Código de uma
Crença
Quero dizer, antes de tudo, que
você não precisa concordar com estas palavras. Fique à vontade para
critica-las.
Não sei quantos tiveram a vontade de ler sobre o nazismo. A minha lembrança mais longínqua desse
regime político foi ao assistir a série Holocausto, de 1978. Naqueles episódios, o
que mais me chamou a atenção foi uma aparência de passividade da população que
foi dizimada.
Depois, talvez em 1979 ou 1980,
conheci uma professora, alemã, da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Em
uma das aulas, ela comentou que seu pai havia fugido dos russos durante muitos
meses, após a derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial. Caminhou pelas
florestas do leste europeu até conseguir entrar no território ocupado, daquele
país, pelos Estados Unidos.
Vale a pena um adendo. Naquele
período, todo soldado nazista que fosse encontrado pelo exército da União
Soviética era fuzilado.
Após esse testemunho, fiquei com um
comichão, então certo dia me aproximei dela para fazer a pergunta que batia na
cabeça.
— Professora, por que seu pai foi
nazista?
Duas coisas não esqueci daquele
momento. A primeira foi a sua expressão de constrangimento e, finalmente, a
sua resposta:
— Não havia como não ser nazista.
Que situação é essa que não havia
uma alternativa para se viver?
Tal resposta, de modo inconsciente,
foi o gatilho para o desejo de me aprofundar nesse fenômeno político-social,
cujas implicações foram duradouras. Foram anos de interesse. Dezenas de
documentários, artigos, reportagens, livros, filmes. Tudo visto e listo com
avidez.
Nessa trajetória esbarrei com um
artigo da revista Veja que tratava de um ex-vice-presidente de uma grande
empresa. Bem, esse homem era fã das técnicas, táticas e modos de gerir nazistas.
Tal executivo foi demitido em algum escândalo envolvendo a privatização das
telecomunicações no Brasil, na época de FHC. Para mim essa afinidade do
executivo não é um fato fora da curva. Ouso dizer que as táticas nazistas,
fascistas e totalitárias continuam tendo eco mundo afora desde então.
Aí, vários anos atrás assisti ao
filme-reportagem de nome “Caçando Eichmann”. Trata da captura do oficial da SS
nazista, em Buenos Aires. Adolf Eichmann, coronel que liderou todo o transporte
dos judeus húngaros para o Campo de Extermínio de Auschwitz.
Depois do filme, li o livro
correspondente e saí lendo outros livros. O curiosidade foi tanta busquei um
escrito por Hanna Arendt: “As Origens do Totalitarismo: Antissemitismo,
Imperialismo e Totalitarismo”. Neste livro, há na bibliografia a citação de outro de
sua autoria. Foi assim que esbarrei no mais famoso livro dela: Eichmann em
Jerusalém – um relato da banalidade do mal. Este livro marcou muito, deu-me um
sentido de observação que propiciou ter percepções críticas para muita coisa.
O meu momento de vida, tempos
depois, era de questionamento de um certo “código de ética”. Assim, no
minúsculo, porque embora torto, era um código de conduta, amplamente
disseminado. Comecei a perceber que vivia em um ambiente em que as
ultrapassagens ao Código de Ética ideal, às normas de conduta e as de negócios
eram incentivadas. Até as leis eram banalizadas. O código real e influenciador era outro: Entregar o número de
qualquer modo. Só entregue. O recado era um só: isto é o que vale, isto é o que
é importante.
Alguns anos depois, comprei o último
livro a respeito do nazismo e com ele encerrei a minha leitura sobre o assunto.
Pois bem, foi o estudo, intitulado de
“Crer e Destruir – Os intelectuais na máquina de guerra da SS nazista”. Nele um
pesquisador francês estudou com profundidade 99 oficiais nazistas.
O primeiro ponto daquela leitura
foi: A seleção dos oficiais pela SS. A maioria tinham curso superior, mestrado
e até doutorado. Não eram incultos, como muitas narrativas que os apresentou
após a guerra. Como se para se justificar a brutalidade dessas pessoas.
O outro ponto, foi a Construção da Crença. Uma vez tudo
assimilado que faziam a coisa mais certa do universo, fazer aquelas
barbaridades não lhe infligia nenhuma dor, culpa ou remorso.
