quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Que perguntinha mais desgraçada!

      

   Olhe não acredite no que vai ler, mas que foi, foi!

   Nesse dia o papo rolava aleatório, quase de tudo se papeou. Em conversa entre homens vez por entra o futebol e muitas vezes alguém comenta sobre uma mulher. De casamento, quase nunca, só se for para falar da sogra, pois sogro que se preze, só sacaneia  e não leva a fama.

   Naquela noite escapou alguma coisa de casamento.

   Quando tem muitos em uma roda de conversa prefiro escutar. Vejo quem é discreto, quem é gabola, quem só faz comentário cirúrgicos, quem gosta de ter atenção, enfim, vou aprendendo os perfis para compor algum personagem e aprender quem são meus companheiros.

   O uísque tinha alguma fartura até certa altura da festa, cerveja não.  Era pingada. Quando caiam algumas gotas no copo eu tratava de economizar. Só molhava os lábios, regrei tanto que quando fomos embora ainda havia cerveja no copo.

   Por aí dá para ver que estava sóbrio.  Só a minha audição era indiscreta.

   Beleza?

   Lá no meio do salão as mulheres organizavam o desenrolar da festa. Elas no seu clube da Luluzinha, trabalhando, correndo de uma lado para o outro e nós, os marmanjos, só esperando cair a bebida nos copos e os salgadinhos sobre a mesa.

   Dentre aquelas damas umas duas tinham o agito e a atitude de quem se sente bem liderando. Iam para um lado, para o outro. Tudo isso bem observado por um dos convivas.

   A festa acalmou um pouco, o papo chegou nos assuntos de trabalho, alguém especulou sobre quem seriam os candidatos a prefeito, o futebol não era preferência dos outros e não foi falado.

   Depois de bem uma hora de conversa, um dos convivas, imagino que a sua língua estava coçando há muito tempo, soltou a pérola daquela noite:
    - Eu fico imaginando como Carlos da conta de Maitê?

  A mesa parou, tentamos interpretar o que ele queria dizer. Carlos ficou sereno, eu fiquei vermelho, o perguntador cínico e Roosevelt me disse depois que pensou que haveria briga.

   Naquela expectativa por uma resposta, Carlos apenas riu. Outro assunto entrou e a indiscrição sumiu na noite.

   Tempos depois encontrei Carlos. Eu também estava curioso: como um cara paradão dava conta de uma mulher agitada?

   Aquela indiscrição de Miguel agora dava coceira na minha língua, o papo foi correndo cada vez mais para longe daquele desafio de se saber o segredo de Carlos. Em um escorregão dele mesmo o assunto que eu ansiava voltou : 
    - Visse para Miguel? Perguntar aquilo. Tava bêbado?   A bola veio para mim, só que Miguel nem de longe estava tungado.

    -  Tava não - Respondi
    - Que perguntinha mais cabulosa.
   - É verdade. Mas você se saiu bem. O assunto esfriou rapidamente.
    -  Sabe, eu me calei por não saber como responder.  Só pensei na hora que eu e Maitê estávamos namorando bem.
    - Transando? Isso? 

   Carlos deu um sorriso largo, dos homens que andam cumprindo bem as suas obrigações e disse:
   - Isso não vou responder, e deu uma tapinha no meu ombro e foi embora, deixando-me com a certeza da dúvida.

    - Abelhudo.

Abraço,

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Com 93 anos ainda jogava bola.

           Sou velho de mais para censurar, mas suficientemente jovem para agir.... Frase de Johann Goethe.

Por Marconi Urquiza.  7 minutos de leitura.

Fiquei pensando no que escrever para semana, até que achei o tema, mas não achei o tom.

     Mas não é que um evento aqui em Recife me salvou. JINFAABB, naturalmente esta palavra é um sigla: Jornada de Integração dos Aposentados do Banco do Brasil. 

     Com um número tão grande de aposentados, para tão pouca gente participando, só que, a participação dos que comparecem é intensa e foi esta intensidade que me fez compartilhar uma surpreendente crônica de Antonio Maria, Antonio Maria de Albuquerque Moraes, escrita em 23/1/1955.
   
