quarta-feira, 28 de março de 2018

Tempos Sombrios

       

       A forma inteligente de manter as pessoas passivas e obedientes é limitar estritamente o espectro da opinião aceitável, mas permitir um debate intenso dentro daq... Frase de Noam Chomsky.

      A filósofa Hanna Arendt escreveu um livro cujo título remete ao quadro que veio se criando desde a segunda eleição de Lula. Este livro analisa a situação de pessoas célebres nas circunstâncias críticas que o envolviam em suas vidas perante eventos como o Totalitarismo.

     "Homens em tempos sombrios", pego emprestado Tempos Sombrios para refletir, minimamente, sobre os tempos de 2018 no Brasil.

      De início quero trazer uma pequena recordação de um professor que um dia disse que ao se trabalhar com inteligência (empresarial) se deve prestar atenção aos sinais fracos.  Só que agora não há mais sinais fracos do risco de ruptura institucional e social no Brasil. 
     
     Atirar ovos é prosaico, mas um sinal, atirar pedras, uma violência grave mas que passou sem a devida importância da sua gravidade, mas atirar com arma de fogo em uma caravana politica é uma circunstância tão crítica quanto o que ocorre no Rio de Janeiro.  É uma semente capaz de abrir a porta do inferno.

     Em 1982 meu pai era candidato a prefeito em Bom Conselho.  A campanha naquele ano já começou com ruptura entre amigos, correligionários de longa data. Em poucas semanas a cidade estava em pé-de-guerra.  Os sinais daquele tempo estão como o do presente.  Violência verbal que se transformou em violência de fato, capangas andando armados e provocando, cidadãos andando armados, na velha aura da "macheza" dos homens "valentes", massa de manobra para alguns "líderes". O resultado desses sinais, que o poder público não atuou a tempo e hora, implicou em duas mortes antes daquela eleição, entre elas a do meu pai e criou um bando que tomou conta da cidade e matou mais alguns após o fechamento das urnas.

     Nesta terça-feira os fatos atropelaram a retórica e o direcionamento de uma Televisão quando começava a divulgar, na última segunda, as ameaças que chegaram aos familiares do ministro do STF Edson Fachin. Na segunda-feira mesmo, esta TV, na primeira inserção da entrevista, já insinuava que a ameaça vinha dos simpatizantes de partido político.

      Na terça-feira, quem leva bala? 

    Um ônibus cheio de jornalistas que acompanhavam a caravana do PT no Paraná e os fatos mataram a estratégia de insinuar que as ameaças contra  Fachin tinha nome e sobrenome, os "radicais" inconformados com a Lava Jato. Matutando, senti o power soft, que persistiria dias a fio, até criar a percepção no público que era o desespero diante da iminente prisão do seu líder motivando  as ameaças, iniciando a manipulação da opinião pública às vésperas da eleição e apontando: Este grupo é o culpado pelas ameaças. 

   Pelo episódio da última terça-feira tudo indica que o radicalismo tenha feito muitos adeptos das várias correntes de crenças do "eu estou certo" e quem "pensa diferente, está errado". Situação amplamente observada nas redes sociais e aproveitada por quem pode manipular a opinião pública.

    As duas situações merecem uma apuração isenta e profissional, mas será que vai ocorrer ou teremos sempre informações filtradas?

   Parece que o caminho atual no Brasil leva ao ditado: dois bicudos não se beijam, se bicam.

     O Brasil está repleto de bicudos prontos para tirar o couro do outro.

 "Homens e mulheres em tempos sombrios".

Abraço,

terça-feira, 20 de março de 2018

Quando ganhar importa e perder não importa.

        Sabe, de imediato e até precipitado cunhei a frase: Quando ganhar importa e perder não Importa.

        De sábado para cá, fiquei com idas e vindas se escreveria uma crônica a respeito desta frase pois me pareceu até demais filosófica e que exigiria de mim uma profundidade que não sou capaz de abordar com simplicidade e conteúdo.  Eis um dilema, então desisti, fui atrás de outro tema e até achei: Cachorro de monturo. Que também é outra história.

