sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

A Estética da Mentira

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Desconfiado que estavam mentindo para mim eu comprei o livro: Como Detectar Mentiras, de Paul Ekman. Por achar que não valia a pena prosseguir com tal investigação, encostei o livro e a ideia que me perturbava. 

Aí, muitos anos depois veio o caso da demissão do Rodrigo Alvim, pelo atual Governo Federal, por usar em um vídeo a estética nazista de mentir. Contraditório para passar informações falsas,  e não contraditório pelo potencial de perda política.  Alguém se lembra que foi veiculado que o nazismo era de esquerda?

Mais uma vez eu me levantei para escrever algo sobre os modos de mentir.  Pedi ajuda ao Prof. Denílson,  que me enviou dois artigos.  Catuquei para lá e desisti,  cá.  A tarefa ia além das minhas rasas pretensões.  Parei.

Não é que no último domingo eu estava lendo o livro: O Vendedor de Passados,  de José Eduardo Agualusa, e me deparei com uma página inteira, a 138, onde ele cria o Ministério da Informação,  cuja função era propagar informações falsas. O texto é uma fala  indireta do personagem José Buchmann, cujo teor é o seguinte:

"Contou que numa pequena ilha do Pacífico, onde vivera alguns meses, a mentira era considerada o mais sólido pilar da sociedade. O Ministério da Informação, instituição venerada, quase sagrada, estava encarregue de criar e propagar notícias falsas. Um vez à solta entre as multidões, essas notícias cresciam, adquiriam formas novas, eventualmente contraditórias, gerando amplos movimentos populares e dinamizando a sociedade. Imaginemos que o desemprego atingia níveis considerados perigosos. O Ministério da Informação, ou, simplesmente O Ministério, punha a circular notícias segundo as quais fora encontrado petróleo em águas profundas, porém ainda dentro da zona marítima exclusiva do país. A possibilidade de uma eminente explosão econômica revitaliza o comércio, os técnicos expatriados regressavam a casa, desejosos de colaborar na reconstrução, e em poucos meses nasciam novas empresas e novos empregos. 
    Aí o narrador cita o caso de um opositor que lhe é imputado uma amante, mas que não era e nem ele conhecia a mulher.  Ela a conhece,  larga a esposa e casa com amante propagada pelo Ministério. 
       ....
- A impossibilidade de controlar os rumores - concluiu - é a principal virtude daquele sistema. É isso que confere ao Ministério uma natureza quase divina - xeque ao Rei!"
   Nem sempre, é claro, as coisas corriam da maneira prevista pelos técnicos. 

Mais atual, impossível. Pois bem.  O livro é de 2004. 12 anos antes de Donald Trump transformar essa estratégia em um sucesso mundial. 

Você se lembra do ditado? "Quem pode mais,  pode menos".  Para disparar tanta mentira e desinformação em escala de produção em série precisa de dinheiro,  precisa de gente preparada, precisa comprar meios tecnológicos e a crença que tudo não passa de algo bem trivial. Pior que é, mentir é trivial, não mentir é exceção. Trivial não é viver apenas de mentir ou da desinformação. Era, virou trivial.   

Essa Gente preparada, que se arrenda por valor alto por quem seja capaz pagar muito dinheiro. Gente com conhecimento elevado de Psicologia Social e não apenas intuitiva, que tenha capacidade de arregimentar uma multidão para serem "soldados" propagadores, de graça. Seja por crença, seja por terem vergonha de admitir que foram enganados, seja por gostarem de seguir quem lhes parece mais forte que a si mesmo, seja apenas por que o que chega a elas uma justificativa um modo de ver os fatos, já anteriormente admitido como verdadeiro. Essa lista não se esgota facilmente.

Uma outra questão, é que os líderes da horda da DESINFORMAÇÃO não respeita nem a lei, a não ser que lei seja encomendada por tais líderes. 

O que se tem é toda ordem de ação abusiva.  Para se lidar com pessoas deste tipo, a que moldar o espírito para lutar. Jogar duro é o nome do jogo. Jogar em o nome da defesa da paz, é talvez jogar sem ética. Pode ser o caminho de um tipo de guerra, mas quem só entende esta linguagem, dizer bom dia, faz ser interpretado como fraco.

