sexta-feira, 28 de novembro de 2025

O poder revela ou transforma uma pessoa?

 

imagem: Orlando/UOL.

         Um papo na última segunda-feira entre aposentados do Banco do Brasil que tiveram poder concedido pela empresa, sendo quatro ex-auditores e 2 ex-administradores de agência, provocou esta crônica. Durante algum tempo o assunto versou sobre se o poder e o dinheiro revela a personalidade de uma pessoa ou se a modifica. O viés não foi dito, mas esse viés era sobre a prepotência, maldade, vaidade.

          A maioria não opinou, ficaram pensando. Evidente, poderia ter havido a mudança pelo lado positivo, mas isto não estava em discussão.

        A visão de um dos seis, que explicitou a sua opinião era que o poder e o dinheiro, mais para o poder, tinha o força de desmascarar quem é uma pessoa, a sua índole, ter atitude que sempre quis ter e não fazia por que lhe faltava o poder. 

        Nós ficamos ouvindo os argumentos e certo momento opinei que o poder pode apenas mostrar a face ou perfil de quem usa o poder para se locupletar, ou e, também, para oprimir, para praticar o mal, para se sentir respeitado, impor a sua vontade, e ou, para demonstrar para os seus pares que é o cara. É necessário observar que o meio de convivência pode influenciar comportamentos não tão santos. Insisto nisso, por que este foi o víes daquele papo.

       Em certo momento opiniei que o poder pode apenas revelar o caráter de uma pessoa, como ocorreu com milhões no Brasil desde 2018 ao se sentirem empoderados por uma corrente de pensamento comunicada à exaustão. 

        No mesmo momento, argumentei que o poder pode modificar uma pessoa. Pode ocorrer para muitas pessoas se sentirem como Deus, dono da vida e morte de alguém. Por exemplo: muitas vezes quem tem uma arma na mão tende a exagerar uma palavra como uma ofensa e reage brutamente, na maioria das vezes, bastaria o silêncio. Ou a pessoa se enche de confiança, como se o mundo fosse dela e de mais ninguém.

        Ou a organização lhe concede tanto poder, que sem um freio institucional, esse poder vira um tirania. Ou se no seu meio, um padrão violento de exercício do poder é aceito, aquele indíviduo de repente para ser aceito, faz o "que todo mundo faz", por exemplo, ser agressivo em uma gestão.

        Penso que o mais comum em quem galga o poder é se tornar vaidoso. Às vezes fica tão cheio de certezas que não consegue escutar os avisos que correm em qualquer ambiente. Sejam explicitos ou não. 

        A palavra voltou ao interlocutor, que parecia querer dar um recado para os presentes, que poderiam ter conhecimento de algum pormenor entre esse interlocutor e algum dos demais.

        Aí, sem ter compreendido a percepção do parágrafo anterior, argumentei que entre a cor branca e a cor preta tem uma vasta área cinza. A pessoa pode ser má e o poder dar-lhe um impulso irrefreável para praticar a maldade, ou se a sua arrogância é velada, com o poder se sente à vontade para mostra-lá sem pudor, entre outros comportamentos.

        Durante o tempo que ocorreu naquela conversa eu interpretei que os argumentos  que aquele interlocutor trouxe à mesa versava sobre si mesmo, talvez sim, talvez sim indiretamente, mas a compreeensão ao final deste texto mudou de lado, o papo ali e a insistência fez alterar a perpepção de que havia ali um desejo de dar um recado e obter uma confissão de um dos presentes que praticou o mal por ter tido poder.

        Para encerrar, vou trazer uma frase que me encantou e encanta até hoje pela sua significância para mim:

         "Quando Pedro me fala de Paulo, sei mais de Pedro do que de Paulo". Se a sentença foi realmente proferida por Freud, não se sabe. Entretanto, o significado da mensagem faz sentido. Yannik D'Elboux (UOL, 19.08.2014).

            Bem, por hora é só.

            Abração, Marconi.

         

A Previ e o Banco Master: a diferença entre Déficit e Rombo

 



Por Djalma Xavier.

        Pra começo de conversa, trago dois personagens que tem algo a nos ensinar e ilustram bem as questões principais abordadas nessa crônica.

        Antônio Vaqueiro, meu avô, já dizia em meados do século passado: “O olho do dono é que engorda o boi”. Ele não sabia nada de investimentos, mas sabia cuidar do seu patrimônio, que se resumia a 2 juntas de bois de arado e uma dúzia de vacas mestiças. Sua poupança era seu pequeno rebanho. Em sua sabedoria sertaneja, acrescentava ao adágio popular: o cuidado e a vigilância do vaqueiro é que evitam que o boi seja roubado e que a vaca vá pro brejo, literalmente.

        Ivan Sant’Anna, ex operador do mercado de capitais, escreveu o livro “Rapina”. É ficção, mas acredito que o autor pode ter se inspirado fatos reais, visto que trabalhava na área. Tem como pano de fundo a bolsa de valores na década de 90 e detalha como corretoras lesavam os fundos de pensão em negociações de ações, com base em informações privilegiadas e corrupção de agentes públicos.

        Por incrível que pareça, as histórias reais de “Seu” Antônio Vaqueiro e a ficção de Ivan Sant’Anna servem de alerta para nós beneficiários da Previ e se relacionam com o rombo do Banco Master. É de domínio publico que fundos de pensão são frequentemente alvo de tentativas de negociatas danosas aos seus patrimônios e associados. No caso da Previ, o olho do dono, ou seja, nosso olhar, nosso cuidado com nosso patrimônio é fundamental. Talvez esse seja nosso diferencial e, juntamente com nosso estatuto e governança, é que permitiram que nosso fundo de pensão tenha sobrevivido relativamente ileso a tentativas de uso político e evitado alguns investimentos de alto risco, como por exemplo, em CDB’s do Banco Master.

        Vamos aos fatos: Está estampado na manchete do jornal Folha de São Paulo, em sua edição de 25.11.25, “18 fundos previdenciários investiram R$ 1,86 bilhão no Banco Master”. Verifica-se, ao se ler a reportagem completa, que o nome da Previ não aparece na FSP, nem em nenhuma mídia relacionada a fraude em tela. Conforme portal de transparência da entidade e declaração da diretoria da Previ, não houve nenhum investimento em papéis do Banco Master.