     Aí a turma do Recife se encontra no CINFAABB, melhor do que destrinchar a sigla é dizer o que ela  significa: jogos dos aposentados do Banco do Brasil.

     Cada um vai por si e a estrutura a Federação das AABBs organiza.

     No universo imenso dos aposentados do Banco do Brasil 3.000 pessoas é uma ninharia, mas uma ninharia valiosa.

     Eu mesmo reencontrei colegas que há mais de 15 anos não via. Um pouco de conversa me lembrou maus e bons momentos.  Mas o prazer de estarmos juntos valeu a viagem.

     Sofri um engano terrível ao achar que a derrota não importava, sim importava.  Vi muitos rostos tristes saindo do campo com a derrota nas costas. A derrota importava, no entanto, era uma importância momentânea, celebrar a vida logo ganhava preponderância e a derrota ligeiro não passava de um registro estatístico.

     Esse registro apagado em questão de horas tem dado lugar para a celebração de reencontrar pessoas com as quais temos bons afetos.

    Agora, cada hora, em que a vida se esvai em menos tempo do que já vivemos, participar dos jogos dos aposentados contribui para sermos felizes e confraternizar a vida com os amigos.

     No ano que vem ou daqui a seis meses pode parecer rotina, mas rotina da boa.

     Até lá meus nobres amigos e amigas.

Abraço,

quarta-feira, 14 de março de 2018

Passando a borracha na vida

     
Se me esqueceres, só uma coisa, esquece-me bem devagarinho.... Frase de Mario Quintana.
     

       No último sábado fui cumprir a minha agenda comigo mesmo na AABB de Recife. Devolvi dois livros,  um dos quais uma Antologia de Vinicius de Morais, um daqueles  livros da lombada dourada. Nele li uma emocionada crônica de quando Antonio Maria faleceu em 1964. Aquele  pernambucano que compôs um dos frevos mais lindos que já ouvi, Frevo n.1.

      Nessa agenda, quase religiosa, inclui pegar emprestado mais livros, tomar alguns cafezinhos na biblioteca e consagrar a viagem ao paraíso tomando umas cervejinhas.

     Ainda na biblioteca fui na estante dos escritores de crônica, nesta escolhi três livros.  Houve um que folheei  e quase o devolvi à estante, mas me lembrei da verve gostosa do filho do autor que com frequência está com Geraldo Freire na Rádio Jornal. Pai, José Nivaldo; filho, José Nivaldo Júnior e o livro, Nordeste à flor da pele.

    Bem, fui no índice, li os títulos de algumas crônicas e fui,  sem muito interesse às orelhas da capa e só não deixei o livro lá por causa do autor do texto da orelha ser um cronista arretado, Sérgio Gondim, filho do Dr. José Nivaldo, outro médico com a sensibilidade de um observador do mundo.

      Na orelha, em certo trecho, ele fala da mãe na terceira pessoa, talvez para se afastar da emoção, disse que ela organizou carinhosamente a coletânea das crônicas publicadas pelo esposo ao longo dos anos no Jornal do Comércio do Recife e que compuseram o livro "Nordeste à flor da pele".

     Aqui entra minha parte na história.  Desejando aprender como compor personagens recebi um convite para conversar com Dr. José Nivaldo na sua casa, vizinha à agência do Banco do Brasil em Surubim. Bom de prosa, ele falou dos seus livros, dos prêmios literários e nada, nadinha de como compor um personagem. 

      Prosa vai, prosa vem, eu cheio de dedos por conversar com uma lenda viva quando de repente chega Dra. Neíse, ela olha para o esposo, como se a borracha da vida tivesse parado e ela tido uma janela para lembrar  de Dr. José Nivaldo.

