sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

MONARK E O CÓDIGO DE UMA CRENÇA

 

Código de uma Crença

 



          Quando Monark fez as suas observações nazistas, inúmeras pessoas fizeram as suas críticas, todas procedentes. Mesmo quem não tem afinidade com a história, em algum momento o nazismo e suas consequências nefastas chegaram a essa pessoa. 

    O Nazismo não sai de moda, é ilegal no Brasil e em muitas partes do mundo, mas continua alimentando inúmeros espíritos com a tendência de serem maus.  Muitos, muitas pessoas, são pequenos ditadores e a filosofia nazista cai como uma luva para elas alimentarem os seus impulsos.

    Há alguns anos tomei um susto, não esperava ver o que vi. Era 2018 e nós fomos para Blumenau, Oktoberfest. Eu, Cida, Marcello e Zoraide. No domingo, Marcello nos levou para conhecer a Rua 15 de Novembro. Fomos andando e em certo momento subimos a escadaria da Catedral. Depois de alguns minutos, voltamos para a rua e assim que descemos a escadaria vi uma livraria, me aproximei e parei. Na sua parede, um cartaz que dava um endereço no Facebook, convidando pessoas para um grupo nazista. Até fotografei, depois apaguei, mas fiquei por meses pensando nisso. Por fim, entrou na ladeira do esquecimento, até esta semana.

    O texto abaixo foi escrito em junho do ano passado e não divulguei. Guardei aqui. É datado, tem um contexto histórico e tem também um contexto perene, pois o Nazismo está sempre rondando, é moda permanente.

------ TEXTO  ORIGINAL ------

       Quero dizer, antes de tudo, que você não precisa concordar com estas palavras. Fique à vontade para critica-las.

        Não sei quantos tiveram a vontade de ler sobre o nazismo. A minha lembrança mais longínqua desse regime político foi ao assistir a série Holocausto, de 1978. Naqueles episódios, o que mais me chamou a atenção foi uma aparência de passividade da população que foi dizimada.

        Depois, talvez em 1979 ou 1980, conheci uma professora, alemã, da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Em uma das aulas, ela comentou que seu pai havia fugido dos russos durante muitos meses, após a derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial. Caminhou pelas florestas do leste europeu até conseguir entrar no território ocupado, daquele país, pelos Estados Unidos.

         Vale a pena um adendo. Naquele período, todo soldado nazista que fosse encontrado pelo exército da União Soviética era fuzilado.

         Após esse testemunho, fiquei com um comichão, então certo dia me aproximei dela para fazer a pergunta que batia na cabeça.

         — Professora, por que seu pai foi nazista?

         Duas coisas não esqueci daquele momento. A primeira foi a sua expressão de constrangimento e, finalmente, a sua resposta:

         — Não havia como não ser nazista.

         Que situação é essa que não havia uma alternativa para se viver?

         Tal resposta, de modo inconsciente, foi o gatilho para o desejo de me aprofundar nesse fenômeno político-social, cujas implicações foram duradouras. Foram anos de interesse. Dezenas de documentários, artigos, reportagens, livros, filmes. Tudo visto e listo com avidez.

         Nessa trajetória esbarrei com um artigo da revista Veja que tratava de um ex-vice-presidente de uma grande empresa. Bem, esse homem era fã das técnicas, táticas e modos de gerir nazistas. Tal executivo foi demitido em algum escândalo envolvendo a privatização das telecomunicações no Brasil, na época de FHC. Para mim essa afinidade do executivo não é um fato fora da curva. Ouso dizer que as táticas nazistas, fascistas e totalitárias continuam tendo eco mundo afora desde então.

         Aí, vários anos atrás assisti ao filme-reportagem de nome “Caçando Eichmann”. Trata da captura do oficial da SS nazista, em Buenos Aires. Adolf Eichmann, coronel que liderou todo o transporte dos judeus húngaros para o Campo de Extermínio de Auschwitz.

        Depois do filme, li o livro correspondente e saí lendo outros livros. O curiosidade foi tanta busquei um escrito por Hanna Arendt: “As Origens do Totalitarismo: Antissemitismo, Imperialismo e Totalitarismo”. Neste livro, há na bibliografia a citação de outro de sua autoria. Foi assim que esbarrei no mais famoso livro dela: Eichmann em Jerusalém – um relato da banalidade do mal. Este livro marcou muito, deu-me um sentido de observação que propiciou ter percepções críticas para muita coisa.

        O meu momento de vida, tempos depois, era de questionamento de um certo “código de ética”. Assim, no minúsculo, porque embora torto, era um código de conduta, amplamente disseminado. Comecei a perceber que vivia em um ambiente em que as ultrapassagens ao Código de Ética ideal, às normas de conduta e as de negócios eram incentivadas. Até as leis eram banalizadas. O código real e influenciador era outro: Entregar o número de qualquer modo. Só entregue. O recado era um só: isto é o que vale, isto é o que é importante.

