sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

A ASSINATURA DO CABRITO BODINHO

 

       Que bode desgramado,
         Que rebeldia foi aquela,
         Podia ter berrado!

     O cabrito foi batizado pelas crianças de Bodinho. Um dia um amigo da família vendo a alegria das crianças de Benício ao verem um bebê cabrito, prometeu a própria esposa que daria um presente a eles.
     Dois meses depois chegou o presente. Aquela família agora tinha seis membros, o casal, os filhos e Bodinho, que cresceu saudável e com muita alegria das crianças.
     Mas, uma viagem longa se avizinhava e dentro da casa começou a se discutir como ficaria o cabrito. Já haviam até conversado com o vizinho para ele alimentar e trocar a água do animal enquanto viajavam. Bodinho, ainda criança, corria solto, dando pinotes e nada sabia do seu destino.
     Era o bicho de estimação daqueles três meninos inquietos.
     Já faltando dois dias para a viagem, Benício chegou em casa e comunicou:
     - Olhe, Zé, o nosso vizinho, vai cuidar do cabrito até a gente voltar, - não foi surpresa para a esposa, isso havia sido combinado.
     Na hora daquela conversa Bodinho chegou na porta e viu os meninos agitados, cada um dizia que ele não poderia ficar no natal sozinho, tinha que ir com eles.
    Benício manteve a decisão que o cabrito ficaria, Carla também achava melhor que o animal não viajasse.
      - Olha, o nosso carro é apertado e nós vamos viajar um dia quase todo.
      - Não pai, a gente se aperta, – disse o mais velho.
     - É pai, a gente leva ele no colo, - disse o filho do meio.
      O mais novo só gesticulava apoiando a ideia dos seus irmãos que haviam encontrado a solução para ter Bodinho na viagem. Depois de muita conversa, os pais toparam. Mas Bodinho iria ser criado na fazenda da avó, pois ficaria grande e não daria para ele viver no quintal da casa onde moravam. Na hora as crianças aceitaram a decisão, a viagem com Bodinho já seria suficiente. Poderiam conviver com ele mais um tempo, pois estavam nas férias da escola.
     Na véspera da viagem arrumaram as bagagens e colocaram no carro. Uma garrafa PET de um litro foi transformada em uma mamadeira para Bodinho beber água, em uma caixa plástica estava a ração dele. O cocô e o xixi é que poderia ser o problema.
     No outro dia pela manhã Benício acordou preocupado, ao voltar da garagem, onde havia organizado melhor a bagagem, ele se aproximou da esposa e disse:
     - Já arrumei o carro. Sei não, vai ser uma viagem apertada. São 600 quilômetros.
     - Benício, se arrume para você dirigir confortável que a gente se acomoda.
      Viajaram três adultos e as três crianças pequenas, mais o cabrito. Todos eles em um Kadett.
     A sexta-feira chegou e Benício conseguiu ser liberado do trabalho mais cedo. Mas só chegou às duas da tarde, fez um almoço rápido e em meia começaria a viagem. A babá e os três meninos estavam acomodados no banco de trás do Kadett. O pequeno cabrito ocupava o colo dos dois meninos mais velhos, nos pés da mãe estava a caixa plástica com as mamadeiras do filho mais novo.
     Benício ligou o carro, olhou para o banco de trás e ficou preocupado. Carla também olhou, Bodinho estava quieto, retribuiu o olhar. Os três meninos estavam contentes, que em vez da agitação natural das crianças, elas estavam quietas. Depois dessa verificação, Benício olhou para a esposa e disse:
     - Vamos. Vamos ver o que é que vai dar, - Carla não comentou, tocou na mão do esposa e apertou de leve.
     Cidade pequena, em cinco minutos estavam na rodovia. Sol a pino, calor furioso e o ar-condicionado do carro soprando com força.
     Estrada estreita, com longos trechos cheios de buracos, o que tornou a viagem lenta. Já noite adentro ele chegaram em Patos, no sertão da Paraíba. Tinham deixado para trás 220 km, desde Caraúbas, no Rio Grande do Norte.
     Após a indicação de um frentista de um posto de combustível, na entrada da cidade, em pouco tempo eles estravam na frente do Hotel JK. Benício desceu pagou a hospedagem de dois quartos, um triplo para ele e a família, o outro, duplo, para a babá.
     Ele voltou e começou um conclave para saber como levar Bodinho para dentro do hotel sem que fosse notado. Mas Bodinho estava agitado. A tarde toda sem dar seu seus saltos o haviam deixado estressado. Comida e água para Bodinho na calçada, urinou por ali e as fezes foram recolhidas em um saco de papel, jogadas em um lixeiro próximo. Em cima do xixi, o que restava da água da garrafa PET.
     Benício entrou primeiro, o atendente levou as bagagens até o quarto triplo. Benício voltou e pegou o menino mais novo no colo, os maiores caminharam ao lado na mãe e Bodinho foi coberto em uma toalha de banho, como se fosse um bebê dormindo. Assim, meio disfarçado, ele entrou no hotel e foi para o quarto duplo junto com a babá.
     Dormiram antes das dez da noite, planejavam correr os outros 390 km lá pelas cinco da manhã. Quando deu quatro horas, Quitéria chegou no quarto do casal agitada:
     - Dona Carla, Dona Carla, acorda ...
     Carla abriu a porta, sonolenta:
     - O que foi Quitéria?
     - Venha, venha ver o que o cabrito fez.
     As duas saíram pelo corredor do hotel e entraram no quarto. Já primeiros passos Carla viu as fezes no animal forrando o chão. Abriu mais a porta e Bodinho olhou para elas. Parecia estar mais calmo, mas estava na verdade era cansaço por não ter dormido.
     Carla empurrou a porta completamente e ao ver:
     - Minha nossa senhora! Como é que ele fez isso? Você não percebeu?
     - Não, dormi logo que me deitei e quando me levantei para fazer xixi estava essa bagaceira.
    Carla olhou de novo para Bodinho, viu ele se chegar e roçar na perna dela.
    - Vamos juntar esse cocô em um saco plástico, empurra esse negócio com os pés e vamos embora agora mesmo! - E Carla saiu ligeira para acordar o marido e os filhos.
    Com a pressa que foi possível, quatro e meia da manhã eles saíram do Hotel JK. Agradeceram a atenção do sonolento guarda e deixaram para trás a assinatura de Bodinho.
     Subiram a serra de Teixeira atentos, o sol já estava clareando bem a estrada, os meninos dormiam, Quitéria estava atenta e Bodinho relaxado, dormia no colo das crianças.
     A viagem seguiu tranquila, perto do meio dia, a primeira viagem de Bodinho terminaria, em poucos minutos ele estaria alegre, saltitando na casa da avó dos meninos e fazendo a alegria deles.
      Já perto do final da viagem, avistando a Serra de Santa Teresinha, o destino a poucos quilômetros,  Carla passou a mão nos olhos, como se quisesse apagar as imagens que a sua  memória trouxe, então se virou para Benício e indagou:
      - Você viu o estrago?
      - Vi ligeiro.
      - Como é que ele fez aquilo tudo? - Perguntou de novo Carla.
      - Não sei. Como pode? - Benício estava incrédulo.
     Nem ela, nem Benício saberiam como. Até hoje, quando se lembram, se perguntam como é que Bodinho colocou no chão o reboco e esburacou toda a parede do banheiro.