                              .......................................
  Que Deus o tenha ...(*)

     Morreu, há dias, com 93 anos, o meu velho Camilo, sem que eu estivesse perto para sorrir-lhe, com carinho, na hora da tão protelada  partida.  Depois dos oitenta anos, virou menino e deu para fazer as coisas mais infantis deste mundo. Como uma criança, passou a ser criado por duas sobrinhas, Ana Cândida e Rosemira, ambas solteiras e possivelmente virgens. Bisbilhoteiro e indiscreto, deu para ouvir conversas e repeti-las, exatamente no momento em não devia. Uma vez, por exemplo, quando a senhora Tomás  Caldas, em visita, contava histórias e dava risadas, Camilo interrompeu para perguntar "se  aquela era a tal moça que passava o marido pra trás, com um goal-keeper". Como, por coincidência, era, as coisas ficaram malparadíssimas e o velho, os noventa anos, ficou três dias sem direito a outra coisa que não fosse o quarto, onde lhe traziam comida e água gelada. Embora pareça incrível, aos sessenta apaixonou-se pelo futebol e, não satisfeito em assistir a algumas partidas do Botafogo, deu, também, para bater uma bolinha no quintal, com dois sobrinhos afins, alguns  meninos da vizinhança e o empregado da casa. Para a idade e com relação à  tardia iniciação pebolística, jogava até direitinho. De calção, camisa, chuteira de  basquete e boina, era o que se podia desejar - como atleta - de superior em ordinário.
     Grande conversador, contador de casos incríveis, principalmente das aventuras do seu tempo de moço, qualquer conversa sempre tinha uma  mulher no meio. Contando, por exemplo, como foi a noite da passagem do século, arrematava assim:  "Nessa  noite, morto de bêbado, dormi com Margarida". Gostava de mim - dizia na frente da gente - por causa de minha burrice e da minha feiúra. Tinha pena de eu ser feliz tão feio e tão burro, com um salario só.
    Em novembro do ano passado fui levar-lhe um canário de presente e, no portão, senti o sobressalto da casa, Ana Cândida e Rosemira, aflitíssimas, andavam de um lado para o outro, telefonavam, chamavam parentes e rezavam em voz alta. Calculem que Camilo, completamente proibido de tocar em feijão, comprou uma feijoada de lata, esquentou em banho-maria e comeu com farinha. Para rebater, bebeu uma cerveja gelada e ficou jiboiandoEsteve dois dias entre a vida e a morte e, no terceiro dia, disse um palavrão a meu  respeito e levantou, que nem parecia. As sobrinhas, coitadas, cansadas de tantas  vigílias, contrataram duas enfermeiras e foram passar aquele fim de semana espichadas nas camas da Pensão Pinheiro, em Teresópolis.
    Quando voltaram, redobraram as proibições e os zelos em relação a Camilo. Com 93 anos não era possível deixá-lo tão solto. A recomendação que levava maior empenho era aquela: "evitar o quintal para não levar chuva". Pois bem, há uns dois meses, Rosemira me contou: "Estava chovendo e nós procuramos o tio Camilo pela casa inteirinha. Até embaixo das camas nós espiamos. Fomos procurar no quintal. Mal chegamos, ele vinha correndo e gritando para empregado: "Passa aqui, passa aqui...".
     - Mas jogando futebol? - perguntei quase abismado.
     - Na chuva e sem boina - completou Ana Cândida.
    A morte de Camilo andou arrancando umas lágrimas destes meus olhos secos. Era ainda uma pessoa em quem se podia descarregar certas amarguras. Ouvia o que se lhe contassem, as coisas mais escandalosas, e dizia sempre: "És fabuloso, és fabuloso". Se, diante de um caso complicado, lhe perguntasse o que fazer, respondia, invariavelmente: "Nada. Deixa o tempo cuidar disso". Muitas vezes fui à casa com o coração na tipóia e voltei mais menino e menos responsável do que ele próprio. Falando de si mesmo, dizia coisas dignas de aspas. "Não sou nada mais que uma saudade do meu filho natural, que é tuberculoso em Davos, na Suiça".
    Anteontem, fui conversar com Ana Cândida e Rosemira, para saber como iam as coitadas. Estavam num estado de fazer pena. Nos recantos da casa, nos móveis e utensílios, realizavam a impossível presença de Camilo. "Aquela cadeira era dele. Era ali que ele implicava com o cachorro." Depois, de lenço na mão, a voz cortada de soluços, Ana Cândida contou como foi a morte. Começou assim e só pôde dizer isto: "A perna quebrou-se em três  lugares". Soluçou. "Eles dizem que não. Mas, para mim, entraram em Camilo sem bola".
     Ao choque daquela surpresa, prendi tanto a vontade de rir, que comecei a chorar. 