        Alguns anos depois, comprei o último livro a respeito do nazismo e com ele encerrei a minha leitura sobre o assunto.

        Pois bem, foi o estudo, intitulado de “Crer e Destruir – Os intelectuais na máquina de guerra da SS nazista”. Nele um pesquisador francês estudou com profundidade 99 oficiais nazistas.

        O primeiro ponto daquela leitura foi: A seleção dos oficiais pela SS. A maioria tinham curso superior, mestrado e até doutorado. Não eram incultos, como muitas narrativas que os apresentou após a guerra. Como se para se justificar a brutalidade dessas pessoas.

        O outro ponto, foi a Construção da Crença. Uma vez tudo assimilado que faziam a coisa mais certa do universo, fazer aquelas barbaridades não lhe infligia nenhuma dor, culpa ou remorso.

        Algum tempo depois, vi o filme que discorreu sobre a reunião que decidiu como executar mais rápido os judeus. O “convencimento” para a Solução Final. No filme, em certo momento um general do exército discordou. Ali haveria de haver unanimidade. O general que comandava a reunião, após as devidas regulagem intimidatórias, falando em nome de Hitler, obteve o voto do general “recalcitrante”.

        Cinco, seis anos atrás, apareceu no canal History Chanel um documentário, em vários episódios, intitulado de Códigos Nazistas. Deixei de lado qualquer resenha sobre tal documentário, são vários códigos. Mas vou colocar a minha interpretação. O Código Nazista, como qualquer código de uma sociedade, de um grupo de pessoas, mesmo distantes fisicamente, os faz sentirem-se pertencentes a um tipo de agrupamento. Grosso modo, seria como um agrupamento “espiritual”.

         Então, no código nazista, certas palavras de Hitler se transformavam em palavras-chave, em crença, ordem e execução, sem que se ouvisse um “faça” imperioso. A Solução Final foi uma dessas palavras-chave.

         Vamos para o presente. Nos tempos em que se filma tudo, o que ocorreu na semana passada em Recife (29.05.2021), em Trindade, Goiás. Das queixas-crime em razão de críticas postadas na mídia e nas redes sociais. Inquéritos abertos para intimidar, com base na Lei de Segurança Nacional.

         Em Goiás, um homem foi preso por um policial militar e levado à Polícia Federal para ser autuado com base na L.S.N. e depois liberado por que não havia crime. Em Recife, a Tropa de Choque da polícia atirou contra uma manifestação política ordeira, sem nenhum tipo de provocação, sem nenhum tipo de desobediência à ordem policial, sem nenhum tipo de desobediência a uma lei.

         Vou esticar a minha reflexão. Aquele soldado obedeceu ao quê e mais relevante: a quem?

         O comandante que autorizou a ação recebeu alguma ordem superior para reprimir? Ou há outros objetivos? Colocar medo? Provocar o refluxo de outras manifestações pacíficas? A quem ele servia?

         Nas duas situações. Agiram por conta própria ou há uma rede de comando? Ou há uma rede de comando mental motivada por uma crença que isso é o que deveria se fazer?  

         Assim foi no auge do nazismo, todos obedecendo ao mínimo desejo de Hitler, mesmo que não fosse manifesto. De uma dependência de agradar, acolhido pela crença comum que servia ao seu líder. É possível que esse seja o Código que esteja por trás das duas ocorrências aqui relatadas.

        Dezenas de manifestações pró, uma contra. Faço, como minhas, as palavras da repórter Bianka Carvalho, da TV Globo, ao perguntar a um importante dirigente do Governo de Pernambuco: Há uma polícia dentro da polícia?

        Bem, estas são as minhas ponderações, peço as suas.


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Bem, é isso por hora.

Marconi Urquiza 

12 comentários:

  1. Foi uma fase terrível da História mundial e, espero, que jamais volte a existir.
    Excelente reflexão e esclarecimentos, Marconi

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  2. Algumas pessoas, que se dizem fo gênero humano, têm seus mapas mentais desenhados com pincéis de cordas nazistas e similares (existem diversos). Para aplicar suas linhas de pensamento é só ter uma oportunidade, isto tem ocorrido com frequência em todo mundo. Lutemos com toda nossa força contra este tipo de ação.

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  3. Obrigado, Marconi! Seus esclarecimentos são valiosos! Sempre por trás de um bem há a sombra de um mal. A maioria gosta de sombra e água fresca!

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  4. Grande Marconi. Lembrou-me o ditado popular: "Se o soberano pedir uma maça, seus súbitos arrancarão a macieira". Foi o período ruim da história recente.

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  5. Uma das melhores que li sobre o assunto. Pior, não é só passado.

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