

Pois bem, alguns que tomam, ficam com o pinto doendo, capaz de ter um priapismo e ir parar em um hospital para aliviar a angústia e a vergonha. Quem sabe ele irá ser atendido por uma enfermeira, que com muita técnica enfia uma agulha e retira o sangue. 

Só imagino ... só estou imaginando: O cara vai ter um trauma tão medonho, ondex tudo que for azul ele vai refugar por muito tempo.

Como chegar com um Correio para Homens e dizer para os que se parecem gigantes, imensos, que não conseguem se portar bem nas relações com uma mulher e a agride.  O Correio para  Homens chegaria para eles assim: meu velho, você tem tanta energia, não gaste ela a toa, vá gastar com quem pode te amar.

O que dizer em um Correio para Homens quando ele passou dos cinquenta, o mercado já não o quer e as mulheres parecem ter se cansado de vê-los todo santo dia. O que dizer? Não sei, não achei a resposta.

Talvez achemos um consolo, talvez achemos uma apoio neste poema de Fernando Pessoa:

AUTOPSICOGRAFIA (*)
O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.


Abraço, Marconi Urquiza




sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

De pedra a vidraça

        Há coisas que melhor se dizem calando.... Frase de Machado de Assis.

O noticiário na última semana foi preenchido e replicado após o vazamento de uma movimentação financeira considerada anômala pelo COAF - Conselho de Controle da Atividade Financeira.

Fiquei matutando, jogar pedra na Geni é fácil, é simples e é uma oportunidade que não precisa ser crível, basta motivar as pessoas a manifestarem a sua insatisfação. Ser pedra é bem mais fácil que ser vitrine.

Este é um lado que o vazamento do COAF me motivou a pensar no caso.

A segunda questão, à partir do estopim do COAF é como administrar a informação. O que explicar? Como explicar? Certamente é uma questão difícil, calar é imprudência, mas pode ser sábio. Tentar explicar pode ser também imprudente, pois alimenta o fogo da especulação. Dizer a verdade, nem pensar. Então?

Então, era melhor não ter feito, era melhor que o assessor fosse de outro parlamentar, pois seria uma vitrine  e nela seria mais fácil de se jogar pedra.

A noticia que chegou dava conta de uma movimentação financeira de mais de 1 milhão e 200 mil reais. A minha primeira interpretação foi de saques na ordem desse valor. Dias depois, outra matéria jornalistica acerca do mesmo assunto depurava a informação. Digamos, por hipótese, que foi depositada 600 mil reais e 600 mil reais saíram da conta. Assim fecha a movimentação que o COAF achou como suspeita ou anômala.

De certo modo a mídia tradicional precisa recuperar seu espaço, drasticamente tomado pelo Whatsapp, como fornecedora de informação à sociedade brasileira. Especular ou ser impreciso fez parte da técnica das fake news, parece que fez escola nesse episódio.

Na segunda parte. Vamos perguntar a quem tem que explicar os fatos? Explicar o que? Como explicar? Como administrar esta crise?

     
Agora, vamos pensar, na parte, aparentemente subjetiva da questão.

Primeiro ponto
- Por qual razão apenas depois do segundo turno desta eleição se deu o vazamento desta movimentação anômala? Já se sabia dela.

Segundo ponto:
- A  quem ou a qual grupo interessa que ela tenha ocorrido neste momento?

Terceiro ponto:
- Qual é o objetivo desse vazamento?

Quarto ponto:
- Vai sobrar para quem e quando?

        
É hora de eu fazer as minhas próprias especulações:
       
Para o primeiro ponto:
- Não se vazou porque poderia dar munição a quem estava atrás na pesquisa de intenção de votos  ou não era do interesse que o resultado da eleição fosse diferente?

Para o segundo ponto:
- A todos aqueles que apoiavam a eleição do vitorioso.