(*) Crônica do livro Com Vocês, Antonio Maria. Editora Paz e Terra, 1994, p. 131.
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sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Complicando as narrativas para quebrar os conflitos intratáveis.

        A paz não pode ser mantida à força. Somente pode ser atingida pelo entendimento.... Frase de Albert Einstein.

   Tempos atrás eu comprei um livro cujo o título me atraiu mais que a resenha que havia lido sobre ele. O livro tem o criativo título de: O Negociante de Inícios de Romance. Acostumado a uma narração mais linear, a proposta do livro para mim se perdeu em uma narração intercalada que complicou a minha leitura.

    Mas a complicação das narrativas anunciadas no título da crônica se baseia em dois artigos que andei lendo: A psicanálise da adesão ao fascismo  e Complicando as Narrativas.

   A leitura de textos desse quilate vem me chamando atenção desde o final das eleições de 2018, pois guarda estreita contextualização com dois aspectos na surpreendente campanha, do tostão contra o milhão, do tradicional para, o quase, novo uso da internet em uma campanha política vitoriosa e da utilização interminável de uma narrativa de simplificação e geradora de conflitos.

   O primeiro destes textos foi produzido em 1951 pelo filósofo alemão Thedor  W. Adorno e fui achar no site do blog da editora Boitempo. Li todo o artigo e ainda estou decantando o seu conteúdo, visto que o assunto, tão falado durante a campanha eleitoral parece ter entrando em hibernação, o fascismo.

   Adorno no seu texto, A psicanálise da adesão ao fascismo, fez uma análise do contexto norte americano de 1951, trazendo as suas considerações sobre os fascistas daquele país, naquele momento histórico.  A base do artigo é o livro de Freud, Psicologia das massas e análise do eu. Logo no início do artigo ele comenta, entre tantos outros pontos, que os discursos fascistas são tão monótonos, que se fica familiarizado com um estoque limitado de pontos em discussão e o que se encontra são intermináveis repetições e complementa, dizendo que "a reiteração constante e a escassez de ideias são ingredientes indispensáveis da técnica toda." Diz ele, no texto, que isto faz parte do método dos agitadores (fascistas) para mobilizar processos irracionais, inconscientes e regressivos.

   Em outra parte do texto, Adorno fala da formação das massas, da psicologia dos grupos e diz textualmente: 

É provavelmente a suspeita do caráter fictício de sua própria 'psicologia de grupo' que torna as multidões fascistas tão inabordáveis e impiedosas. Se parassem para racionar por um segundo, toda a encenação desmoronaria, e só lhes restaria entrar em pânico. 

   Aqui eu dou um corte nessa dimensão relacionada à política para trazer a lembrança de que há atitudes fascistas mesmo fora de um contexto político, os tribunais livres e sem magistrados da internet. Tal situação motivou o escritor brasileiro  Michel Laub escrever o romance O Tribunal da Quinta-Feira.

   Aí na semana passada vi em uma entrevista no Globo News com um dos criadores do Twitter, Ewan William. Ela agora criou uma plataforma chamada de Medium, onde os assuntos podem ser discutidos com profundidade. Foi nessa plataforma que eu achei o artigo, traduzido pelo Google como: Complicando as narrativas. Este artigo tem a finalidade de analisar e criticar as ações do jornalismo nos Estados Unidos e que o fez perder a relevância como fonte de informação confiável à população. Realidade aqui também no Brasil.

   No início a autora do artigo, Amanda Ripley, faz um questionamento bem interessante: E se os jornalistas cobrissem questões controversas de forma diferente - com base em como os humanos realmente se comportam quando estão polarizados e desconfiados?