Algum tempo depois, vi o filme que
discorreu sobre a reunião que decidiu como executar mais rápido os judeus. O
“convencimento” para a Solução Final. No filme, em certo momento um general do
exército discordou. Ali haveria de haver unanimidade. O general que comandava a
reunião, após as devidas regulagem intimidatórias, falando em nome de Hitler,
obteve o voto do general “recalcitrante”.
Cinco, seis anos atrás, apareceu no
canal History Chanel um documentário, em vários episódios, intitulado de Códigos
Nazistas. Deixei de lado qualquer resenha sobre tal documentário, são vários
códigos. Mas vou colocar a minha interpretação. O Código Nazista, como qualquer
código de uma sociedade, de um grupo de pessoas, mesmo distantes fisicamente,
os faz sentirem-se pertencentes a um tipo de agrupamento. Grosso modo, seria
como um agrupamento “espiritual”.
Então, no código nazista, certas
palavras de Hitler se transformavam em palavras-chave, em crença, ordem e
execução, sem que se ouvisse um “faça” imperioso. A Solução Final foi uma
dessas palavras-chave.
Vamos para o presente. Nos tempos em
que se filma tudo, o que ocorreu na semana passada em Recife (29.05.2021), em Trindade, Goiás.
Das queixas-crime em razão de críticas postadas na mídia e nas redes sociais. Inquéritos
abertos para intimidar, com base na Lei de Segurança Nacional.
Em Goiás, um homem foi preso por um policial militar e levado à Polícia Federal para ser autuado com base na L.S.N.
e depois liberado por que não havia crime. Em Recife, a Tropa de Choque da
polícia atirou contra uma manifestação política ordeira, sem nenhum tipo de
provocação, sem nenhum tipo de desobediência à ordem policial, sem nenhum tipo
de desobediência a uma lei.
Vou esticar a minha reflexão. Aquele
soldado obedeceu ao quê e mais relevante: a quem?
O comandante que autorizou a ação
recebeu alguma ordem superior para reprimir? Ou há outros objetivos? Colocar
medo? Provocar o refluxo de outras manifestações pacíficas? A quem ele servia?
Nas duas situações. Agiram por conta
própria ou há uma rede de comando? Ou há uma rede de comando mental motivada
por uma crença que isso é o que deveria se fazer?
Assim foi no auge do nazismo, todos
obedecendo ao mínimo desejo de Hitler, mesmo que não fosse manifesto. De uma dependência
de agradar, acolhido pela crença comum
que servia ao seu líder. É possível que esse seja o Código que esteja por trás
das duas ocorrências aqui relatadas.
Dezenas de manifestações pró, uma
contra. Faço, como minhas, as palavras da repórter Bianka Carvalho, da TV Globo, ao perguntar a um importante dirigente do Governo de Pernambuco: Há uma polícia
dentro da polícia?
Bem, estas são as minhas ponderações, peço as suas.
----------------------------
Foi uma fase terrível da História mundial e, espero, que jamais volte a existir.
ResponderExcluirExcelente reflexão e esclarecimentos, Marconi
Obrigado, Airton.
ExcluirAlgumas pessoas, que se dizem fo gênero humano, têm seus mapas mentais desenhados com pincéis de cordas nazistas e similares (existem diversos). Para aplicar suas linhas de pensamento é só ter uma oportunidade, isto tem ocorrido com frequência em todo mundo. Lutemos com toda nossa força contra este tipo de ação.
ResponderExcluirSem dúvida. Lutemos sempre. Obrigado.
ExcluirObrigado, Marconi! Seus esclarecimentos são valiosos! Sempre por trás de um bem há a sombra de um mal. A maioria gosta de sombra e água fresca!
ResponderExcluirA luta é permanecer atento as ações e lutar contra elas.
ExcluirGrande Marconi. Lembrou-me o ditado popular: "Se o soberano pedir uma maça, seus súbitos arrancarão a macieira". Foi o período ruim da história recente.
ResponderExcluirObrigado, Walmir.
ExcluirUma das melhores que li sobre o assunto. Pior, não é só passado.
ResponderExcluirObrigado, Lúcia
ExcluirCada vez admiro mais você, Marconi!
ResponderExcluirEita, muito obrigado.
Excluir