Para o terceiro ponto:
- Este foi o ponto que me motivou a escrever esta econômica análise. O objetivo para mim foi dar primeiro um recado para demonstrar quem tem a informação é quem tem poder: Intimidar?
- Há quem comentou na internet que o objetivo foi, como sempre tem ocorrido, fazer os políticos irem para a condenação da sua prática, "perniciosa", de se manterem como tais à custa dos recursos do Estado. Outros dizem, que objetivam tornar a política irrelevante. 

Para o quarto ponto:
- Vai valer uma delação premiada? Para quem? A resposta está em aberto.

Por fim, quanto ainda esse mato esconde?


Abraço,
Marconi Urquiza

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Que perguntinha mais desgraçada!

      

   Olhe não acredite no que vai ler, mas que foi, foi!

   Nesse dia o papo rolava aleatório, quase de tudo se papeou. Em conversa entre homens vez por entra o futebol e muitas vezes alguém comenta sobre uma mulher. De casamento, quase nunca, só se for para falar da sogra, pois sogro que se preze, só sacaneia  e não leva a fama.

   Naquela noite escapou alguma coisa de casamento.

   Quando tem muitos em uma roda de conversa prefiro escutar. Vejo quem é discreto, quem é gabola, quem só faz comentário cirúrgicos, quem gosta de ter atenção, enfim, vou aprendendo os perfis para compor algum personagem e aprender quem são meus companheiros.

   O uísque tinha alguma fartura até certa altura da festa, cerveja não.  Era pingada. Quando caiam algumas gotas no copo eu tratava de economizar. Só molhava os lábios, regrei tanto que quando fomos embora ainda havia cerveja no copo.

   Por aí dá para ver que estava sóbrio.  Só a minha audição era indiscreta.

   Beleza?

   Lá no meio do salão as mulheres organizavam o desenrolar da festa. Elas no seu clube da Luluzinha, trabalhando, correndo de uma lado para o outro e nós, os marmanjos, só esperando cair a bebida nos copos e os salgadinhos sobre a mesa.

   Dentre aquelas damas umas duas tinham o agito e a atitude de quem se sente bem liderando. Iam para um lado, para o outro. Tudo isso bem observado por um dos convivas.

   A festa acalmou um pouco, o papo chegou nos assuntos de trabalho, alguém especulou sobre quem seriam os candidatos a prefeito, o futebol não era preferência dos outros e não foi falado.

   Depois de bem uma hora de conversa, um dos convivas, imagino que a sua língua estava coçando há muito tempo, soltou a pérola daquela noite:
    - Eu fico imaginando como Carlos da conta de Maitê?

  A mesa parou, tentamos interpretar o que ele queria dizer. Carlos ficou sereno, eu fiquei vermelho, o perguntador cínico e Roosevelt me disse depois que pensou que haveria briga.

   Naquela expectativa por uma resposta, Carlos apenas riu. Outro assunto entrou e a indiscrição sumiu na noite.

   Tempos depois encontrei Carlos. Eu também estava curioso: como um cara paradão dava conta de uma mulher agitada?

   Aquela indiscrição de Miguel agora dava coceira na minha língua, o papo foi correndo cada vez mais para longe daquele desafio de se saber o segredo de Carlos. Em um escorregão dele mesmo o assunto que eu ansiava voltou : 
    - Visse para Miguel? Perguntar aquilo. Tava bêbado?   A bola veio para mim, só que Miguel nem de longe estava tungado.

    -  Tava não - Respondi
    - Que perguntinha mais cabulosa.
   - É verdade. Mas você se saiu bem. O assunto esfriou rapidamente.
    -  Sabe, eu me calei por não saber como responder.  Só pensei na hora que eu e Maitê estávamos namorando bem.
    - Transando? Isso? 

   Carlos deu um sorriso largo, dos homens que andam cumprindo bem as suas obrigações e disse:
   - Isso não vou responder, e deu uma tapinha no meu ombro e foi embora, deixando-me com a certeza da dúvida.

    - Abelhudo.

Abraço,

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Com 93 anos ainda jogava bola.

           Sou velho de mais para censurar, mas suficientemente jovem para agir.... Frase de Johann Goethe.

Por Marconi Urquiza.  7 minutos de leitura.