   Ela diz que "muita antes de 2016 a grande mídia americana perdeu a confiança do público, criando uma abertura para a desinformação", dando margem para que "os demagogos nos usem, amplificando seus insultos em vez de expor suas motivações". Vamos dar outro salto, saímos do artigo e chegamos perto dos influenciadores digitais. Usam as vestais do servir ao público e ganham das corporações uma grana para nos influenciar conforme os interesses das mesmas. Uma contradição pouco percebida.

   Voltando para o artigo, a jornalista traz um conceito bem interessante: Conflito Intratável, que vem a ser a divisão existente neste momento no Estados Unidos entre republicamos e democratas, a ponto de, por exemplo:  se filho de republicano quiser casar com filha de um democrata e vice-versa, os namorados são praticamente impedidos pelos pais de se casarem. Aqui no Brasil o quadro de divisão começa a dar sinais de se aprofundar.

   Diz a autora que tais conflitos se alimentam de si mesmos, quanto mais se tenta parar, pior fica. 

   Aí entra a complexidade, tornar a narrativa complicada, fazendo perguntas abertas para que os interlocutores possam compreender as motivações profundas de cada pessoa, expondo as rachaduras e inconsistências que haviam sido retiradas pelas narrativas maquiadas, se quebrando a falsa simplicidade.

   Por exemplo. Vi nesta semana uma inserção de uma matéria jornalistica em que se ouvia: é cartão vermelho direto. Simples, comunica bem, dá o recado para todo mundo que tem algum conhecimento rudimentar do futebol. A maioria das pessoas sabe o significado do cartão vermelho. Mas a questão da Educação é mais ampla e crucial para o futuro das pessoas, o que vem se discutindo sobre a educação no Brasil?

   Este é um exemplo, das muitos necessidades que a gestão pública precisa agir para o bem da população no Brasil.

   A simplificação gera desconfiança e muitos conflitos, faz as pessoas se posicionaram em suas redomas, se fechando a qualquer entendimento. É preciso em ir em busca dessas motivações profundas, pois elas são mais importantes para o debate do que os fatos dos conflitos e assim, possibilitar o inicio de algum entendimento.

   Mas é na simplificação que vem o alerta de Adorno, é por meio dela que a comunicação viciante e do pensamento dominador sobre o raciocínio sensato entra e toma conta, gerando conflitos intratáveis, mais e mais conflitos, tornando as narrativas mais pobres.

   Segundo a autora, é preciso agir perguntando: Como você chegou a isso? Por que essa história é importante para você? Como você se sente quando me conta?

   Para Amanda Ripley ao se desestabilizar as narrativas, as pessoas tendem a exalar; elas continuam discutindo, mas guardam as armas e serão capazes de iniciar uma conversa maior do que elas mesmas, criando interações mais construtivas.

Abraço,
Marconi Urquiza

Links:
A psicanálise da adesão ao fascismo

Complicating the Narratives

Capas dos livros:
O Negociante de Inícios de Romance    O Tribunal Da Quinta-Feira  


     

sábado, 17 de novembro de 2018

Era seguir em frente ou afundar.

Se não puder voar, corra. Se não puder correr, ande. Se não puder andar, rasteje, mas continue em frente de qualquer jeito.... Frase de Martin Luther King.



1. Nem sei dizer exatamente  por que me veio esta lembrança.  Alguma coisa dita na festa de casamento de um amigo desencadeou este escrito.

2. Naquele 16 de novembro de 1982 eu apaguei.

3. Às 7 da manhã já estava dentro da Agência do Banco do Brasil de Afogados da Ingazeira.

4. Sentei-me à minha mesa costumeira e comecei trabalhar.  Mexi em alguns documentos, me desincumbi de algumas tarefas mais imediatas e sumi em um choro silencioso, as lágrimas desciam como rio Pajeú em cheia.

5. Não havia ninguém e a agência estava cheia. Era eu, meu choro e minha dor. Socorro Góes ia passando e me chamou: Marconi, Marconi, Marconi, eu abri os olhos, passei a mão neles e continuei.

6. Era eu, meu choro e minha dor. Dor que me acompanhou anos a fio. Mas não havia outro caminho, era seguir em frente.

7. Era seguir em frente ou afundar-se na tristeza em uma depressão que nem a morte livraria.

8. Eu fui em frente, segui correndo atrás da vida. Foi assim, tem sido assim. Livrar a alma do ódio.

    Papai havia sido assassinado seis dias antes.