     Tudo ali se transformou, o semblante alegre caiu para um expressão pétrea e ouvi: "ela tem Alzheimer". Esta frase vem se ombrear com a de Sérgio Gondim: "Organizá-lo em livro é uma homenagem à companheira.  Uma forma de manter a motivação e a alegria, sabendo que não pode mais compartilhar com ela", contemporânea da época em que estive com ele, 2004.

      Aí veio a lembrança que motivou  esta crônica:
      - Cida, ôh Cida! Cida, ôh Cida!
      - Mas Cida saiu agora. - Foi a resposta da cuidadora.
      - Não, estou chamando a Cida "menina".

   Assim, assim dona Judite vai agarrando a borracha, travando uma luta, o quanto pode, para manter as lembranças de mais de 84 anos de vida.
     
Abraço,

PS:
Frevo nº 1 na voz de Maria Betânia.
     

sexta-feira, 9 de março de 2018

Trombei de novo com a história e achei uma casa com alma

Não chegamos a conhecer as pessoas quando elas vêm a nossa casa; devemos ir a casa delas para ver como são.... Frase de Johann Goethe.

      Trombei de novo com a história.
     
    Quase todos os nossos interesses são direcionados, mas certos encontros são regidos pelo acaso e por causa disso trombei de novo com a história.

     O interesse pelos problemas causados pelo nazismo ocorreu pela curiosidade de querer saber com uma nação desenvolvida, já na época, fez o holocausto.  Li muito para compreender parte do seu espectro e parei de ler o assunto porque a leitura exige muito do Espírito, embora tenha ficado a chama da velha e boa curiosidade. 

    O trabalho de corretor tem me levado a entrar na casa de outras pessoas, desta vez entrei na casa da família judaica-alemã de nome Bleckenfeld e por causa desse encontro saiu esta pequena história. 

     A crônica em si não foi difícil, os sentimentos já haviam me dado o rumo da escrita, no entanto, eu tive a maior dificuldade para escolher o título. Ora  foi Casa Bleckenfeld, depois:  Não se pega, nem se vê e quase no penúltimo escrevi: Na casa Bleckenfeld, não se pega e nem se vê. 

     Passei uns dias e escrevi o penúltimo: Não se pega, nem se vê na casa Bleckenfeld, por fim, me lembrei do fato de que trombei de novo com a história e isto me inspirou a achar o título. 

     O caso foi o seguinte.
  
      Sabe quando a gente entra em algum lugar e sente arrepios, uma energia ruim. Fazia tempo que não sentia tal coisa.

    No sábado passado eu fui mostrar um apartamento para um casal interessado em compra-lo. Na ficha estava escrito, desocupado, de fato não mora mais ninguém nele.

    O prédio é amplo, porteiro simpático, a maioria dos moradores ainda são os primeiros habitantes, vista bonita para o rio Capibaribe. Eu poderia continuar descrevendo outras boas características, mas encontrei uma que não se vê e nem se pega.

    14 horas.

     Parece que quem vai olhar imóveis são sempre pontuais. Chegamos, para minha sorte o sobrinho da dona do apartamento fez toda a apresentação. Ele entrou em cena no começo da visita e logo estava conversando com os interessados.

     Saímos do elevador e eu me adiantei para abrir a porta entalhada, que não representou nada para mim, apenas achei que a dona do apartamento tinha  um gosto exótico. Mas logo ouvi a admiração de Dive e a pronta resposta do sobrinho, Pedro: ela foi entalhada por um artista renomado. Portanto, uma obra de arte, com dupla função. Foi uma cena viva, descreveu  um bem, com seus afetos e não um produto, com suas peculiaridades técnicas.

     Dive, artista plástico, começou a olhar para o apartamento, mas estava encantado com a porta, logo disse que desejaria a porta se fechar a compra, ao que Pedro disse que era preciso consultar a prima.  Claro que quem coloca uma obra de arte como uma porta precisa ter dinheiro, de gosto refinado e ainda mais de, sensibilidade.

    A porta a enlevar os visitantes, foi a primeira surpresa daquele lar.