Sabe o que para gente abusiva? Um muro com 10 metros de largura e o dobro de altura. 

O pior, é que os instrumentos legais existem, os meios de combater, no momento, parecem ser iguais ao ditado: "É como enxugar gelo". Segundo a  Rogério Galloro (*), delegado da Polícia Federal e assessor especial do Tribunal Superior Eleitoral, a saída é haver EDUCAÇÃO DIGITAL. É um indivíduo filtrando o que lhes chega.

Entendeu?

Abraço, 




sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

1ª Entrevista ao vivo, ninguém .... Futebol

Futebol foi desde os 11 anos uma paixão para jogar, depois, aos poucos, foi se transformando em uma predileção para assistir às partidas, muito tempo depois eu quis estudar o futebol para entender melhor o esporte. Tática,  gestão,  preparação física, ambiente interno e por aí vai.  Nessa época comprei uma pequena biblioteca.  Uns 10 livros. Era 2003. Deste período dois livros me ajudaram a entender um pouco o futebol: Universo Tático do Futebol e Ciência do Futebol (conferi na internet).

Também foi nessa época que comecei a ser comentarista de futebol.  Rádio Tambor FM e depois Rádio Integração FM, em Surubim, PE. Só isto já vale uma  crônica. 

Mas a paixão era mesmo jogar. Quando fui a Afogados da Ingazeira no dia 02 deste mês eu fiz questão de primeiro ir ao minicampo da AABB,  pedi para ser fotografado junto a trave de uma dos gols, pois me recordei das tantas peladas que joguei lá ao longo de cinco anos. 

Nessa esteira de recordações, eu me lembrei do primeiro jogo na cidade. O colega Seba me convidou para jogar em um sítio. Campão. Felizmente um campo bom, mesmo sem grama. 

Entrei de quarto-zagueiro.  No primeiro tempo tomamos um gol.  Perdendo de 1 x 0, tentamos empatar,  mas não é que nosso ponta esquerda rasga uma dividida e dá uma bomba, gol. Nunca vi algo daquele jeito. 

Veio o segundo tempo. Minha chuteira não gostou dos meus pés de pele fina e foi criando calos, bolhas, eram tantas que mal conseguia andar.

Tomamos o segundo gol. Perdíamos de 2 x 1. Em certo momento,  sem ter condições de correr eu me mandei para frente e fiquei por lá, na chamada zona morta,  mas não é que uma bola escapa para mim, quase sem marcação eu consegui cruzar do lado esquerdo,  meio de trivela, meio de bico e aquele touro do ponta-esquerda acertou outro chute e empatou. 

Nos últimos minutos, o tempo escurecendo, eu fiquei lá na ponta esquerda,  escondido,  torcendo que não viesse nenhuma bola.

Quando acabou o jogo, eu pode dar uma alívio aos pés.  Sabe, dos cinco dedos do pé direito três estavam estropiados.  Bolhas estouradas. Danei cuspe nelas na esperança de aliviar o ardor, burrice, ardeu foi mais.

Depois dessa estréia, eu viajei mais uma três anos no tempo, fui para o minicampo da AABB Afogados. Era um sábado à tarde, tinha chovido. O campo de terra estava macio.  Eu saí da defesa pelo lado esquerdo em um contra-ataque e cheguei a um metro da linha de fundo. Jogada rápida,  quando dominei a bola e levantei a cabeça, a defesa estava paralela ao goleiro.  Olhei para o outro lado e vi Pádua chegando por trás da zaga,  eu pensei em tocar por baixo da bola e passar para ele  cabecear,  o problema é que eu não sabia fazer isso. Naquela fração de segundos, eu vi o goleiro dando dois passos na ideia que eu iria cruzar e ele se afastou do pé do poste. Quando vi ele se movimentando para a direita, eu dei um tapa na bola em direção ao gol e no contrapé dele,  enquanto ele ia para o meio da área, a bola, que não foi forte, entrou no gol raspando o poste.

Foi um dos gols mais bonitos que fiz.