Fiquei pensando no que escrever para semana, até que achei o tema, mas não achei o tom.

     Mas não é que um evento aqui em Recife me salvou. JINFAABB, naturalmente esta palavra é um sigla: Jornada de Integração dos Aposentados do Banco do Brasil. 

     Com um número tão grande de aposentados, para tão pouca gente participando, só que, a participação dos que comparecem é intensa e foi esta intensidade que me fez compartilhar uma surpreendente crônica de Antonio Maria, Antonio Maria de Albuquerque Moraes, escrita em 23/1/1955.
   
                              .......................................
  Que Deus o tenha ...(*)

     Morreu, há dias, com 93 anos, o meu velho Camilo, sem que eu estivesse perto para sorrir-lhe, com carinho, na hora da tão protelada  partida.  Depois dos oitenta anos, virou menino e deu para fazer as coisas mais infantis deste mundo. Como uma criança, passou a ser criado por duas sobrinhas, Ana Cândida e Rosemira, ambas solteiras e possivelmente virgens. Bisbilhoteiro e indiscreto, deu para ouvir conversas e repeti-las, exatamente no momento em não devia. Uma vez, por exemplo, quando a senhora Tomás  Caldas, em visita, contava histórias e dava risadas, Camilo interrompeu para perguntar "se  aquela era a tal moça que passava o marido pra trás, com um goal-keeper". Como, por coincidência, era, as coisas ficaram malparadíssimas e o velho, os noventa anos, ficou três dias sem direito a outra coisa que não fosse o quarto, onde lhe traziam comida e água gelada. Embora pareça incrível, aos sessenta apaixonou-se pelo futebol e, não satisfeito em assistir a algumas partidas do Botafogo, deu, também, para bater uma bolinha no quintal, com dois sobrinhos afins, alguns  meninos da vizinhança e o empregado da casa. Para a idade e com relação à  tardia iniciação pebolística, jogava até direitinho. De calção, camisa, chuteira de  basquete e boina, era o que se podia desejar - como atleta - de superior em ordinário.
     Grande conversador, contador de casos incríveis, principalmente das aventuras do seu tempo de moço, qualquer conversa sempre tinha uma  mulher no meio. Contando, por exemplo, como foi a noite da passagem do século, arrematava assim:  "Nessa  noite, morto de bêbado, dormi com Margarida". Gostava de mim - dizia na frente da gente - por causa de minha burrice e da minha feiúra. Tinha pena de eu ser feliz tão feio e tão burro, com um salario só.
    Em novembro do ano passado fui levar-lhe um canário de presente e, no portão, senti o sobressalto da casa, Ana Cândida e Rosemira, aflitíssimas, andavam de um lado para o outro, telefonavam, chamavam parentes e rezavam em voz alta. Calculem que Camilo, completamente proibido de tocar em feijão, comprou uma feijoada de lata, esquentou em banho-maria e comeu com farinha. Para rebater, bebeu uma cerveja gelada e ficou jiboiandoEsteve dois dias entre a vida e a morte e, no terceiro dia, disse um palavrão a meu  respeito e levantou, que nem parecia. As sobrinhas, coitadas, cansadas de tantas  vigílias, contrataram duas enfermeiras e foram passar aquele fim de semana espichadas nas camas da Pensão Pinheiro, em Teresópolis.
    Quando voltaram, redobraram as proibições e os zelos em relação a Camilo. Com 93 anos não era possível deixá-lo tão solto. A recomendação que levava maior empenho era aquela: "evitar o quintal para não levar chuva". Pois bem, há uns dois meses, Rosemira me contou: "Estava chovendo e nós procuramos o tio Camilo pela casa inteirinha. Até embaixo das camas nós espiamos. Fomos procurar no quintal. Mal chegamos, ele vinha correndo e gritando para empregado: "Passa aqui, passa aqui...".
     - Mas jogando futebol? - perguntei quase abismado.
     - Na chuva e sem boina - completou Ana Cândida.
    A morte de Camilo andou arrancando umas lágrimas destes meus olhos secos. Era ainda uma pessoa em quem se podia descarregar certas amarguras. Ouvia o que se lhe contassem, as coisas mais escandalosas, e dizia sempre: "És fabuloso, és fabuloso". Se, diante de um caso complicado, lhe perguntasse o que fazer, respondia, invariavelmente: "Nada. Deixa o tempo cuidar disso". Muitas vezes fui à casa com o coração na tipóia e voltei mais menino e menos responsável do que ele próprio. Falando de si mesmo, dizia coisas dignas de aspas. "Não sou nada mais que uma saudade do meu filho natural, que é tuberculoso em Davos, na Suiça".
    Anteontem, fui conversar com Ana Cândida e Rosemira, para saber como iam as coitadas. Estavam num estado de fazer pena. Nos recantos da casa, nos móveis e utensílios, realizavam a impossível presença de Camilo. "Aquela cadeira era dele. Era ali que ele implicava com o cachorro." Depois, de lenço na mão, a voz cortada de soluços, Ana Cândida contou como foi a morte. Começou assim e só pôde dizer isto: "A perna quebrou-se em três  lugares". Soluçou. "Eles dizem que não. Mas, para mim, entraram em Camilo sem bola".
     Ao choque daquela surpresa, prendi tanto a vontade de rir, que comecei a chorar. 