        O Déficit da Previ, ocorrido durante exercício de 2024, foi denominado apressadamente pela mídia como ‘O ROMBO DA PREVI’, amplificado e alardeado exaustivamente, especialmente pela CNN. Entre fevereiro e março/25 o site da CNN noticiou quase que diariamente o que seria o rombo ou o roubo do século na Previ. Não se dava ênfase alguma ao que dizia a outra parte, no caso, a diretoria da Previ. Eles não estavam interessados na explicação de que os papéis de renda variável flutuam de acordo com o mercado e que as aplicações em Títulos do Tesouro Nacional também variam para baixo caso as taxas de juros subam, como era o caso. Um certo ministro do TCU abriu uma auditoria no dia 11.02.2025, e, com ajuda da mídia, o presidente da Previ foi massacrado publicamente, julgado e condenado, sem direito a defesa.

        Percebe-se a parcialidade da CNN, que publicou no seu site no dia 15.02.25, o seguinte: “Para Jorge Boucinhas, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV/EAESP), a principal questão em debate é se o rombo resulta de gestão inadequada ou de atos ilícitos, como corrupção. A Previ é comandada pelo sindicalista João Luiz Fukunaga.”

        Houve até um certo deputado, fritador de hambúrguer em Miami nas horas vagas e oportunista em tempo integral, que aproveitou o ensejo e desceu o sarrafo na Previ e no BB, com óbvios objetivos políticos.

        Passado um tempo, verificou-se que realmente o déficit da Previ era decorrente de flutuação normal de mercado, que não havia rombo de R$ 14 bilhões e que o valor real do déficit acumulado era de aprox. R$ 3 bilhões, ao final do ano fiscal de 2024. Desde então, passaram-se 10 meses, e o resultado acumulado da Previ até o mês 10/2025 é superavitário em R$ 9,48 bilhões. A carteira de investimentos da Previ cresceu aproximadamente R$ 14 bilhões no ano de 2025, atingindo a cifra de R$ 239 bilhões.

        A mídia estrategicamente esqueceu do assunto, pois divulgar resultado positivo não dá ibope. A CNN também não toca mais no assunto. O relatório da Auditoria do TCU para apuração do déficit, ao que tudo indica, não deu em nada. Se houve algum prejuízo para a Previ em função de acusações infundadas, fica por isso mesmo. Dessa forma, coloca-se uma pedra em cima e vamos em busca de outro assunto para desgastar o governo.

        O que realmente foi espantoso foi a reação de alguns colegas, da ativa e aposentados. Posso estar enganado, mas aparentava que estavam torcendo contra a Previ, de quem são beneficiários, dando um tiro no próprio pé. Segundo parte deles, “a atual administração iria afundar a Previ”; “Já vi esse filme antes”, etc. Realmente, no passado, houve prejuízos em outros fundos de pensão e isso pode ter causado essa reação nessas pessoas. Na Previ foi diferente, essas pessoas receberam BET, igual aos demais colegas. Tento ter empatia, mas... Entretanto, ao que tudo indica, pelos números e fatos elencados, essas pessoas estavam equivocadas. Ainda bem, para todos nós.

        Bem, mas vamos ao que interessa. A situação da Previ hoje e as perspectivas futuras. As previsões econômicas costumam não se cumprir ou mesmo macular a fama de oráculo dos analistas econômicos. Mas para 2026, há um consenso que haverá redução da taxa Selic.

        A carteira de renda fixa da Previ se beneficia em um cenário de queda de taxa de juros. Basta a perspectiva de baixa de juros futuros para que o valor de mercado dos títulos públicos ( NTN-B) se eleve substancialmente. O efeito de uma redução na taxa Selic da ordem 2 ou 3% numa carteira de títulos públicos no valor de R$ 166 bilhões é muito positivo no resultado do fundo. Se nos próximos anos as taxas de juros retornarem para patamares civilizados, o efeito no balanço da Previ será fantástico.

        A renda variável vem tendo um resultado consistente, com a alta das ações da Vale, Neoenergia, Itaú e Vibra. Somente essas quatro empresas elevaram o patrimônio da Previ em aproximadamente 10 bilhões de reais, em 2025, sem contar os dividendos.

        Seria ingenuidade, muita ingenuidade, supor que ao longo de sua história a Previ não foi alvo de fraudes e tentativas de ingerência, propostas de corrupção ativa e ofertas de investimentos que, invariavelmente, teriam como consequência prejuízos para seus aposentados. A quantidade de recursos financeiros do fundo de pensão sempre atraiu os olhos dos governantes de plantão. O que fez a diferença em relação a outros fundos de pensão, que tiveram seus fundos dilapidados, foi nossa governança, nossa politica de investimentos e a autogestão. São os próprios beneficiários, que dependem da Previ pra sobreviver, que cuidam do seu patrimônio. Enfim, somos milhares de beneficiários, instruídos e conscientes. Nós que temos de cuidar do que é nosso. Cada noticia que envolva a Previ precisa ser analisada e ter sua fonte verificada. O site da Previ deveria ser visitado com mais frequência e ter seus números fiscalizados por nós. É de nosso interesse. O preço a pagar pela solidez da Previ, que nos garantirá uma aposentadoria digna, é a eterna vigilância.

        E para um futuro mais distante, o que podemos esperar? As incertezas econômicas são muitas. Todo investimento tem um grau de risco, maior ou menor, mas sempre tem. Mesmo os investimentos mais seguros, em títulos públicos, estão sujeitos ao risco país e a um risco de moratória da dívida pública. A médio prazo, isso seria pouco provável, mas, econômica e estatisticamente falando, não seria impossível. Por outro lado, a curto prazo, com certo grau de otimismo, podemos ter esperança de dias melhores. Pode ser difícil, mas não custa nada sonhar: O Superávit deste ano (2025) está garantido e, em um cenário de queda de juros em 2026 e 2027 (possível), com crescimento da Bolsa (imprevisível), há uma possibilidade de recebermos novamente o Benefício Especial Temporário. Esse filme já vi. E gostei.