Mas desta época vem a minha maior satisfação de um peladeiro. Ser a preferência na escolha dos times das peladas da AABB Afogados da Ingazeira nas terças e nas quintas-feiras.

A satisfação cresce quando digo que joguei a vida toda como zagueiro.  Eu tinha um preparo físico excepcional. Havia vindo do futebol de campo da Universidade Rural de Recife, então minicampo era um pouco maior que uma grande área. 

Era tanta saúde que eu conseguia cobrir quase toda a defesa. Corria solto,  chegava fácil no outro gol.

Mas teve um dia que eu tive que tirar a cabeça.  Amistoso com um time de Iguaraci, PE. No time deles tinha um ponta direita, forte pra burro, corria e chutava como poucos,  não é que ele dribla para o lado direito e sapeca um chute, daqueles que bola estala.  Eu estava na linha do chute, a uns cinco metros. Ela subiu na altura da minha cabeça,  a um 1,88 m, plantei os pés e segurei a bolada. 

Beleza! Mais ou menos. Fiquei com uma dor de cabeça medonha. 

Bom, o jogo continuou,  não é que  o cara sapeca outro chute. Forte, tal qual o outro e eu estava de novo na linha da bola, só que dessa vez, no último segundo, eu me abaixei e matei o goleiro,  a bola estufou a rede. Só ouvi a reclamação dele e eu dizendo algo : Tu tá doido eu botar a cabeça de novo nessa bola!

Mas um dia, para encerrar esta crônica,  houve um torneio de minicampo.  Nosso time precisava fazer 6 x 0 para se classificar e só fez 2. Todo mundo correu demais.  Estávamos cansados, eu fui um dos últimos a sair do campo.  Quando fui chegando na lateral do campo, perto da linha de fundo da sede da AABB Afogados, eu vi uma pessoa se aproximando  rápido, foi perguntando como tinha sido o jogo e já colocou o microfone para eu responder. Nem sei o que disse, mas acho que respondi igual a todo jogador que é  pego de surpresa e nunca falou ao vivo: "É o jogo foi difícil; O adversário marcou bem; não fizemos o placar necessário", etc, mas, um etc curtinho.

Minha primeira e única entrevista na longa carreira de peladeiro, ainda em campo.

Abraço e bom carnaval.

Marconi 



sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Tchau querido, cheguei na obra

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Peguei o carro no lava-jato e decidi levar o laudo médico na AABB Recife, laudo que me permite praticar futebol sem riscos cardíacos.  Pois bem, desci a Avenida Rosa e Silva entrei na Rua do Futuro e nem nela, nem nas imediações da AABB eu encontrei vaga para estacionar.

Segui para a Avenida Rui Barbosa e fiz a volta pela Rua Santos Dumont. Foi aqui que encontrei a minha companheira de viagem. 

Na calçada, ela andava devagar e me chamou a atenção por causa da sua estatura. A jovem era alta para os padrões daqui.

     Com o trânsito bem devagar, passei por ela e parei mais um pouco à frente. Andei mais alguns metros e o sinal fechou. Ela se aproximou e passou pelo carro. Prestei atenção pela segunda vez.

Camisa azul, calça jeans, bota de quem trabalha na construção civil, cabelo preso com um coque. Um pouco mais adiante passei por ela de novo e a vi pela terceira vez. Parecia cansada, mais para uma tensão contida. O rosto emoldurado pelos óculos estava sério. O pensamento parecia bloquear a percepção do que havia ao redor.

Quando dobrei  na esquina da Rosa e Silva a perdi de vista e só vim encontrar com ela na manhã de ontem, ao imaginar qual teria sido a causa da sua tensão. 

Por uma daquelas cargas da mente, um quadro se formou em minha mente.

* * *

Pois bem. Dali, da Rua do Futuro, ela chegou em casa. Havia saído antes do marido para ir ao trabalho. Os utensílios que ela utilizou pela manhã estavam lavados e secos. Mas ela passou direto para o banheiro do seu quarto. Iria recolher a rua suja para lavar. Ao passar pelo quarto viu a toalha molhada jogada sobre a cama de casal, roupas largadas no chão, mal acomodadas na gaveta, fruto da indecisão do seu marido, de três anos, na escolha da roupa que levaria para jogar futebol.