Abraço, Marconi

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

A obra prima de um Brasileiro genial.

      Mas no tempo não havia horas.... Frase de Graciliano Ramos.

Mas no tempo não havia horas. Graciliano Ramos

1.  Há um bocado de tempo que eu pretendia falar sobre livros. Estava com dúvida se faria ou não.  Livros, muita gente ler, a maioria não, e além disso não tem sido um assunto da moda, a não ser a crise das livrarias no Brasil. 

2. Na última sexta-feira recebi um telefonema de um amigo me intimando a compilar em um livro parte das minhas crônicas, por causa disso me lembrei de uma história que correu minha vida dos anos oitenta até hoje.

3.  Um dia, entre 1983 e 1984, me inscrevi em  uma seleção interna no meu trabalho e eu nesta época fui apresentado a dois escritores, Othon M. Garcia e Graciliano Ramos. Livros escritos por eles fizeram parte de uma bibliografia, indicados para quem desejasse estudar como construir uma boa redação empresarial. Parágrafos curtos, objetividade, ação em primeiro lugar, justificativas depois.

4. Graciliano Ramos, meu vizinho. Ele de Quebrangulo, em Alagoas e eu de Bom Conselho, em Pernambuco. No entanto, este ilustre vizinho era completamente desconhecido por mim e só fui conhecê-lo por causa do Banco do Brasil.

5. Me tornei fã.  Mas tive, na época, enorme dificuldade para ler seus livros. Meu vocabulário não dava conta das muitas palavras desconhecidas e os dicionários analógicos de então desestimulavam a leitura.  Era um processo penoso e cansativo.

6. Bem, nesta semana fui atrás de um livro em um sebo virtual e passou pelo meu olhar alguns livros que li com gosto, dentre  eles alguns fininhos, pequenos no tamanho, enormes na história e gigantes na técnica do escritor.

7. Estavam lá: Ninguém escreve ao coronel; Crônica de uma Morte Anunciada, Vidas Secas.

8. Já li muitos livros, mas vou pegar emprestado a palavra de especialistas: Vidas Secas é um livro diferente. Você sabia que Vidas Secas neste ano fez 80 anos de publicação e continua tendo reedições?

9. É um livro que pode ser lido de uma tirada, mas não faça isso, mesmo tendo apenas 176 páginas. Só lendo com vagar o leitor captura a essência da sua história.

10. Li outros livros do Velho Graça. Vidas Secas li apenas no ano passado. Para ler até  mudei todo o meu modo de leitura. Um livro tão pequenino eu leria em algumas horas, levei 30 dias, mais até. Um coisa esquisita me ocorreu, quando faltavam algumas páginas para o final eu devolvi o livro para a estante dos livros a ler e ele quarou lá por muitos dias.

11.  Acho que a leitura tão lenta foi uma reverência a Graciliano Ramos, não queria correr com a leitura, desejava como um aprendiz ávido absorver a sua magistral técnica. Queria ser um grosseiro imitador, mas imitar um mestre é quase se transformar em outro. Enfim,  peguei-o de volta e conclui a leitura.  O meu sentimento de perda havia sido quebrado.

12. Mas, enquanto eu lia vários sentimentos foram se misturando. Em certos instantes pareceu que eu via pelos olhos de Fabiano, teve um momento que a chicotada que levou o menino mais velho me atingiu. E baleia, a cachorra,  coitada, doente de morte, quando ela levou o tiro de Fabiano para amenizar seu sofrimento eu cheguei quase a sentir a sua agonia de morte.

13. Quando acabei a leitura saí em busca das análises literárias. Li várias e resolvi fazer a minha.

14. A famosa frase enxuta de Graciliano Ramos esteve neste livro no seu maior grau. Mas não foi isso que me causou uma profunda impressão.  Todo o enredo se passa tanto no plano, do contexto físico quanto no temporal, em uma aridez de derreter almas, mas o Velho Graça não acabou por aqui, ele quis fazer o leitor sentir mais outras. Trouxe a aridez dos sentimentos dos personagens embalada pela aridez de uma situação social crítica. É uma impacto psicológico profundo trazido pela forma como o livro foi escrito e que se tornou o principal fator da percepção desse contexto humano extremo.