(*) Crônica do livro Com Vocês, Antonio Maria. Editora Paz e Terra, 1994, p. 131.
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sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Complicando as narrativas para quebrar os conflitos intratáveis.

        A paz não pode ser mantida à força. Somente pode ser atingida pelo entendimento.... Frase de Albert Einstein.

   Tempos atrás eu comprei um livro cujo o título me atraiu mais que a resenha que havia lido sobre ele. O livro tem o criativo título de: O Negociante de Inícios de Romance. Acostumado a uma narração mais linear, a proposta do livro para mim se perdeu em uma narração intercalada que complicou a minha leitura.

    Mas a complicação das narrativas anunciadas no título da crônica se baseia em dois artigos que andei lendo: A psicanálise da adesão ao fascismo  e Complicando as Narrativas.

   A leitura de textos desse quilate vem me chamando atenção desde o final das eleições de 2018, pois guarda estreita contextualização com dois aspectos na surpreendente campanha, do tostão contra o milhão, do tradicional para, o quase, novo uso da internet em uma campanha política vitoriosa e da utilização interminável de uma narrativa de simplificação e geradora de conflitos.

   O primeiro destes textos foi produzido em 1951 pelo filósofo alemão Thedor  W. Adorno e fui achar no site do blog da editora Boitempo. Li todo o artigo e ainda estou decantando o seu conteúdo, visto que o assunto, tão falado durante a campanha eleitoral parece ter entrando em hibernação, o fascismo.

   Adorno no seu texto, A psicanálise da adesão ao fascismo, fez uma análise do contexto norte americano de 1951, trazendo as suas considerações sobre os fascistas daquele país, naquele momento histórico.  A base do artigo é o livro de Freud, Psicologia das massas e análise do eu. Logo no início do artigo ele comenta, entre tantos outros pontos, que os discursos fascistas são tão monótonos, que se fica familiarizado com um estoque limitado de pontos em discussão e o que se encontra são intermináveis repetições e complementa, dizendo que "a reiteração constante e a escassez de ideias são ingredientes indispensáveis da técnica toda." Diz ele, no texto, que isto faz parte do método dos agitadores (fascistas) para mobilizar processos irracionais, inconscientes e regressivos.

   Em outra parte do texto, Adorno fala da formação das massas, da psicologia dos grupos e diz textualmente: 

É provavelmente a suspeita do caráter fictício de sua própria 'psicologia de grupo' que torna as multidões fascistas tão inabordáveis e impiedosas. Se parassem para racionar por um segundo, toda a encenação desmoronaria, e só lhes restaria entrar em pânico. 

   Aqui eu dou um corte nessa dimensão relacionada à política para trazer a lembrança de que há atitudes fascistas mesmo fora de um contexto político, os tribunais livres e sem magistrados da internet. Tal situação motivou o escritor brasileiro  Michel Laub escrever o romance O Tribunal da Quinta-Feira.