Era quarta, dia da pelada dele. Só chegaria em casa depois das nove horas da noite.

        Ela recolheu a roupa suja, pegou a toalha e estendeu sobre o box. "Ele que busque uma toalha enxuta." Com contrariedade viu o lençol que ele deixou de qualquer modo. Irritada o cheirou, suado, recolheu também para lavar. Passou uma mão sobre a cama, espalhou a coberta e voltou a pegar a roupa para lavar.

Quando chegou na cozinha, estavam espalhados, sujos, os utensílios que ele utilizou para comer. "Nem coloca na pia. Nem molha para facilitar a lavagem." Deixou assim mesmo. Tomou um copo d`água. Levou as roupas, olhou o restante das roupas sujas. No sapateiro viu tudo deslocado. A procura pela chuteira não importava se os outros sapatos se esparramassem no chão.

Algo foi enchendo dentro dela. Um calor foi chegando no rosto. Separou as roupas do cesto, as que havia trazido, largou a roupa dele, pegou as suas. Deu fome. Entrou na cozinha, fez um sanduíche, comeu com uma xícara de café solúvel. Lavou estes utensílios e voltou para perto da lavadora de roupas. Ao chegar perto dela seu calor aumentou e a fúria se revelou. Tirou a roupa suada, embolou e as jogou dentro da lavadora. Tirou o sutiã e  a calcinha, também jogou dentro da máquina de lavar. Não se importou que a sua nudez fosse vista por vizinhos. Na mesma hora mudou de ideia, retirou a camisa e a calça suadas e cheias de poeira e saiu andando nua para o banheiro. Se banhou do pescoço para baixo, não colocou desodorante, voltou a vestir a camisa e a calça utilizadas todo o dia no trabalho. Dia que andou sob um sol forte, vistoriando a obra na qual trabalhava.

        Deitou com a roupa suja. A raiva cedeu, a adrenalina baixou e ela dormiu como se estivesse dopada.

- * -

Ele chegou, disse "Querida", foi logo na cozinha, na certeza de que seu lanche estivesse pronto sobre a mesa. Nada. Teve que fazer. Foi na área de serviço e jogou a roupa suada no cesto. A sua ainda estava lá. Levantou a cabeça e viu no varal, secando, apenas as roupas dela. Se irritou. Saiu dali e foi no quarto, sentiu o cheiro de suor e a viu vestida com a roupa do trabalho.

Seu nariz sensível não gostou, voltou para o armário, pegou outra toalha e tomou banho no banheiro social e foi dormir no outro quarto. No dia seguinte, ela saiu às cinco horas da manhã e fez apenas a sua comida.


- * -

        Uma hora depois recebeu uma mensagem:
- Meu café?
- Faz aí
- Pq
- Acordei atrasada
- Vc nunca acorda
- Hj acordei
- Minha roupa não tá lavada
- Lava aí
- Pq
- Tava com muito sono e minha roupa não pode se misturar com a sua
- O guarda roupa tá uma bagunça
- Arruma aí
- Não tenho tempo
- Nem eu. Tchau querido cheguei na obra

* * *

Bom final de semana,
Marconi Urquiza

sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Era hora de me despedir ... de Afogados da Ingazeira


Havia chegado a hora de despedir dos colegas da agência do Banco do Brasil de Afogados da Ingazeira  e ganhar a estrada.  Dias depois teria que pegar um avião para Tabatinga,  AM.

Voaria pela primeira vez e acharia, lá do alto, que o barrento rio Solimões era um pouco mais largo que o rio Papacacinha em cheia, até vê-lo bem de perto, quando o Boeing 727 da Varig fez um sobrevoou pelo rio para aterrissar no aeroporto de Tabatinga.  Nessa hora ainda balbuciei, se cair vou morrer afogado. Não sabia e nem sei nadar até hoje. Mas me tranquilizei quando o piloto aterrissou como se estivesse passando a mão em um tecido de seda. Assim começava o segundo capítulo dessa aventura chamada de "vida de bancário."