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

O fofoqueiro

      


         Quando comecei a ler o livro Os Espiões, de Luís Fernando Veríssimo, uma impressão foi tomando conta, páginas e páginas, muitos capítulos, aquelas conversas dos personagens irradiando pedaços de suas próprias impressões e a minha, isto aqui está com jeito de fofoca.

        Aí o passeio pelas páginas escapou para algumas lembranças, como a do fofoqueiro clássico, o malidicente, daquele ainda mais classudo, o que fica levando e trazendo conversas só para ver o "mel" correr solto. Desses eu fugia dos encontros, vai para lá boca fedorenta.

        Mas há o fofoqueiro, aquela meia boca, que só insinua, sabe de alguma coisa que pode desagradar e chega como conselheiro: Olhe, se eu fosse você, fica de olho! De olho em quê? Até imagina que há um interesse, fique só de olho  e solta uma meia verdade e nunca diz nada inteiro, o desejo é ser importante e assim, vai manipulando algumas pessoas.

        Eu gosto mesmo, a quem chamo de fofoqueiro, aquele que chega, quando não tem assunto, inventa um só para nos fazer rir. É o fofoqueiro das invenções, um criador de literatura oral das mais originais. Acho que essa história eu já falei por aqui. Adolescente, chegou um dos fregueses de papai e começou a conversa na farmácia, naquelas horas em que a freguesia não chegava. Conversa animada, cheia e "is", ilustrando cada passagem e arrematou: Você conhece a história de Zé Mole? Conhecia Zé Mole, um ancião que era freguês de papai. Aí contou como ele ganhou o apelido.

        Certa vez, Zé Mole, que era "inspetor de quarteirão" chegou perto de  um valentão que tumultuava uma festa e deu voz de prisão: "Teje preso", o valentão sabecou um murro em Zé e o derrubou no chão, na versão daquele fofoqueiro, do chão mesmo Zé gritou: "Teje solto" e aí Zé virou Zé Mole. O pior é que eu, aos 17 anos, mangando do idoso, falei: Teje preso, teje solto. Resumo: nunca mais ele foi comprar seus remédios na fármacia de papai.

        Aí ontem foi a minha vez, o do fofoqueiro intrometido, do pitaqueiro que entende ou não do traçado. Estou ali, lavando as mãos para ir ao encontro da turma da AABB de Recife, que participa dos jogos dos aposentados em Natal, nisso chegam dois atletas de futebol da AABB Natal. Um deles falou assim para o outro, não sei se eu bebo, se eu beber e tomar um gol eles vão reclamar e aí eu disse de supetão: Homem, vá beber, por que se tomar gol, eles vão reclamar do mesmo jeito. Ainda hoje pela manhã escuto uma das maiores risadas espontâneas que ouvi na vida, o goleiro se desmachou em um riso logo e contente. Parece que aquele pitaco lhe abriu uma gigantesca lembrança saborosa que o fez gargalhar.

        Mas não é mesmo, peladeiro adora reclamar, adora alfinetar uma jogada ruim, adora se sentir o "Pelé" e arrochar no que ele ver de medíocre  no outro e muitos deles, esquecem de se divertir. Nessa horas não digo nada, mas a vontade é dizer: Homem vá se divertir, ora bolas!

        Homem vá beber, por que se tomar gol, eles vão reclamar do mesmo jeito.

        Olhe, não sou fofoqueiro, mas adora ouvir uma conversa mole.

           

        Abração, Marconi Urquiza.

        

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Acordei ouvindo Chuva de honestidade

 



            Depois de semanas sem uma ideia que considerava boa para escrever uma crônica, essa canção me acordou para essa questão:

           — Quando ser honesto?

           — Como ser honesto?

           — Por que ser honesto?

            Respostas variadas, respostas diversas para todos nós, pode ser que haja pessoa que diga não para as três indagações, pode ser que haja seletividade, sim um, duas, não para outra; sim para todas. Não é uma questão filosófica, creio que seja mais de crença, de valores, que seja de cultura. Se se vive em ambiente corruptor, a chance para ser desonesto é enorme. Tal qual se viva em um ambiente violento, para ser violento, para muitos, é um passo.

            Com um simplismo dos nossos tempos, ao se acreditar que a própria ação contra valores da sociedade, contra valores legais, da convivência é bom, é "honesto" para si, não ser honesto não vai tocar a alma de uma pessoa  para agir diferente.

            Quanto aos valores. Valores é um negócio complicado, mais difícil de uma interpretação que a crença, os valores são mutantes, cada época tem os seus valores, cada grupo social também, igualmente mutantes, os que influenciam outras pessoas conseguem, de certo modo, transfundir os seus valores para outras pessoas, se forem bons, maravilha. E se não forem? 

            Aí a canção Chuva de honestida (Flávio Leandro) me levou a uma história antiga, desde a infância. Costumava ouvir de papai essa expressão: honestidade de princípio. Passei anos procurando um interpretação possível, mas hoje achei, não a resposta, mas a compreensão que ele queria dizer, e estava no seu comportamento, respeitoso com as pessoas e com as cincunstâncias 

            Da história antiga venho para o presente. Agora, ontem, hoje pode ocorrer, ocorreu nesta semana e em semanas anteriores. Um dos nossos funcionários chega à casa de uma cliente, de um cliente, e em algum momento é "convidado" a lavar algum estofado sem ter contratado o serviço.

            É uma crença comum que a corrupção só ocorra na busca pelo dinheiro público, pelo poder, pelos dois, pela riqueza fácil. Mas as empresas não dizem quanto perdem com este fenômeno cultural no Brasil, elas não divulgam, não querem obviamente publicidade, pois podem alertar para outra ações corporativas poucas "santas" contra seus clientes.

            A canção Chuva de honestidade é tocante, forte na sensibilização, imensa na mensagem, gigante em significado. Trazendo a frase de Thomas Jefferson, em que "o preço da liberdade é a eterna vigilância" do povo, dos líderes. Para isto, é todo dia, todo dia. Para a honestidade é a mesma coisa, uma das dificuldades é que vamos naturalizando a desonestidade, ela é corriqueira, muito, mas não deve ser aceita, deve se reclamar, documentar e provar que houve a desonestidade, e sobretudo informar. Com provas, não dar para derrubar com papo e com pressão.