15. O Velho Graça não enfeitou, a dor não se enfeita, a fome emagrece, embrutece, o desamparo tira a esperança, a fé em algo melhor a renova, mesmo mínima, e tudo isto está no livro.

16. É um livro magistral e se eu pudesse indicar uma leitura, indicaria esta obra prima, obra prima de um brasileiro genial.


Abraço,

Marconi Urquiza

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Abstinência de Fake News.


       O fascínio da procura de uma rosa sem espinhos nunca está muito longe, e é sempre difícil de resistir.... Frase de Zygmunt Bauman.

     "O fascínio da procura de uma rosa sem espinhos nunca está muito
   longe, e é sempre difícil de resistir." Zygmunt Bauman

   Acordei na última quarta-feira com uma séria abstinência das fake news, na segunda o alívio foi total, na terça, gostosamente meu celular foi aliviado das mil mensagens que recebia, nesta quarta recebi o primeiro fake news pós eleitoral e passei para um site que fazia verificação, a resposta veio: serviço desativado, só atuaram durante o período eleitoral.

   Foram praticamente dois anos de fake, mais dois anos de uma intensidade de informações desinformante que moldou meu cérebro, vejo tudo torto.  Nos últimos meses a intensidade foi tanta que estou sofrendo de abstinência, Passei a desconfiar até da verdade.
  
   Há um dizer bíblico de São João que leciona sobre a mentira: E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará. (João 8:32), podia se dizer assim: Dizei a verdade e a verdade vos libertará. Mas nem um nem outro tem impacto nos dias atuais.

   Esse é um registro bíblico forte, no entanto, é um ensinamento que parece passar ao largo  de muita gente influente, até mesmo dos profissionais da fé.

   A mentira fascina. 

   É assim mesmo, a minha impressão é que a mentira tem mais valor nas relações sociais que a verdade.  

   Você pode está questionando, e ele é santo, nunca mentiu? Claro que já menti, mas mentir para mim é uma sofrência imensa, a minha a cara me denuncia, por causa disso passei a evitar mentiras e até desenvolvi uma estranha síndrome. Muitas vezes me pego sentenciado, "tá mentindo", parece que minha mente ligou um desconfiômetro permanente para buscar sinais da mentira. Modulou a voz, ora baixa, ora alta, suaviza demais,  repetição de alguma parte de uma frase, olhar "profundamente" nos olhos do outro para passar convicção e por aí vai.

   Bem, estou falando das situações quando a gente se comunica cara a cara, mas, e hoje? Facebook, Whatsapp, Instagram, Linkedin. Você não vê as expressões, raro se escutar a voz, a conversa não existe, praticamente só há mensagens escritas, algumas de áudio, muitos vídeos preparados, vídeos espontâneos, e mais uma vez, por aí vai. O cérebro não capta essas alterações que citei acima. Engolimos muitas mentiras por desatenção e passamos muita mentira por maldade, por estarmos no meio de um grupo, por nos sentirmos anônimos ou pela avalanche que pode nos dar a segurança que não seremos punidos.

   Isto que falei é para os outros. Se existir alguma culpa, relevamos, se soubermos que indivíduos estão sofrendo, racionalizamos, imersos nesse vale tudo "decente".

   Mas se surgir uma mentira que nos prejudique diretamente. Qual será o sentimento? Vai xingar? Vai querer dar o troco? Vai lavar as mãos ? Tira por menos? E se essa mentira ou várias atrapalharem a sua vida? Como perder um emprego, perder a amada ou o amado? E se nós formos o inocente útil? Se o dano colateral nos atingir?

   Voltando para o fenômeno das fake news. Imagino que se precisa ligar o desconfiômetro, infelizmente devemos nos perguntar todo santo dia: Qual é a intenção da pessoa que criou essa mensagem. Tal comportamento não tem serventia apenas para as fake news, vale para quase tudo.

   A mentira fascina, a sua narrativa engabela os nossos sentidos. Sabe por que os estelionatários dão golpes?

  Desconfio que a verdade não me libertará, por que não sei onde ela está.


Abraço,

Marconi Urquiza



























sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Escritório das conversas avulsas, e no Zap?

