quinta-feira, 18 de abril de 2019

Montando no Cavalo da Saudade

Não tenho habilidade para ser lírico, transformar lágrima ou alegria em poesia,  história de vida em causo.

    Hoje com a morte de Aldemar Paiva (outrora famoso apresentador de Rádio,  TV e escritor) fui buscar na internet coisas sobre ele, seus causos e fui me deparar com uma homenagem feita por Rolando Boldrin a Luiz Gonzaga e nessa homenagem Boldrin fala de um texto de Aldemar Paiva que nele pesquei um pequeno trecho que dizia assim: " e Luiz Gonzaga montado no cavalo da  saudade foi visitar Exu da sua infância por um dia após pedir a Deus permissão."

Assim escrevi a minha viagem montando no cavalo da saudade. 

MONTANDO NO CAVALO DA SAUDADE

No mês passado eu montei no Cavalo da Saudade,  você já montou um algum dia?

Pois é,  montei no Cavalo da Saudade,  um alazão castanho e de pelo brilhante, manso e baixeiro que nem parecia cavalgar, parecia flutuar de tão baixeiro ao galopar.

Pois é,  montei no cavalo e me vi carregando as minhas chuteiras nas pontas dos dedos,  deixando a farmácia de papai com os empregados para não chegar atrasado nos treinos.

Subia a Rua da Lama cheio de esperança e  expectativa, era sempre assim,  quando chegava ao campo da ABA - Associação Bonconselhense de Atletismo, eita campo careca, poeirento,  mas quem se importava, jogar futebol, jogar bola bola era o máximo, era arretado.

Sabe,  lá pelas cinco e meia da tarde,  descia a ladeira do Alto do Colégio das Freiras e ia novamente para a farmácia,  tomar banho pingado. Chegava lá no fundo do prédio e ia para o banheiro rústico,  com a porta cheia de frestas e que era um tormento para um adolescente emplumando e então lavava a cara, a cara mascarada pela poeira do campo da ABA e saia com sabão no cabelo pela pouca água que caia do chuveiro.

Pois bem, montei de novo no Cavalo da Saudade cheguei lá em casa e vi a mesa posta e todos nós sentados ao seu redor, meu pai na cabeceira,  eu na outra, meus irmãos dos lados,  junto a papai estava minha mãe e de repente havia um silêncio, um pequeno silêncio como se agradecesse a Deus,  mas nada se dizia e então começávamos a nos alimentar.

De repente ouvi seu relinchar e saí para a calçada, estava lá a turma brincando,  jogando bola no pátio da igreja, correndo pelas ruas ladeirosas brincando de se esconder e quando, e quando desciam as belas filhas de nosso vizinho toda a meninada, em um obsequioso respeito a gente parava se jogar, disfarçando a paquera e lançando olhares gulosos em direção das meninas.

Mas o Cavalo da Saudade,  eita alazão formoso, e eu montei nele sem destino certo. Passei pelo Colégio Estadual Frei Caetano de Messina,  o Colégio do Frei Dimas e senti novo aquele orgulho em vestir a camisa de tecido fino com escudo do colégio no bolso, mas ali foi uma parada rápida,  é que  com uma velocidade alada voei com o Cavalo da Saudade e a cidade sumiu, tão alto, tão alto fomos  e de repente o tempo também voou, olhando para baixo fui vendo aparecer a Praça da Matriz, nela muita gente passeando, muitos jovens paquerando e então o Cavalo da Saudade foi devagarinho se aproximando e me deixando pertinho da primeira paixão, daquela ebulição de sentimentos,   daquela energia de se construir um mundo.

Aí eu apelei, alisando as crinas lisas e sedosas, disse: - Cavalo da Saudade me leve para o presente.

Aí o Cavalo da Saudade olhou para mim, relinchou suavemente, e antes de me trazer de volta me levou à Praça  João Pessoa, de longe fui divisando seis amigos conversando e quando me aproximei, um deles saiu ligeiramente para me receber e nem disse nada, baixou a minha cabeça e a do meu irmão e nos beijou e o Cavalo da Saudade, levantou as patas e saiu em disparada e naquela viagem ultrassônica cobrou de mim:

     - Hoje eu fiz um favor,  você me achou com Aldemar Paiva, essa viagem foi curta, espero que me chame  para outro passeio antes que alguém morra.

Aí na volta eu fui cantarolando Arreio de Prata de Alceu Valença;

"Meu cavalo dos arreios prateados
E a namorada, muito amada, agarrada na garupa
Me protegendo dos malefícios da vida
E agarrada, muita amada, na garupa do cavalo ..."

A viagem foi tão rápida que não dei conta e de repente montado no Cavalo da Saudade estava teclando estas palavras e amando a vida.

Abs, Marconi.

04.11.2014.

Obs:
Deduzo esta como uma daquelas pérolas misturadas entre a enormidade de papéis que rabisquei como ofício de escrever.

19.04.2019

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