Mas tem mão boba enganando a gente

Secando o verde da irrigaçãoNão, eu não quero enchentes de caridadeSó quero chuva de honestidadeMolhando as terras do meu sertão
            
            Tem um livrinho, que li já faz um bom tempo, O efeito lúcifer - como boas pessoas fazem coisas más, nele o autor fala do "canto do sistema", que ele vai se insinuando e sem perceber se pratica coisas más. 

            Em outro livro, que não consegui ler completamente, pois o assunto, de tanto ler a respeito havia esgotado "meu estômago para coisas ruins", mas vale a pena ser citado: Crer e destruir - os intelectuais na máquina de guerra da SS nazista. 

            São livros que alertam, para nos manter ligados para os cantos da sereia para agir mal

            De toda forma, é uma assunto difícil, que cabe discussão, divergência e reflexão.

            No link, está a canção para quem desejar ouvir.

            Por hoje é só, abração!
            Marconi Urquiza




sexta-feira, 24 de outubro de 2025

Uma mistura de emoções



        Amigas, amigos, 

            lá no comecinho da Bienal do Livro de Pernambuco deste ano eu fui bater um papo com mais dois escritores sobre o livro O último café do Coronel e os seus livros, naquela tarde de 03 de outubro estava cheio de expectativa, menos de público, já havia visto alguns eventos assim, em que apenas estavam os escritores, o pessoal do som e as apresentadoras da Bienal.  De resto, mais ninguém.  De repente, várias amigos chegaram e eu fiquei feliz. Mas muito inquieto. Começaram as perguntas, as primeiras respondi um tanto toscamente, depois fui ficando mais seguro e mais acostumado com o timbre de voz do mediador, que era baixo. Além de tudo, havia uma poluição sonora que nos impedia de ouvir claramente.

        Depois  que acabou, fiquei mais um tempo na Bienal, andei um pouco, o tempo passou, e em parte comecei a rememorar alguns contextos do ínício do projeto, em que fui a várias pessoas para conversar a respeito do evento que vitimou papai e elas não quiseram, ou não puderam, se esquivaram. Havia passado tanto tempo, e relembrar àquelas dores não era desejado.

        Os dias foram passando e eu, como que encostei o livro em um canto de alguma estante, como se as lembranças mais dolorosas dos eventos provocassem em mim dor, desconforto, e um incômodo que a alma não queira enfrentar. Penso que de certo modo, até ontem, quis fugir da história que eu próprio escrevi.

        Mas de 10 dias para cá a emoção saiu do passado e caiu no presente, nosso cão, o Freud, de 7 anos e meio, anda bem doente. Até julho ele tinha uma ótima saúde. No final daquele mês foi feita nele uma limpeza de tártaro com sedação, a partir daí, como marco temporal, ele apareceu com uma anemia profunda, acelerada, cavalar, beirando à morte.

        Começamos a correr atrás de veterinários, mas um diagnóstico preciso, capaz de ensejar um tratamento correto, ainda não foi feito. Sabe, nós nos afeiçamos ao pequeno animal, ao mesmo tempo que o sentimento de uma perda,  que pode ser próxima, foi crescendo em mim uma desconfiança que viramos uma "mina de ouro", que a cura não é pretendida, afora por nós. Às vezes isto beira a descrença que a doença de Freud não tem cura, mas juntando pedaços de reflexões, que o diagnóstico mais adequado e mais rápido não está sendo feito por uma incapacidade moral ou técnica,  quem sabe?

        Por fim, nesta segunda-feira, percebi no semblante dos funcionários da clínica que havia algo errado, o que só aumentou a desconfiança, aí, na quarta-feira nos avisaram que a amostra de sangue para um exame complexo coagulou, era preciso tirar mais sangue, de quem está muito anêmico? É quase uma irreponsabilidade.

        Em tempo, Freud tomou uma tranfusão de sangue na quinta-feira passada, não melhorou quase nada,  e hoje, também quinta-feira, a sua palidez só aumentou.  Nisso tudo, só uma boa notícia, ele voltou a se alimentar quase normal.

        Mas sabe aquele sentimento que em algum momento fomos ludibriado. Oxalá seja só a frustração de um tutor que não vê o quadro com otimismo.

        Não tem como se desapegar de Freud, temos que ir administrando os sentimentos que ele, a qualquer momento falecerá, se a cura não for encontrada.

        

        Bem, por hora é só.

        

        Abração, Marconi.


        


        

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Miniditadura

 

        É assunto para um ensaio, vai uma crônica. Aos 5 anos, a ditatura de 1964 começou, zero de noção, lembro vagamente que estava na frente da casa do coronel José Abílio em Bom Conselho, brincando na calçada da Igreja Matriz quando aviões sobrevoaram a sua residência, e ele, já idoso, vestido com paleto preto, sentando em cadeira na varanda de sua casa também observou estes sobrevoos. Ele não tinha poder formal, mas era uma liderança política histórica na região. Mas os novos poderes estavam dando o aviso: temos armas. 

        Na eleição de 1964 venceu um candidato da Arena, na 1968, também, na 1972, mais um, na 1976, outro da Arena, na 1982, já era o PDS, partido dos militares que comandavam o Brasil, venceu também. "Estava tudo em casa em Bom Conselho". 

        O mais próximo da ação da ditatura que tivemos em nossa casa foi quando papai, vice-prefeito de Bom Conselho, em 1969 foi intimado para a ir ao Quartel do Exército em Garanhuns. Vários de Bom Conselho foram acusados de atividades subversivas. Felizmente foi comprovado que ele cuidadava dos seus negócios de comerciante.

        Mas tal ocorrência fez papai sempre nos alertar para os perigos de certos comentários e de assumir abertamente simpatia pela oposição à ditadura. 