Meses antes, a vontade manifesta e algum destaque no meu desempenho profissional me rendeu um convite de Inejaim para ser supervisor em Carnaíba.  Não seu certo.  Mas a gana e a ambição me movia. Após a frustração de não ter ido para Carnaíba, PE, eu fiquei naquela agonia, farnizim para os do agreste. Queria e não sabia como me encaminhar na carreira.  Aí, em uma das edições do BIP do DESED. BIP, Boletim Interno ao Pessoal, foi divulgada três vagas para supervisor em agências de difícil provimento.  Em resumo,  que ninguém queria ir.

Buriti, no Maranhão,  tinha outra Buriti em Minas e Tabatinga no Amazonas.

Dentro do que era disponível de informações eu me decidi por Tabatinga.  Ter exército na cidade era garantia que haveria alguma estrutura na cidade. 

Quando eu me decidi fui conversar com Dionísio.  O pedido tinha os seguintes campos: FUNCI/ASSUNTO/RAZÕES. Quando cheguei até ele, que era Gerente Adjunto, falei do que desejava, em poucos segundos começou a escrever seu parecer e sua indicação.  Me surpreendi pelas palavras elogiosas e pelo tamanho do texto. Bem maior que o meu. Fax pronto, transmissão feita, ansiedade agoniada por uns dois meses.

Creio que em abril de 1987 saiu a nomeação para Tabatinga. Começamos a nos preparar, aí a chegou a informação de que eu precisava fazer o curso de grafoscopia. Quando o material chegou eu estava de férias, uma semana de curso.  Victor,  bebê, já estava em Bom Conselho na casa dos avós.  

Então todo dia eu ia para agência fazer 5 horas de estudo.  Chegava por volta da 10 horas da manhã e sai, três,  três e meia. Na medida que aquela semana foi passando, meu coração cada vez mais ficava apertado.  Eu fazia uma força imensa para não me emocionar e ainda maior para não chorar.  Mas as lágrimas ficaram uma semana boiando nos meus olhos.

     Chegou o dia de fazer a prova.  Acho foi Daniel Evangelista que me entregou os envelopes com as provas teórica e prática e saiu. Foi cuidar dos seus afazeres.

Hoje,  a sensação é de que naquelas poucas horas eu me tornei invisível.  Eu já me encaminhava para concluir as provas. A pequena mudança residencial já tinha ganhado a estrada.  Eu havia combinado com Cida que ela viesse me pegar perto das três da tarde na frente da agência. 

Peguei as provas respondidas, a emoção fez meus gestos lentos, as coloquei dentro dos envelopes. Olhei ao redor.  Todo mundo estava concentrado.  Me levantei e fui saindo, desci a escada do primeiro andar e olhei para saguão do térreo,  me deu vontade de ir onde estavam os colegas para me despedir, mas senti que me derreteria em lágrimas. De fininho saí,  cheguei na frente da agência do Banco do Brasil e vi nosso carro, ao entrar não tive forças, o choro desceu com força.  Encerrava naquele instante cinco anos e quatro meses de um sentimento de que  vivíamos no meio de uma amorosa família. 

Abraço, 
Marconi Urquiza 

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

CHEVETTE 78, eu em Afogados da Ingazeira

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Quando começou para valer a comunicação do I Encontro de Ex-funcionários do Banco do Brasil de Afogados da Ingazeira, no sertão do Pajeú em Pernambuco, eu fiquei recordando a minha ida para a cidade em janeiro de 1982. 

Lá cheguei em 09 de janeiro e já era noite, tomei posse na manhã de 11 de janeiro, já tendo como a primeira tarefa colocada pelo gerente adjunto Ronald Teixeira decorar a minha matrícula em cinco minutos e voltar até ele para declamar um dos meus números eternos (enquanto eu durar). Lá vai: 6804495X, "Repita rapaz"; 6804495X, ao ouvir pela segunda vez ele disse: "Decore, pois este número vai acompanhar você a vida toda." 

Pois bem, na chegada, no sábado, por volta das sete horas da noite eu tive que ir por um desvio até o centro de Afogados, pois a entrada principal estava interditada por causa do asfaltamento da rodovia. Após pegar o desvio, passei pela AABB e desci a ladeira, de repente eu parei o Chevette, branco, e olhei para a direita e vi uma luz enorme espelhada no "chão". 