    O apartamento está todo mobiliado, camas, mesas, cozinha, cortina, armários de marca, guarda-roupas de madeira nobre. Distinto de um imóvel vazio que estimula a imaginação de quem vai comprar, visitar um imóvel com mobília dá uma dimensão do aproveitamento do espaço existente. No estado em que o vi, tudo pareceu bem proporcional.

    Apartamento duplex, sobem Dive e Pedro e ao perceber as ausências deles, subo em seguida e paro no final da escada, senti uma atmosfera diferente, algo a mais me tocou, até paro alguns segundos tentando entender o que senti.

    Na parte de cima, livros. Há livros cuidadosamente organizados, edições originais de mais de cinquenta anos, outros mais recentes. Nesta hora me lembrei de um costume antigo que testemunhei em muitas casas, expor na estante da sala livros com a lombada dourada. 

     Andamos mais um pouco e os dois casais começaram a conversar sobre um conhecido em comum, primo do Pedro. Dive fala da sua trajetória, de sua vida profissional, publicitário e agora pintor, e o papo rola, eu saio e volto para os livros, folheio alguns, olho a lombada de vários, vejo até o livro Arquipélago Gulag deitado sobre outros.

     Esse costume, em desuso, é bem antigo mesmo, que casa hoje você entra na sala e vê livros?

     Isto me chamou a atenção, quais outros livros foram retirados? Quais obras amadas existiram ali?

     Não sei se por causa dos livros, se pelas imagens dos santos em um canto, se pela limpeza do imóvel, não sei a razão, só a nudez das camas revelava não haver ninguém naquele lar, mas mesmo assim e  não sei explicar: Aquela casa vazia tem alma e, alma boa.

   Abraço,

Em tempo: 

Entenda o porquê desse novo encontro ter este título lendo a crônica abaixo:





 

   


sexta-feira, 2 de março de 2018

Schwartz, Sandes, Zisman, Botshkis, Rabay Karam, Schulman

     
     No fundo de um buraco ou de um poço, acontece descobrir-se as estrelas.... Frase de Aristóteles.


      Desde de pequeno eu sou fascinado por história. A História do Brasil clássica ou a História mundial me atraía ao mesmo tempo que me entediava pela falta de calor, mas aquela história miúda, a saga das pessoas me deixava de boca aberta, ligado, escutando tudo.

     "Olha, ontem foi difícil chegar aqui de volta, a serra de São Pedro estava escorregando tanto que vi muitas vezes na beirada do barranco o bode lá embaixo comendo mato." Aí o nego enfeitava, mas na mentira era tudo verdade, meio aumentada.

      Meu pai tinha uma farmácia, ele, além dos inúmeros fregueses, era um homem com uma infinidade de amigos, muitos dos quais passava por lá quase todos os dias. Diversas vezes eu encostava em alguns e perguntava algo só para ouvir suas histórias.  Foi assim que descobri por que Zé Mole era Zé Mole, por que meu pai era o Dr. Gia, porque Pavão tinha esse apelido. Eram histórias de gente, apetitosas.

     Certa vez, lá pelos meus treze anos disseram que em Bom Conselho morava uma alemã no Alto de Zé Fleixeira. A verdade é que nunca a vi e poucos souberam dela. Nesse tempo, alguma coisa já havia zoado na minha cabeça sobre a segunda guerra mundial.

     Em 1979 comecei a estudar na Universidade Federal Rural de Pernambuco, nela, de fato, encontrei uma alemã e em uma das suas aulas ela contou a sua origem e que seu pai passou um ano fugindo dos russos, pois eles matavam qualquer um que estivesse vestido com uniforme do exército alemão.  Ele fugiu da antiga Checoslováquia pelo meio das florestas até entrar no território da Alemanha ocupado pelos Estados Unidos. 
     
    Nesse tempo eu não sabia sobre o holocausto, então para mim todo alemão era nazista. Bem, voltemos para a professora. Suspeito que o nome dela era Hildegard. 