        Ao chegar na universidade em 1979 estava cheio de avisos e não gostava de me envolver com a parte mais política dos estudantes. Sobre a ditatura naquela época, o mais próximo que tive foi o relato de outro sobre uma manifestação de um ano antes, talvez dois, na rua do Hospício. O caso ocorreu em Recife, ele narrou que a cavalaria entrou fechando a rua vindo da Avenida Conde da Boa Vista e outro grupo de políciais à cavalo vindo do rua Riachuelo. Não haveria saída. Como resposta os estudantes jogaram milhares de bola de gude no asfalto para que os cavalos escorregassem e caíssem. Na sua narrativa, ele disse que, com muitos outros colegas escapou pela Loja Americanas antes que a porta de ferro fosse fechada. 

        Depois de ouvir isto, o cuidado aumentou e tratei de conversar pouco e ter muita atenção no campus na Universidade Federal Rural de Pernambuco.

        Chegou 1982, início da jornada no Banco do Brasil, janeiro daquele ano começaram as primeiras noções de hierarquia, de competição entre as pessoas, colaboração interesseira, e das regras externalizadas e escritas e das regras não escritas. Sobre a cultura organizacional, a compreensão veio muitos anos depois. A hierarquia era rígida, pouco se falava em liderança. 

        A primeira experiência de liderança dessa época foi com Paulão, presidente de AABB de Afogados da Ingazeira. O que tornou a AABB um clube grande, com recursos para os associados. As pessoas estavam ajudando, ele conseguiu agregar muita gente com o propósito de construir à AABB. Dentro das agências, em todas do Banco do Brasil, o processo era quase militar tem termos de hierarquia.

        Vou dar um pinote no tempo, 1993, na Avaliação de Desempenho para os gestores a Liderança já era uma exigência institucional.  Foi uma ação, um conceito, uma nova atitude e principalmente, um aprendizado contínuo. Liderança, imagino, implica em atitude de busca mais consensual, quanto for possível, sem abandonar a hierarquia. Uma tal mistura que é de difícil aplicação no dia a dia, se aproxima de uma estado de arte.

        Mais outro saldo no tempo. Entre 2010 e 2015 veio uma experiência que pessoas que não leram os relatos sobre a ditadura e por isso não conseguiram imaginar os seus efeitos.  Em 2023 o "piquenique" foi feito na beira do abismo. Por muito pouco o Brasil não caiu no poço fundo e de águas poluídas de uma ditadura. A quem concorde, a quem discorde. É fundamental respeitar os pontos de vista.

        Em 2010 recebemos um novo gerente, daquelas pessoas de uma habilidade fenomenal de conduzir as pessoas, quase como se todos fossem um rebanho. É possível que essa pessoa pudesse se apresentar assim: Como é o seu nome? Ah! Meu nome é Liderança.

        De 2013 a 2014, apenas um ano, foi a vez do que chamo miniditadura. A pessoa usou todos os conceitos como destruir o que uma equipe construiu. Até chegar havia um sentimento de pertencimento e de colaboração enorme entre os funcionários da agência, depois abriu as portas da divisão, e tudo foi mudando, sendo destruído, as pessoas não se reconheciam mais naquelas medidas. A arbitrariedade era a medida para todas as coisas, o adoecimento das pessoas virou regra, o afastamento por causa do comprometimento da saúde se tornou comum. 

        Passados 11 anos do final daquele ano "sabático", trazendo como pano de fundo o julgamento que se desenrolou no STF, as lembranças começaram a querer sair. Violência física, não houve. Violência psicológica, muita. Experimentação psicológica, por exemplo, uma pessoa sozinha atender no dia mais de 50 clientes,  até tal pessoa se esgotar, sem mudar nada, mesmo com o adoecimento dela, com o esgotamento físico e mental severo. Sem querer ser duro, uma experimentação maldosa. 

        Ali naquele microcosmo, fiz essa projeção como viver em uma ditadura. Os humores do ditador atropela as regras, a hierarquia protege o executor de suas ordens maldosas, o sistema se protege, se apropria da vida dos atingidos. Quem se manifesta precisa ser tosado. Quem se rebelar já era. O silêncio é quase uma omertá mafiosa. Aí de quem reclamar, ganha uma alvo na testa.

        Não tem vida fácil na ditadura, seja ela gigante, seja mini.

        Enfim, era o que tinha a dizer da experiência minúscula em uma ditadura.

        

        Abração, Marconi Urquiza.

        

sexta-feira, 19 de setembro de 2025

Torcer até não restar mais água.

 

É para um bate papo com mais dois escritores. Estão todos convidados.

        Amigas, amigos, daqui a pouco vou apresentar um texto, poucas frases, que até chegar a este ponto levou meses, meses, coisa de quatro meses. Parafreasando Graciliano Ramos, torcer até não pingar uma palavra em excesso, como uma gota de água de uma roupa.

        Em certo momento adotei o estilo de Graciliano Ramos. Frases curtas, cortantes, diretas tanto quando fosse possível, sem enfeites. Foi um modo de escrever que assumi nos primórdios lá em 1984 de uma tentativa de ser um redator das missivas da agência do Banco do Brasil de Afogados da Ingazeira, dos pequenos memorandos que deveriam ser enxutos, comunicar uma ação e  pouco explicar. 

        Outro estilo que assumi e nem me dei conta, foi o de Gabriel Garcia Márquez, mais na forma de criar cenas, personagens e cenários da literatura mágica, das invenções fantásticas. 

        Nisso terminei o livro O último café do Coronel, era hora de pensar no texto da orelha e da contracapa ou quarta capa. Comecei a escrever e fui experimentando, gastando mais e mais palavras, errolando a cabeça de tanto pensar. Teve um dia que angústia tomou conta, como é que reduzo em 5 linhas um texto com 252 páginas. 

        O conhecimento do curso Textos que vendem: da orelha ao metadados era apenas uma lembrança, o que me ajudaria neste esforço. Ser autodidata é assim, o cara se cria, se empaturra de instruções, inventa muito, se atrapalha muito, e muitas vezes se perde quando encontra uma daquelas encruzilhadas de uma região rural, cheio de caminhos e nenhuma placa apontando o destino certo.

        Estava em tal momento, era o momento de ter tais textos para a montagem final da capa. Em algum momento quanto o livro estava quase pronto para ir ao baile de deputantes ainda convidando alguns escritores que me concederam à sua autoridade profissional escrevendo a quarta capa. Não consegui e entrou a vibe desta frase: "Só tem tu, vai tu mesmo". Pronto, fui por aí.