Como já vinha desde que anoitecera achando que tinha um fantasma no carro, aquele "farol" me deu uma estranheza imensa. Passei um bom tempo tentando entender o que via, aos poucos eu fui acompanhando a réstia da luz, aquela calda grossa, tornando a luz bicuda de frente para trás, foi então que meus olhos brilharam, eu estava vendo um lindo luar espelhado nas águas da Barragem de Brotas.  Sim, eu vi um duplo e belo Luar do Sertão. Cabe poesia, mas eu vi literalmente e ela foi uma das melhores imagens que a minha memória guardou de todos os lugares em que passei na vida.

Bem, sapequei a primeira no Chevette e fui parar em um hotel perto dos Correios. Papai tinha me dado uma grana e eu havia também economizado uma parte da mesada que ele me dava, tinha um pouco de dinheiro. Havia completado 22 anos. Magro, cabelo grande, cheio de curiosidade e de medo. Seis anos atrás eu havia saído de casa para estudar e agora eu saia de vez do convívio da minha família.

E o Chevette?

Assim que saiu o resultado do concurso do Banco do Brasil, de 1981, eu não fui para Bom Conselho fazer a prova de datilografia. Péssimo datilógrafo eu demorei a fazer a prova. 

Quando estava definitivamente aprovado, com os primeiros papéis assinados com o Banco, meu pai me chamou de surpresa no meio da semana. Cheguei cedo e ao chegar em casa ele me disse: "Vá no Detran transferir o carro para você. Ele agora é seu." Fiz todo o trâmite e voltei para Recife no início da tarde. Pensava no presente, pensava como seria a minha vida dali para frente. Assim viajei 280 km.

Na época eu fazia Zootecnia na UFRPE e tinha dois colegas de São José do Egito, um rapaz e uma moça, irmãos. Não sei como, mas combinamos quando eu estivesse em Afogados iria visita-los em São José do Egito. Já naqueles primeiros dias em Afogados em travei uma boa amizade com Alcyr. Quando fui para visitar os colegas eu chamei ele. 

Logo na chegada em São José do Egito tomamos um susto imenso, fiz uma curva fechada que contornava o campo de aviação correndo um pouco mais que o limite e senti o carro levantar a roda do asfalto. Depois do perrengue, chegamos na casa dos colegas de Zootecnia. Bem, bebemos, bebemos, bebemos até quase acabar o sol.

Na volta, em um daqueles arroubos de bêbedo, com destemor (irresponsabilidade também) e com vontade experimentar que todo jovem tem, eu disse a Alcyr que queria ver até quanto o Chevette dava, pegamos uma ladeira em reta e eu empurrei o pé no acelerador. 155 km/h. Resumo: Chegamos inteiros em Afogados. Deus estendeu a mão sobre as nossas almas.

Quando chegou a Semana Santa eu convidei Alcyr para ir comigo visitar meus pais em Bom Conselho, distante uns 250 quilômetros. Desta vez a gente andou normal. Quando foi no final do domingo de páscoa a gente começou a viagem de volta, na altura de Arcoverde, talvez Cruzeiro do Nordeste Alcyr me pediu para dirigir o carro. Eu fiquei meio enciumado, mas terminei cedendo. Ele pegou o carro e tocou a viagem. Não sei direito que horas era aquela, dez da noite, onze horas, mas a temperatura já estava amena, fria para os padrões do sertão.

Seguimos na direção de Custódia, pois a estrada usual estava interrompida pelo asfaltamento da rodovia de Cruzeiro do Nordeste para Sertânia, tínhamos que pegar uma rodovia estadual que liga Custódia até Sertânia. Aquele trecho do sertão não tem montanhas, é uma estrada com elevações baixas, suaves, como são as curvas. Em certo momento, Alcyr, que vinha dirigindo devagar me perguntou: "O que é isso?" Eu olhei, os faróis de candeeiro do Chevette demoraram a iluminar aqueles vultos negros, mas a imagem se formou e creio ter tido: "Vacas". O tempo vai atrapalhar a minha memória, mas umas dez vacas grandes estavam deitados no asfalto. Na maior tranquilidade, nem se mexeram, contornamos elas e seguimos viagem. Creio que meia-noite a gente chegou em Afogados.

