sexta-feira, 2 de julho de 2021

Baile de São João


Começou dias antes, a paquera rolava solta. Os sorrisos doces, discretamente convidativos entusiasmavam o rapaz, que deixou a adolescência e a magreza para trás. Andava ficando bonito. O que não tinha curado era a timidez.

           Na véspera, perfumado, encontrou a paquera, ficaram proseando na praça. Os amigos e as amigas perceberam o clima e se afastaram. Sorrisos dali, sorrisos de cá, olhos brilhando, só faltava o tímido dizer: vamos namorar.

            A menina festeira havia se encantado pelo rapaz. Para ele era uma tortura saber que ela gostava de dançar, pois, vivia fugindo de festas, das danças. De conversa lenta ficava esperando a brecha milagrosa da moça, que por sua vez aguardava que o modelo de iniciativa masculina daquela época ocorresse.

            O baile de São João estava ali, pertinho.

            — Você vai amanhã para o baile?

           — Claro, papai já deixou — respondeu Rossi.

— Vai ser muito legal.

— Vai, vamos estar lá — foi quase como um convite para ele dançar com ela.

            O papo, a menos de um metro de um abraço e de um beijo ficou mais um tempo. O rapaz se balançava, sempre achando que qualquer avanço era demais.

Dez da noite, a irmã passou:

— Vamos, Rossi.

— Vamos, Roge.

            Rossi foi com mão por cima da do rapaz e fez um afago, apertou, sorriu e disse:

— Até amanhã — ele gaguejou ao responder.

            As irmãs desceram pela praça, ele olhando para elas, na esquina, Rossi se voltou e balançou a mão. Quase que ela mandava um beijo.

            No dia do baile não se encontraram durante o dia, umas duas horas antes de ir para o clube, o rapaz se encontrou com um amigo e o convite veio assim:

            — Vamos tomar umas cervejas para a gente se animar.

            Sabe, funcionou, o rapaz tímido, já não estava tão acanhado, chegou ao baile todo animado e foi ao encontro de Rossi, em pouco tempo estavam dançando. Ele com uma calça jeans Topeka, estalando de nova, uma camisa xadrez, perfumada pelo tecido novo. Todo cheiroso com Mens Club, barba feita, cabelo bem penteado. O melhor, se sentia bonitão com a sua linda bota de cano curto de couro marrom.

            Por minutos a dança correu fluída, alegre, repleta de energia. Pena que durou pouco.

            Com o São João se achegando, muitas festas juninas depois, ele assistiu a um vídeo que passou atômico pelo seu celular. Cutucou a cabeça, repetiu o gesto de passar os dedos entre os cabelos, agora mais comportados e ralos. Saiu da casa e foi para o degrau na frente dela. “Vou esquentar o sol, hoje tá friozinho”.

            Ele olhou para o celular e fez um chamado de vídeo, reviu o amigo e perguntou: 

            — Esse vídeo que mandasse é daquele tempo?

            — É.

            — Me lembrou daquele São João que eu parecia o maior dançarino do mundo.

            — Te empolgasse.

            — Foi. Estava todo diferente.

            — Foi.            

            — Foi bom.

            — Que foi bom, foi!

            — Quase namorasse.

            — Foi. Faltou pouco.

            — Por não namorou?

           — Homem, e a timidez deixava! — falou sorrindo, embalado pela doce lembrança.

            — E hoje?

            — Hoje — parou para pensar — Hoje, não sei dizer. Os gostos mudam.

            — Diz logo a verdade, deixa de enrolação! — intimou o amigo.

            Um leve sorriso apareceu para o outro, que ouviu:

            — Nem sei onde ela está.

            O vídeo foi desligado e aquele homem viajou no tempo, onde se viu, sem timidez, alegre, repleto de energia, bailando com Rossi. “Pena que durou pouco”. Não foi pouco, está vivo nas suas lembranças de mais de 40 anos.

10 comentários:

  1. Os fatos narrados sevem para muitos que nasceram nos anos dourados. Não mudaram somente os gostos, mudaram os hábitos e, principalmente, os valores.

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  2. Eita meu Amigo Marcone, essas situações de timidez na adolescência masculina, atrapalhou muitos do nosso tempo, kkkkk. Essas suas lembranças me levaram a alguns episódios, semelhantes, da minha adolescência, rsrsrsrs. 👏👏👏

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  3. É Marconi, boas lembranças! E ainda tinham as Quadrilhas Matutas daquela época que também estimulava as paqueras e os namoros para os mais tímidos.

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  4. Um belo conto sim. Uma viagem bas lembranças. Parabéns.

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  5. Incrível como todos nós, na casa dos sessenta e tantos, temos uma história parecida com essa! Agora, o dom pra saber registrar a história, é pra poucos, pouquíssimos! Parabéns mais uma vez!

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