        Escrevi um texto, pedi opinião, ajustei. Escrevi mais um pouco, ajustei, e fui pedindo opinião. Uma hora tem que se parar. Foi quando lembrei da frase da professora daquele curso aí de cima. A orelha e sobretudo a quarta capa é um texto para atrair o leitor. Para chamar a atenção do leitor e despertar nele o desejo de saber os pormenores da longa história do livro. É uma peça publicitária. Como orientou Antônio Lavareda, é um texto que deve provocar expectativa, despertar curiosidade e atrair o leitor para o livro ou para o produto. Do livro Propaganda de A a Z.

        Quando achei que havia terminado, Philip me avisou, pai está sobrando um "que", tirei. Chegou a hora, aí está a quarta capa de O último café do Coronel:

Heliópolis, Pernambuco, 1982.

Um comerciante, candidato a prefeito de Grutas, é assassinado no final da campanha política, a cinco dias da eleição.

Naquele início de novembro um encontro se deu em Recife.

Mas o que foi que ocorreu nesse encontro que provocou a ordem de execução?

O ápice  dessa trama, em que Marconi Urquiza mistura o real e a ficção, acontece na antiga casa do coronel Jacó, onde o jovem Mateus se encontra com ele ao acaso.

O último café do Coronel não é apenas um relato tirado da história, mas uma narrativa com o olhar no presente. Suas disputas e traições, rancores e mágoas, seus antagonismos extremos e seus eventos esquecidos mostram as consequências, lá no passado, como no presente, de uma sociedade marcada por intrigas e disputas.

Convido-os a conhecerem este livro.

Para quem estiver em Recife, nesta segunda-feira confirmo a data de lançamento, para aqueles que estão distantes, vá link para ter o seu exemplar.

Após a leitura, deixe a sua opinião, ela é importante.

E-book:

Na amazon

Livro físico:

Na Amazon 

 

Por hora é só. Abração, Marconi Urquiza.

Heliópolis, Pernambuco, 1982.

Um comerciante, candidato a prefeito de Grutas, é assassinado no final da campanha política, a cinco dias da eleição.

Naquele início de novembro um encontro se deu em Recife.

Mas o que ocorreu nesse encontro que provocou a ordem de execução?

O ápice dessa trama, em que Marconi Urquiza mistura o real e a ficção, acontece na antiga casa do coronel Jacó, onde o jovem Mateus se encontra com ele ao acaso.

O último café do Coronel não é apenas um relato tirado da história, mas uma narrativa com o olhar no presente. Suas disputas e traições, rancores e mágoas, seus antagonismos extremos e seus eventos esquecidos mostram as consequências, lá no passado, como no presente, de uma sociedade marcada por intrigas e disputas.

Heliópolis, Pernambuco, 1982.

Um comerciante, candidato a prefeito de Grutas, é assassinado no final da campanha política, a cinco dias da eleição.

Naquele início de novembro um encontro se deu em Recife.

Mas o que ocorreu nesse encontro que provocou a ordem de execução?

O ápice dessa trama, em que Marconi Urquiza mistura o real e a ficção, acontece na antiga casa do coronel Jacó, onde o jovem Mateus se encontra com ele ao acaso.

O último café do Coronel não é apenas um relato tirado da história, mas uma narrativa com o olhar no presente. Suas disputas e traições, rancores e mágoas, seus antagonismos extremos e seus eventos esquecidos mostram as consequências, lá no passado, como no presente, de uma sociedade marcada por intrigas e disputas.

“Parabéns pela obra. Tem uma pitada de Gabriel Garcia Marquez.”

Djalma Xavier

            Heliópolis, Pernambuco, 1982.

Um comerciante, candidato a prefeito de Grutas, é assassinado no final da campanha política, a cinco dias da eleição.

Naquele início de novembro um encontro se deu em Recife.

Mas o que ocorreu nesse encontro que provocou a ordem de execução?

O ápice dessa trama, em que Marconi Urquiza mistura o real e a ficção, acontece na antiga casa do coronel Jacó, onde o jovem Mateus se encontra com ele ao acaso.

O último café do Coronel não é apenas um relato tirado da história, mas uma narrativa com o olhar no presente. Suas disputas e traições, rancores e mágoas, seus antagonismos extremos e seus eventos esquecidos mostram as consequências, lá no passado, como no presente, de uma sociedade marcada por intrigas e disputas.

“Parabéns pela obra. Tem uma pitada de Gabriel Garcia Marquez.”

Djalma Xavier

            

        

            

sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Cuia - o bom humor de Luís Fernando Veríssimo.

 


Cuia

Lindaura, a recepcionista do analista de Bagé ― segundo ele, “mais prestimosa que mãe de noiva” ―, tem sempre uma chaleira com água quente pronta para o mate. O analista gosta de oferecer chimarrão a seus pacientes e, como ele diz, “charlar passando a cuia, que loucura não tem micróbio”. Um dia entrou um paciente novo no consultório.

― Buenas, tchê ― saudou o analista. ― Se abanque no más.
O moço deitou no divã coberto com um pelego e o analista foi logo lhe alcançando a cuia com erva nova. O moço observou:
― Cuia mais linda.
― Cosa mui especial. Me deu meu primeiro paciente. O coronel Macedônio, lá pras banda de Lavras.
― A troco de quê? ― quis saber o moço, chupando a bomba.
― Pues tava variando, pensando que era metade homem e metade cavalo. Curei o animal.
― Oigalê.
― Ele até que não se importava, pues poupava montaria. A família é que encrencou com a bosta dentro de casa.
― A la putcha.
O moço deu outra chupada, depois examinou a cuia com mais cuidado.
― Curtida barbaridade. ― Também. Mais usada que pronome oblíquo em conversa de professor.
― Oigatê.
E a todas estas o moço não devolvia a cuia. O analista perguntou:
― Mas o que é que lhe traz aqui, índio velho?
― É esta mania que eu tenho, doutor.
― Pos desembuche.
― Gosto de roubar as coisas.
― Sim.
Era cleptomania. O paciente continuou a falar, mas o analista não ouvia mais.
Estava de olho na sua cuia.
― Passa ― disse o analista.
― Não passa, doutor. Tenho esta mania desde piá.
― Passa a cuia.
― O senhor pode me curar, doutor?
― Primeiro devolve a cuia.