Tempos depois eu emprestei o carro e viajei para Recife. A capotada machucou bem o carro, o salário inicial no Banco do Brasil na época era pequeno. Dava com muito aperto para pagar a subsistência em Afogados e as minhas viagens para ver a namorada em Recife. Encostei o carro na Oficina do Magno e fiquei pagando a ele por mês. Cada mês eu dava uma grana e ele consertava uma parte. Lembro com clareza, que toda vez que eu saia do trabalho passava pela oficina e o via pelas grades, nem tinha coragem de me aproximar dele. Foram vários meses, até que a lataria ficou pronta. Ainda havia que fazer toda a tapeçaria. Que fiz muito tempo depois em Recife.

Bom, final de 1982 meu pai morreu. Em 1983, eu vinha da casa de Cida, hoje minha esposa, e parei o Chevette no Largo da Encruzilhada aqui em Recife. O sinal fechado, e eu planejando trocar de carro com a ajuda de papai, foi quando uma frase veio à minha mente: "Ele não está mais aqui." Adormeci a ideia e acordei para a realidade daquela circunstância.

Em meados de 1983 eu recebi a minha parte da herança dele, um pouco de dinheiro, uma parte de uma casa. Gastei mal, troquei o velho Chevette por um Passat usado. 

Muito meses depois eu me encontrei com o dono da loja onde havia trocado o Chevette pelo Passat e ele olhou para mim e quis confirmar apenas o que já sabia: "O teu carro foi deitado, não foi?" Dei um sorriso chocho e confirmei. Bem, foi a última vez que ouvi falar daquele Chevette 78. Um brinquedo de adulto que eu fazia questão de lavar e encerar semanalmente. 

Abraço e bom final de semana.

Marconi Urquiza





sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Culturas de uma América desconhecida

    

 Em maio do ano passado fiz uma visita ao Museu de Arte Pré-colombiana em Santiago, no Chile.

     A grosso modo, as minhas lembranças em relação a América do Sul estavam nos Incas, como se este grupo fosse organizado como um estado, fosse a única cultura da região andina.

      Outro grupo organizado como um estado e cultura própria que me veio rápido à minha mente foram os Astecas, no México. 

     Por causa dos filmes, lembro dos indígenas norte americanos: Siouxs, Apaches, Cherokees, entre outros, cheios de roupas estilosas.

     Volto para a América do Sul,  no Brasil com algum destaque está a cultura Marajoara, mas bem menor que as culturas que estiveram do lado do Oceano Pacífico na América do Sul.

     Mas uma terceira cultura,  imensa, até hoje misteriosa: são os Maias no América Central e do Norte,  no sul do México.

     Terminada esta pequena relação de culturas, veio o choque da minha ignorância enorme no tocante à quantidade de culturas que estiveram e estão no lado andino da América do Sul. Pelo menos trinta culturas estavam com as suas artes ancestrais representadas no museu.

     Artefatos de argila, de cobre,  de ouro,  de prata, de pedra,  de madeira, de pinturas, instrumentos musicais, roupas, muitos tecidos, peças cerimoniais e até múmias foram apresentadas, entre tantos itens que compõem o museu. 

      Tais culturas,  muitas desapareceram com a chegada dos espanhóis, outras foram assimiladas por outros povos, outros ainda estão por aí,  provavelmente uma minoria com a sua cultura ainda plena, como os Mapuches do Chile.

     Olhando com os olhos de agora, vejo que havia uma riqueza cultural imensa na linha que vai do sul do Chile, passando pela América Central até o México.

     É uma diversidade cultural que remete ao presente, onde muitos não aprenderam a considerar como é  importante haver culturas distintas da própria, realidade que enriquece  as nossas próprias vidas. 


Abraço e bom final de semana. 

Marconi Urquiza 

     

    

O poder revela ou transforma uma pessoa?

  imagem: Orlando/UOL.            Um papo na última segunda-feira entre aposentados do Banco do Brasil que tiveram poder concedido pela empr...