       Diz-se da melhor companhia: a sua conversa é instrutiva, o seu silêncio, formativo.... Frase de Johann Goethe.
                               
Diz-se da melhor companhia: a sua conversa é instrutiva, o seu silêncio,formativo. Johann Goethe 
               
       Na semana passada eu estava na minha terra natal.  Em uma das conversas com meu cunhado eu perguntei por Luiz Clério, editor do jornal A Gazeta, e também quis saber a que horas eu poderia vê-lo, pois desejava discutir o projeto de transformar em livro parte das centenas de crônicas escrita por tio Florisbelo Vila Nova. 

     A resposta de Washington foi que ele, mais meu primo José Tenório Neto e  o amigo do meu pai, Naduca, se encontravam para conversar toda tarde. Como uma mágica da imaginação, explodiu em minha mente o título desta crônica e minutos depois a história começou a nascer.

     Bem, o primeiro, mais famoso e prestigiado escritório das conversas avulsas  da minha terra natal deve ter sido o cafezinho do Coronel José Abílio Ávila de Albuquerque, cuja tradição resistiu por muitos anos após sua morte.

    O cafezinho, se a memória não falha, se iniciava com a pontualidade britânica às cinco horas da tarde. Eu não sei o que conversavam, eu era criança e depois adolescente. A sensação que eu tinha quando via aqueles homens mais velhos sentados na varanda da casa do Coronel era de pompa e circunstância.

   Não era o único, havia outros escritórios. O mais mundano foi o da "esquina da fofoca". Este escritório ficava na rua e defronte de uma antiga barbearia situada na esquina das praças Pedro II e com a João Pessoa e por esta descia para o Corredor, apelido da rua Agamenon Magalhães.  Segundo as boas e, também as más línguas, ali só se conversava dos escorregões e putarias que rolavam na cidade.


   Meu pai também tinha o seu escritório das conversas avulsas, mas, me parece, que era um misto da jocosidade da "esquina da fofoca" com o cafezinho do Coronel. 

   Este de papai também começava no final da tarde, ele era meio escondido. Ocorria na velha Farmácia Confiança. Cinco, seis, sete amigos entravam e sentavam  na parte de trás, onde ficava o estoque de medicamentos. Nessa parte do prédio havia sofás, várias cadeiras individuais e a escrivaninha de papai. 

   Era um encontro de amigos. Amizade celebrada quase diariamente com muita conversa. Às vezes quando a risada era grande eu chegava mais perto para escutar.  Por ser uma conversa de adultos, papai sempre dava um jeito de me manter longe.

   Muitos escritórios das conversas avulsas começam na mesa de um bar, houve  época que eu dizia para a minha esposa: O bom lá não é a cerveja, bom mesmo, é o papo.

   Em um desses eu peguei carona. Ele já existia.  Quase toda sexta-feira um happy hour ocorria em um dos locais no qual trabalhei.  No início as palavras eram muito agressivas, depois foram amenizando e tivemos muitos bons momentos.
     
   Muito tempo depois daqueles escritórios da minha juventude, um escritório foi se formando espontaneamente após os expedientes no Banco do Brasil e ele me deixou saudades. 

  Nem sei quando começaram as nossas conversas avulsas. Com muita frequência a gente acabava o trabalho diário, com a agência fechada a gente parava na rampa de entrada do prédio do Banco do Brasil em Surubim e ficava batendo papo. Não sei quanto tempo, 10, 20 minutos e a conversa rolava solta, menos sobre o banco, creio. 

   Ali, na boquinha da noite, na vazia Rua João Batista, tão frenética pela manhã e parada às 18 horas, uma amizade foi se formando. Foi nela onde: eu, Negri, Jan e Ronaldo fizemos o  nosso escritório de amizades.

   Pois bem, um escritório das conversas avulsas que se preze é um encontro de amigos e não há só um assunto, qualquer assunto vale para se conversar. Ninguém lá quer ter razão, pois todos têm razão. 



Abraço, Marconi Urquiza. 

   

O poder revela ou transforma uma pessoa?

  imagem: Orlando/UOL.            Um papo na última segunda-feira entre aposentados do Banco do Brasil que tiveram poder concedido pela empr...