O moço devolveu. Daí para diante, só o analista tomou chimarrão. E cada vez que o paciente estendia o braço para receber a cuia de volta, ganhava um tapa na mão.


        Hoje não imaginei nada, minha mente branqueou e a dor na lombar, renitente, teimosa como sempre, visto que não me larga a uns quinze anos, incomoda a uma semana. 

        Ela vai e volta e diz:

    — Usa aquele spray antigo, aquele lá verde.

    — Qual? 

    — Aquele lá, que começa com B. 

    — Mas que chata! 

    — Olha lá debaixo da pia do banheiro, tá lá, eu vi ontem. 

    Levantei e fui, não vi. 

    — Ei, não vi o spray verde! —  eu disse à dor teimosa.

    — Tá lá, vem que eu vou te mostrar, e fomos. 

    — Tá ali embaixo, por trás desse monte de embalagens — foi assim que a dor teimosa me mostrou o spray de Bengué. Bálsamo Bengué.


        Por hora, é só.

        Abração, Marconi Urquiza.


Observação:

        Cuia, faz parte do livro O analista de Bagé (1981), em que o escritor apresenta como protagonista um psicanalista gaúcho que não leva jeito para cuidar da saúde mental das pessoas.

sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Um certo dia

        Me inspirei na canção de Roberto Carlos, O Homem, para dar o título desta crônica. Ela começa assim: Um certo dia um homem esteve aqui... Tinha o olhar mais belo que já existiu...

        Um certo dia eu achei que o final da vida de papai, os seus últimos meses de vida precisava ser contado, era um projeto de uma escrita, não saberia o que iria encontrar, já haviam se passado 25 anos desde a sua morte.

        Comecei a conversar com as pessoas, um pouquinho aqui, outro acolá, a cada conversa muitas outras anteriores foram saindo do anonimato do meu esquecimento para uma recordação ativa. Como no dia em que recebi a sua arma salpicada de sangue e o pacote que ele trazia de Recife para finalizar a campanha política em 1982 e do papo que tive com uma das filhas do seu Herbelino Morais, sobre ter poderes especiais de fulminar os assassinos com um "raio cósmico". Os 1.000% da frustração. 

        Um certo dia sentei à mesa da sala  de casa com o rascunho ilegível do que seria o livro O último café do Coronel. Havia dezenas de páginas escritas à mão com lapiseira.  Um terço, talvez um terço foi possível ler e digitar posteriormente, o resto está apagado. Era o rascunho iniciado em 2007.

        Naquele dia de junho de 2021 comecei a escrever às 4 horas da manhã e ia até às 7 horas. Tomava café e ia esperar a freguesia da Safe Clean João Pessoa entrar em contato. Após às 18.00h recomeçava a escrever e ia, quase sempre, até às 22h.

        Todos os dias, de domingo a domingo foi essa rotina. Foram 30 dias de pau a pavio. Após 30 dias eu tinha em mãos o primeiro rascunho do livro. O que acho excepcional, é que após muitos anos de pesquisa, reflexão, ideação, ao iniciar a escrita ocorreu como se eu estivesse ouvindo um ditado da professora chamada memória.

        Peguei este primeiro original e fiz uma revisão com ajuda do aplicativo Clarice Ai, depois enviei a uma professora de literatura da UFRJ para a leitura crítica. Entre as várias observações, veio que os diálogos eram ruins. Encostei o livro por alguns meses meses e só então voltei a ler e ajustar os diálogos e outros pontos. 

        Com este original criticado e revisado passei para alguns amigos lerem. Um dos feedbacks foi peremptório. Não era um livro de ficção, não tinha emoção. Parecia mais um relatório, seco.  Desta vez, diante das observações importante deixei o livro guardado por mais de seis meses, até que eu visse as observações sem a emoção que as críticas suscitam. Foi como curar o cimento fresco antes de prosseguir com a construção.

        Depois desses mais de seis meses comecei a ler de novo o livro. Pense em algo espinhoso, a revisão de um romance. É lento, é chato, é fundamental, é cansativo, exige perseverança. E fui lendo, e fui fazendo as conexões entre as frases, entre os capítulos, entre as partes, entre os personagens, entre eles e eu. Senti que eu precisava entrar no livro e olhar as coisas pela perpectiva dos personagens. E fui devagarinho, frase a frase, trazendo as emoções que os persosagens poderiam sentir. Muitas vezes eu estava dentro daquele filme que corria na minha cabeça e chegava perto demais, sentia medo e me afastava, depois voltava devagarinho, até a uma distância segura para garantir a emoção dos personagens e minha saúde mental. Era preciso ter verossimilhança e cada personagem se parecesse com gente de verdade, sem serem estereotipados.

        Isto foi lento, repetidas vezes parava e ficava imaginando o que tal personagem deveria sentir diante da cena que vivia no romance e ao achar este ponto, escrevia ou apagava uma frase de "relatório", seca e objetiva, sem a subjetividade que uma pessoa tem. Foi como usar a moenda para fazer o fuba fininho, repete-se a operação muitas vezes.

        A trama foi avançado, a violência crescendo, inspirado em vários episódios violentos ao longo de vários anos distintos que ocorreram na Grutas real. A ironia, o medo, o susto, a raiva, a frustração, a prostração, o silêncio, o ódio. O ódio, o ódio que veio do passado, foi para o presente e caminhou para o futuro. Quando compreendi essa questão do ódio, foi como se eu tivesse descoberto uma questão sociológica, de um comportamento brutal, de uma cultura em que matar lava a alma e era uma questão de valor social. Por incrível que parece, a sociedade antiga admitia isso como valor de hombridade. 

        Chegou a vez do personagem Mário, inspirado em papai, trazer as emoções desse personagem foi a coisa mais próxima do desastre que pude chegar, talvez as emoções mais fortes do livro. Li quando escrevia e só fui ler 4 anos depois de escrita. Senti o mesmo murro que me tirou o ar quando tentei em 2021 para revisar esse trecho.

