
Quando já escrevia esta crônica me lembrei do livro de Carlos Heitor Cony intitulado de O Adiantado da Hora. Este título me encanta e por causa dele alterei o título desta crônica.
Hoje vou tratar um pouco a respeito das fake news sob a perspectiva de não ser enganado e transformado em mero passageiro.
Ela começa com algumas passagens autobiográficas, de uma curiosidade imanente com as palavras e para os ditos, principalmente os ditos escondidos das palavras postas ao ouvinte.
A história é o seguinte, em certo momento eu comecei a querer saber mais do que os lábios dos meus chefes diziam e comecei a ir atrás das entrelinhas que estavam nos contextos, nas palavras de assessores, nos boatos, que mesmo administrados deixavam escapar alguma coisa e com isso tentava adivinhar o futuro. Foi uma leitura muito rudimentar de cenários. Tal prática me encantou e encantou mais quando acertos espaçados começaram a ocorrer, até que o aqui e acolá foi aumentando a frequência e os cenários percebidos no microcosmo da empresa onde labutava foram se mostrando na prática.
Fiz isso durante muito tempo, sem nenhum método científico, só com base na observação e na intuição. Método científico eu só conheci em 2012, a Análise de Conteúdo.
Voltando ao passado, lembro que por volta de 2002 chegou um novo gerente regional e ele enviou para todas as unidades de negócios uma carta de apresentação. A li cuidadosamente, marcando palavras, trechos de frases, como se estivesse marcando o discurso e fosse guardando as frases pela entonação das palavras. Quando terminei a leitura eu pedi ao amigo Alexandre que lesse também para depois trocarmos impressões. Uma palavra chamou muito a nossa atenção, ele se colocava como um soldado. Soldado? Um batalhador incansável na busca do resultados para empresa na qual trabalharmos, eis a nossa interpretação.
O tempo passou, mais de 15 anos depois, outro chefe se apresentou por meio de uma carta impressa, nada de e-mail. Tudo foi pensado para causar impacto. Carta de intenções em papel grosso, personalizado, de cor amarela e com letras em negrito e graúdas, com uma mensagem de firmeza moral e negocial diante do conteúdo aparente. Neste caso a leitura do espremido das linhas não me deu nada, nem a sensação de que ele era um ser pretensioso.
Ao final de três anos tudo havia sido tão coerente com o teor daquela carta, com suas promessas e certezas, com tudo parecendo honesto, havia sido cumprido cada ponto, com exceção do que não estava escrito. Entre os pontos que não estavam escrito o principal se refere à realização de negócios reais. Muitos números foram tão brilhantemente maquiados que era praticamente impossível perceber a maquiagem sem uma análise minuciosa ou sem o conhecimento dos métodos. O fato é que os números vazaram com apenas alguns meses após sua saída da unidade. Não foi a leitura do espremido das linhas da sua carta que me trouxe essa convicção, foi o contexto e estar dentro dele, observando as ações. No entanto, nem sempre se pode ser uma testemunha como fui.
Em uma eleição, frequentemente o eleitor é mero passageiro.
Na semana passada um grupo de amigos se encontrou e logo surgiu o assunto que era a ordem do dia para esse grupo de aposentados: A eleição para a diretoria da sua caixa de previdência. Logo um deles começou a comentar e analisar as chapas, entre as muitas observações uma frase marcou a conversa, algo que dizia assim: os currículos não garantem o bom resultado futuro, eu expando esta frase, os melhores currículos não garantem que os comportamentos dos componentes da chapa que for eleita serão éticos, ao menos isso. Mas intuo que para escolher melhor a gente precisa fazer uma leitura nos espremidos das linhas das palavras faladas, escritas e percebidas. Empolado? Com certeza. Em resumo: É preciso conhecer as pessoas e não os personagens.
Vamos agora para as campanhas das eleições amplas (que já ocorrem há tempos). Nelas a intensidade da comunicação, a força da mensagem positiva, a força arrasadora das fake news e nossa tendência em aceitarmos, quase sem freios mentais, as mentiras que derrubam as reputações e que mudam a nossa percepção da realidade, por isso é uma arma plenamente utilizada e agora, com a internet, de forma avassaladora.
Agora vamos ao indivíduo, ou a nós mesmos, isolado, fragmentado, acreditando ou induzido a acreditar ser o centro de tudo o que ocorre na terra, o ser mais importante do mundo, receptor de mensagens que provocam turbilhões de emoções, levando o individuo a se filiar com pessoas que têm as mesmas crenças e que são igualmente fragmentadas, manipuláveis ou já manipuladas, tendo até mesmo a certeza de serem um feixe de varas e não uma mera vara, quebradiça.
O que nós somos, fantoches? Quem sabe? Podemos ser sem que se perceba, pois quem pode transformar pessoas em zumbis tem a seu serviço os recursos da comunicação de massa, hoje amplamente inseridos nas redes sociais e tão facilmente replicados pelo Whatsapp.
Uma questão crítica é que em eleições o cidadão frequentemente se transforma em mero passageiro.
Como um eleitor pode minimizar isso, não ser mero passageiro? Buscando as pontas da verdade, deixando de lado as mensagens factoides, juntando os pontos e achando o real perfil dos candidatos ao buscar os históricos dessas pessoas, que se transformam em personagens e vestem uma máscara como aquele chefe com quem trabalhei.
O negócio é espremer das linhas da vida um modo de não ser enganado. Em resumo, repito: É preciso conhecer as pessoas e não os personagens.
Abraço,
Post scriptum: Para conhecer outra opinião a respeito das fake news leia:
Fake news. Ambiência digital e os novos modos de ser
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