    A aula acabou, eu me aproximei dela e perguntei por que o seu pai foi nazista. Também não sabia nada sobre o nazismo, só que perderam a guerra e que eram maus. Vamos para a professora de novo. Senti ela respirar devagar, não sei se estava irritada ou compreendeu a minha ignorância, depois desse silêncio ela respondeu com uma frase que me faz recordar as culturas, quaisquer que sejam. Me faz hoje recordar as culturas avassaladores, como a que está em evidência no Brasil: a da intolerância com o pensamento diferente.

     A frase foi esta: não dava para não ser nazista. Não dava para NÃO ser nazista.

      Escrevi isto tudo por que nesta semana esteve em minha mãos o documento de uma apartamento que conta um pedacinho da história de muitas famílias com sobrenomes bem diferentes dos nossos de origem portuguesa ou espanhola.

     Schwartz, Sandes, Zisman, Botshkis, Rabay Karam, Schulman. São nomes de famílias relacionados com um dos apartamentos do edifício Marcílio Dias (Recife) desde a primeira escritura, em 26 de setembro de 1960.

      A dona atual tem 96 anos, você viu uma pessoa com 96 anos lúcida?

      Quanta história tem essa senhora?

      Vamos voltar a ler aqueles nomes com cara de sobrenome alemão. Quanta história eu ouviria se pudesse saber a razão deles terem esse sobrenome, se eram emigrantes, abrasileirados pela naturalização, se fugiram de algum pogrom antes da segunda guerra ou se caíram fora antes do caldo contra os judeus virar de vez, se chegaram depois da guerra. 

     São muitas perguntas que um historiador pode cutucar até achar as respostas ou um escritor de ficção, inventar uma história e preencher com a imaginação tais lacunas que, para as quais eu não tenho resposta.

      Mas para finalizar, enquanto por aí ainda ronda no mundo o antissemitismo, eu ouvi anos atrás ao atender um cliente uma resposta que me calou. Naquele dia eu afirmei que o seu sobrenome era alemão, "Não, meu sobrenome é israelita. 

     Na sua resposta, mais que uma constatação, transpareceu o orgulho que sentia da sua origem.

     Entendeu?


     Abraço.






     

      

      

     

quinta-feira, 1 de março de 2018

Percalços de uma velhice

      
     Vamos brincar de imaginar um mundo diferente? As pessoas deixam de ser coisas e passam a ser gente!... Frase de Roberto Freire.
     

      Saí para pegar a assinatura em um contrato, em vez de ir na direção correta caminhei na outra, aí voltei, o ponto de referência, vizinho a um posto de gasolina e a clinica avançada do Hospital Português do Recife em Boa Viagem.

     Cheguei lá, prédio baixo, fachada azul, três andares, com aparência de ser mais baixo que o real por ter sido construído quase um metro abaixo do nível da rua. É um anão.

     Entrei. Limpo, bem cuidado, escada asseada, pilotis e paredes brancas, grade pintada de preto, pintura nova, doze apartamentos.

      Subi a escada contente.

     Quando cheguei, quando entrei naquele apartamento eu tive um choque. Se eu fosse o típico fofoqueiro, começaria esbugalhando os olhos, passaria a língua nos lábios, abriria a boca sem dizer nada e depois falaria com a entonação de que o que o sujeito tem a falar era a coisa mais fenomenal do mundo. Entorte o pescoço e comece dizendo: Rapaz! Rapaz!!! Foi um choque brutal. Olhe, imagine o que vi hoje?

      Realmente foi um choque, tanto que me fez lembrar de Gente Humilde, de Chico  e Vinicius de Morais. 

     Aquele apartamento está uma bagunça total, a filha e seu esposo, ambos desempregados, com seus dois filhos entraram naquele apartamento de 87 m². É apertado para quatro adultos e duas crianças e, se não tivesse tanto troço apinhado na sala poderia se viver melhor. É um ambiente estressante, as pessoas não conseguem se movimentar e ficam como dentro de uma solitária, porque os espaços estão repletos de coisas.