        Recebi várias sugestões que fui incorporando ao livro, em certo sentido, é uma obra coletiva. Em alguns pontos do livro tenho a sensação é que foi uma intuição, talvez um ditado. Três partes foram escritas de tal forma que quase não precisou de uma revisão, em duas dessas havia chegado de João Pessoa, de repente chegou forte uma ideia, juntei várias folhas de A4, duas canetas e escrevi na mesa da cozinha,  torcendo para não ser interrompido. Escrevi de um impulso só, até a ideia se esgotar, ao final, nas duas oportunidades, tinha metade de um capítulo e outro inteirinho.

        A última observação de melhoria do livro foi sobre o personagem Jaime Guerra. Mais de 15 dias pensando e nenhuma ideia me ocorria, de repente a ideia chegou inteirinha, mais uma vez corri para a cozinha, desta vez em domingo cedo e comecei a escrever, um pouco mais de uma hora eu tinha escrito o destino desse personagem. Posso dizer que nele tem cheiro, cor, sabor e dor. 

        Ao longo do livro, as coisas subjetivas foram entrando através de muitas intuições, arrisco a dizer que pessoas que não vi me ajudaram a escrever partes cruciais para que ter concluído o romance.

        Minha esposa, fez a primeira leitura logo no início, está novamente o lendo, cada capítulo que ela lê abro no início, no último domingo abri o capítulo 13 e li: No silêncio de cada noite sem comício e sem carro de som, aquela eleição foi ganhando contorno de jogos de azar.

        É uma síntese, o corolário de um contexto em que a disputa expulsa o bom senso e os limites da sensatez são extrapolados para um ódio crescente.

        Como está frase há várias outras, por exemplo: Fora uma escolha sem volta e uma amizade que terminou, pegando a estrada do ódio. No certo dia em que escrevi esta frase o sentimento foi de pesar. Foi como eu saisse da ficção e entrasse nos fatos reais que me inspiraram. Agora mesmo viajei para o dia em que estava conversando com papai na frente da sua farmácia e ele confessou para mim que tinha se arrependido de ter votado em um candidato em uma convenção.  Achei aquilo estranho, papai ter me dito este sentimento, ele que pouco conversava conosco.

        Quando li:"No silênio de cada noite sem comício e sem carro de som, aquela eleição foi ganhando contorno de jogos de azar" eu senti pesar, quase uma tristeza. O que mais queria lá 1999 era escrever uma história, desde então havia escrito três romances, O último café do Coronel foi o quarto. Ali, no sofá, com livro nas mãos, fiquei pensando a respeito do esforço, da soma da técnica com pesquisa, com a escrita bruta e a refinada, que é o que fica no livro, e com pesar pensei que outro romance vai ser difícil, pois o momento em que vivo, os principais fatores orgânicos estão direcionados para a atividade de microempresário.

        Resta-me um tênue desejo de escrever mais um romance, que eu acerte a minha rotina e enche meu coração de desejo para eu concluir A quinta forma de matar.


        Bem por hora, é isto. 

        Abração, Marconi.

       


        

sexta-feira, 29 de agosto de 2025

Quase gol

Como se diz, há um monte quase gol.

Começo com um gol, lá por 1973, penso. O time do CSB contra o Vera Cruz, melhor de três jogos para comemorar a reinauguração do antigo campo do ABA.

Bom Conselho também tinha seus times das letrinhas.  CSB, Centro Sportivo Bomconselhense; ABA, Associação Bomconselhense de Atletismo (já extinto nessa época).

Inicia a inauguração com o prefeito e Pedro de Lara, ambos de paletós pretos. Bola no centro,  Pedro de Lara toca na bola. Lá de longe observo os seus sapatos brilhando ao sol, igualzinho aos sapatos de cromo alemão de papai. 

Olhando ao redor,  o campo sem alambrado e sem arquibancada estava lotado. Achei meu cantinho depois da linha do meio de campo, mais para a barra do lado do cemitério. 

Então o jogo se inicia, a poeira subia a cada pisada dos jogadores. Quando estavam todos próximos mal se via as chuteiras. 

Não lembro se foi o primeiro gol, imagino que sim. O time do CSB, de verde e branco, atacava forte e o time do Vera Cruz, com as camisas pretas e amarelas listradas na vertical,  também ansiava por seu gol.

O jogo era quente e jogado. O campo para visualizar é um pouco decaído na direção do cemitério. Também ficava na posição leste-oeste. Com o sol castigando os defensores e o goleiro do CSB no primeiro tempo.

O campo de terra estava lisinho e não estava muito duro.

Nisso o Vera Cruz sobe com quase todo o time, querendo morder o CSB, não lembro como a bola chegou em Elisênio, meia atacante, de passadas largas, sobrando fisicamente.  O maior craque no meio de muito craques que estavam em campo.

Daqui para frente vai a licença da minhas lembranças de 52 anos. 

Ele recebeu a bola, olhou para ao redor e os marcadores estavam distantes e mal posicionados. Deu uma arrancada,  com a bola pertinho do pé e foi chegando perto da grande área, a meia-lua estava a cinco passos. Nessa altura os dois zagueiros já tinha armado a falta. Na bola não chegariam. 

Acho que ele percebeu esse perigo, então... 

Até hoje tenho dúvida: se ele chutou e caiu ou ele chutou caindo. O fato é que a bola queimou a areia,  levantou poeira e foi beijar a rede. O campo estava reinaugurado. E ao redor de Elisênio levantou-se o véu de poeira para tornar plástico aquele momento.

Bem, já escrevi sobre este gol, mas quando eu penso nos gols que enfeitam os meus olhos,  recordo dele novamente. 

Voltando para o jogo, o CSB conseguiu fazer 3 X 0 no primeiro tempo. Nas outras partidas da melhor de três, se a memória não errou, foi 1 X 1 e 0 X 0.

A turma da época me ajude na correção. 

Os quase gol ficarão para outro dia.

Por hora é só.  Abração!
Marconi Urquiza.




O poder revela ou transforma uma pessoa?

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