Semana Iluminada. Falta pouco para a vacina, nos cuidemos.

Abração, Marconi Urquiza
 

15 comentários:

  1. SAMUEL (Via Whatsapp - Grupo Jovens Aposentados): cuidado com bodinho rsrs

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  2. Zé Neto (Via Whatsapp - Grupo Jovens Aposentados): Show de bola. Delícia de crônica pra começar bem o fds, no meio de tantas notícias ruins sobre a pandemia.

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  3. Cícero Fernandes ((Via Whatsapp - Grupo Jovens Aposentados): Livre, leve e solto!!! A vida assim é mais gostosa de se viver! Quem já não teve o seu bodinho?? Parabéns Marconi!!!

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  4. Milton Mendes (Via Whatsapp - Grupo Jovens Aposentados): Crônica gostosa de se ler Marconi, esse bodinho me lembra uma figura parecida, meu RINGO !!

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  5. A capacidade que um bode tem para fazer estripulias é imitada. O relato prova que o pequeno animal tem parte com o "bicho ruim". Um grande abraço pajeuzeiro.

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  6. Cida (Via Whatsapp - Grupo Família Muquém): Foi inesquecível o que o bdinho fez, o que não faz pelos filhos.

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  7. Walmir (Via Whatsapp - Grupo Jovens Aposentados): Bom dia Marconi,
    Muito legal a crônica.

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