   Aí na semana passada vi em uma entrevista no Globo News com um dos criadores do Twitter, Ewan William. Ela agora criou uma plataforma chamada de Medium, onde os assuntos podem ser discutidos com profundidade. Foi nessa plataforma que eu achei o artigo, traduzido pelo Google como: Complicando as narrativas. Este artigo tem a finalidade de analisar e criticar as ações do jornalismo nos Estados Unidos e que o fez perder a relevância como fonte de informação confiável à população. Realidade aqui também no Brasil.

   No início a autora do artigo, Amanda Ripley, faz um questionamento bem interessante: E se os jornalistas cobrissem questões controversas de forma diferente - com base em como os humanos realmente se comportam quando estão polarizados e desconfiados?

   Ela diz que "muita antes de 2016 a grande mídia americana perdeu a confiança do público, criando uma abertura para a desinformação", dando margem para que "os demagogos nos usem, amplificando seus insultos em vez de expor suas motivações". Vamos dar outro salto, saímos do artigo e chegamos perto dos influenciadores digitais. Usam as vestais do servir ao público e ganham das corporações uma grana para nos influenciar conforme os interesses das mesmas. Uma contradição pouco percebida.

   Voltando para o artigo, a jornalista traz um conceito bem interessante: Conflito Intratável, que vem a ser a divisão existente neste momento no Estados Unidos entre republicamos e democratas, a ponto de, por exemplo:  se filho de republicano quiser casar com filha de um democrata e vice-versa, os namorados são praticamente impedidos pelos pais de se casarem. Aqui no Brasil o quadro de divisão começa a dar sinais de se aprofundar.

   Diz a autora que tais conflitos se alimentam de si mesmos, quanto mais se tenta parar, pior fica. 

   Aí entra a complexidade, tornar a narrativa complicada, fazendo perguntas abertas para que os interlocutores possam compreender as motivações profundas de cada pessoa, expondo as rachaduras e inconsistências que haviam sido retiradas pelas narrativas maquiadas, se quebrando a falsa simplicidade.

   Por exemplo. Vi nesta semana uma inserção de uma matéria jornalistica em que se ouvia: é cartão vermelho direto. Simples, comunica bem, dá o recado para todo mundo que tem algum conhecimento rudimentar do futebol. A maioria das pessoas sabe o significado do cartão vermelho. Mas a questão da Educação é mais ampla e crucial para o futuro das pessoas, o que vem se discutindo sobre a educação no Brasil?

   Este é um exemplo, das muitos necessidades que a gestão pública precisa agir para o bem da população no Brasil.

   A simplificação gera desconfiança e muitos conflitos, faz as pessoas se posicionaram em suas redomas, se fechando a qualquer entendimento. É preciso em ir em busca dessas motivações profundas, pois elas são mais importantes para o debate do que os fatos dos conflitos e assim, possibilitar o inicio de algum entendimento.

   Mas é na simplificação que vem o alerta de Adorno, é por meio dela que a comunicação viciante e do pensamento dominador sobre o raciocínio sensato entra e toma conta, gerando conflitos intratáveis, mais e mais conflitos, tornando as narrativas mais pobres.

   Segundo a autora, é preciso agir perguntando: Como você chegou a isso? Por que essa história é importante para você? Como você se sente quando me conta?

   Para Amanda Ripley ao se desestabilizar as narrativas, as pessoas tendem a exalar; elas continuam discutindo, mas guardam as armas e serão capazes de iniciar uma conversa maior do que elas mesmas, criando interações mais construtivas.

Abraço,
Marconi Urquiza

Links:
A psicanálise da adesão ao fascismo

Complicating the Narratives

Capas dos livros:
O Negociante de Inícios de Romance    O Tribunal Da Quinta-Feira  


     

O poder revela ou transforma uma pessoa?

  imagem: Orlando/UOL.            Um papo na última segunda-feira entre aposentados do Banco do Brasil que tiveram poder concedido pela empr...