     A senhora, corpulenta, perto de 1,80 m, com 71 anos, cuidando do marido, doente, sem energia. São humildes, não pobres, estão empobrecidos por terem que alimentar outra família. A filha esta tão magra, que suspeito que com seu quinhão de comida alimenta ao dois filhos. Uma palavra para descrever esse ambiente: um muquifo e, a situação: um sufoco!

     Sentei-me na cadeira macia do marido e ele ficou sentado na dura cadeira  de madeira para almoçar perto das três da tarde.

      Ela disse que quer vender o apartamento para poder comprar uma casa maior para que as duas famílias possam viver melhor. Sonha alto, o mercado ruim vai dificultar a venda daquele apartamento, e, o mercado ainda está mais ruim porque se vender, a grana não compra uma casa razoável em um bairro de Recife.

     No meio da conversa começou a falar dos filhos, sentindo uma falta enorme pelas ausências deles, pela falta de ajuda, no entanto, tenta seguir em frente "sem ter com quem contar".  Não sei a história da família, mas parece que aqueles dois idosos estão sozinhos  com três filhos adultos razoavelmente  situados.

    Foi em um desses "certos dias" que eu entrei naquele lar, uma dessas ocasiões que na vida nos ocorre um lento processo de reflexão, lento porque não para quando você vai embora, porque era um lar, mesmo sem placa, um lar, com suas impaciências, seus amores, um carinho entranhando na voz de um netinho.

     Hoje voltei lá, vi uma agonia controlada, quase uma resignação absoluta pela situação crítica e, aquele muquifo já era familiar. Saí de lá, coloquei a placa de vende-se no melhor local que imaginei. Tive um distanciamento profissional, dado por todos os anos de cadeira no Banco do Brasil e que me ensinou a encarar a agonia do cliente com neutralidade, mas lá, ao contrário da situação atual, eu tinha muitos recursos para agir.

     Não alimentei a esperança de uma venda rápida e voltei para o plantão.

    Velhice: doença, falta de autonomia, familiares ausentes, geralmente com pouca grana, desemparo, solidão. O pensamento era este desde o começo: o que a gente está fazendo para a nossa velhice?

    Bem, agora voltando para aquele lar, no momento em que escrevia esta crônica uma ideia me ocorreu para aliviar a agonia daquela casa atulhada: esvaziar, deixar só o essencial.

    A questão vai ser se saberei como dizer ou se terei coragem para sugerir sem depois me maldizer.


Abraço,

Gente Humilde - Com Luiz Melodia

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

cOrPO ESTranHo

"Não encontre um defeito, encontre uma solução."... Frase de Henry Ford.     

   Na semana passada escrevi um texto todo pretensioso, achei uma palavra que imaginei significar o que pensava. Arrastei da memória e pesquisei o que significava Distopia. Por falta de convicção se este era o termo que desejava usar deixei o rascunho como rascunho. É mais um item do estoque de crônicas inacabadas, nesta, por ter encontrado depois o termo correto: Disrupção.

    Distopia é um termo de origem médica que diz que um órgão está em lugar diferente de onde deveria estar. O exemplo clássico para uma distopia: o coração no lado direito do corpo humano. Já havia escrito um belo libelo sobre as mudanças no Banco do Brasil, foi quando esbarrei na palavra disrupção, a danada da mudança radical, um novo modelo de negócio que rompe com um já estabelecido. Os exemplos, também clássicos: Uber e Airbnb.

     Não queria escrever alguma coisa que não envolvesse um lado bem pessoal, como disse um desses orientadores da internet, que a crônica para ser uma boa crônica tem que fugir do risco do narcisismo. O danado é que já escrevi muita coisa assim. Talvez este relato sirva para alguma reflexão.

      Em 2015, em circunstâncias de coação, saí do Banco do Brasil. Queria cumprir 35 anos, não deu. Parecia naquele tempo, que todo ser com mais de 50 anos e com mais de 30 anos de contribuição para a PREVI era um ser distópico, mas não apenas em 2015. 

    Quando ocorreu comigo, senti motivar a formação de um conclave de gente querendo cumprir esse modelo de distopia, tirar um "órgão" das entranhas do "corpo humano" da empresa. Por causa disso revisitei o que muitos colegas passaram lá no Paraná pós PDV - Plano de Demissão Voluntária, será que todas foram voluntárias?

      Retrocedendo a 2015, eu estava lá, mas forças de uma cultura medonha não queria que eu estivesse. O momento do PAI - Plano de Aposentadoria Incentivada era de disrupção para o BB, colocar um monte de gente para casa, seja por aceitarem os incentivos financeiros, seja pelo caráter do mau padrasto desse PAI.

     Saí da empresa e caí em casa, quase afundo em uma depressão ou escapei dela bem depois. A frustração junto com o sentimento de derrota quase me empurraram, para o que os italianos chamam de vendetta. 

     Muita raiva e muita adrenalina circulou pelos meus olhos injetados. Aí eu tive a minha primeira e mais forte disrupção, encontrei um desafeto oriundo do PAI de 2015 em um supermercado, só não fui preso porque ele não estava mais quando eu paguei meu kit de lazer, seis latinhas de cerveja. Foi tão forte que me sentei exausto no sofá naquela manhã de domingo, pensando no poderia ter acontecido. Não houve autocontrole, só tive sorte que esse desafeto evitou a briga.

     O tempo passou, iniciei vários projetos, fazer doutorado, fazer inglês instrumental, representar uma consultoria de detecção de mentira na seleção de talentos, entre outros trabalhos, comprar uma lotérica e tudo era atrapalhado pela raiva de todo o processo da minha saída do Banco do Brasil. Era uma lembrança permanente, dia e noite, dia e noite, com um único pensamento me corroendo a alma, aí me ocorreu surgir uma ideia para escrever um livro,  que me ocupou o coração.  Nesse meio tempo iniciei o curso de corretor imobiliário.

     No dizer do amigo Zé Carlos, ao voltarmos para casa após 30 anos nós somos um Corpo Estranho para as nossas esposas, é um full time que parece incomodar. 

     Agora entrei na imobiliária para fazer o estágio obrigatório. Depois de três semanas eu sinto que pareço um corpo estranho: Bom dia!, Até logo!, Até manhã! Cumprimentar as pessoas ao chegar ou ao ir embora, tudo isso parece naquela ambiente fora de moda ou fora da cultura da empresa.

     Não estou ganhando nada, se conseguir alguma venda, ótimo, se não conseguir, pago para trabalhar. O trabalho tem suas complexidades, mas não se compara ao trabalho no Banco do Brasil, tem as suas nuances, como aprendiz meus sentidos estão todos ligados, a primeira lição foi dita e confirmada na prática, em regra: somos todos concorrentes um dos outros, por causa disso registro todos os contatos que fiz.

     Ontem fui atender a um cliente que colocou seu imóvel para vender, uma casa, dias antes reclamações dele pipocaram na imobiliária, fui designado para amenizar as coisas, peguei duas placas de venda e fui até ela. Cheguei antes e vi que não poderia fixá-las no modo tradicional no muro por não haver pontos de apoio, aí me lembrei da fita dupla face, comprei uma por R$ 11,50, voltei lá e fixei as placas com a ajuda dos donos do imóvel.

     Ao sair fotografei e mandei para o grupo de Whatsapp com a mensagem: Missão cumprida. Mas meu contentamento não foi por fazer uma coisa tão simples, meu contentamento foi por ter usado um pouco da velha criatividade para encontrar soluções. 

Abração.
      

        

O poder revela ou transforma uma pessoa?

  imagem: Orlando/UOL.            Um papo na última segunda-feira entre aposentados do Banco do Brasil que tiveram poder concedido pela empr...