sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Almoço de graça?

O QUE LHE ATRAI NESTE ANÚNCIO?

Há muitas pessoas que são altruístas, outras que compartilham quando estimuladas, várias quando algum fator interno se move e a pessoa começa a desejar dividir o que crer ser o melhor de si. De certo modo isto ocorreu comigo. 

Quando em completei 25 anos de trabalho comecei a imaginar, o que vou fazer com toda essa experiência, morrer comigo? Foi um período de muita reflexão. Eu pensava como levar parte disto para meus filhos, compartilhar com eles um pedaço dessa vivência e dar-lhes alguma coisa que os fizesse amadurecer mais cedo. 

Também comecei no trabalho a tentar compartilhar o que sabia, alguma cultura pessoal e, principalmente, da cultura da empresa para meus colegas. Algumas vezes eu ficava imaginando que a gestão de conhecimentos que a empresa fazia apenas captava o que se sabia pelos canais oficiais, o que corria de vivência pelos corredores, papos informais que viralizavam, não chegava a esse núcleo gestor.  Hoje, penso, que foi por causa das deficiências da comunicação, no processo e não dos meios, dos filtros cognitivos, do comportamento que se revelava arrogante, de se achar dominavam este saber, ou de algum modo pela ânsia de influenciar e sobretudo pela incapacidade de ouvir e sentir. Tudo isto, entre muitos outros aspectos, que diminuíam a captação da experiência real no trabalho. 

Nesse intuito, de fazer certas experiências ganharem maior repetição, nos termos de hoje, viralizarem, eu vi vários falsos esforços em compartilhar experiências bem sucedidas, digo falsas, por que o que era transmitido apenas tocava na parte final, o resultado "fenomenal", sem trazer o contexto, tão importante para uma adaptação por outros profissionais a situações reais de trabalho.

Com o passar do tempo compreendi que era para ser apenas isso, dizer, por meio subliminar, que aquele sucesso deveria ser seguido, que todo mundo deve trazer os mesmos "números",  e, infelizmente, como isto deu vazão aos "milagres de desempenho". Como deu vazão a rios cheios de falsos números. Mas quem se importava? Este perfil estrito tem similaridade com o que se vê na internet nos dias atuais.

Saindo desse mundo restrito e caindo em um, em que a tecnologia vai desempregando com a velocidade de um carro de fórmula 1 e vai jogando levas de pessoas que viverão com renda menores, subempregados, trabalhos avulsos e que provocarão na economia uma concentração de vendas de produtos mais elaborados para um grupo cada vez menor de pessoas. Não vou me aprofundar nisso, mas para amenizar, ajustar e oferecer alternativas, que o capitalismo voltado para si mesmo não consegue, precisamos do Estado.

Pegando o gancho sobre este curto parágrafo em que citei a tecnologia. Pois bem, por interesse, curiosidade e desejo de conhecer mais, eu comecei a estudar sobre uma face específica que a tecnologia da informação dispõe: o marketing digital. Há muita gente compartilhando o que sabem. Há todo tipo de perfis, os genuínos em ajudar, outros para ganharem a simpatia e reconhecimento, muitos apenas para experimentar e há, os negociantes, os profissionais.

A razão desse interesse foi, após concluir um livro, a preocupação em ter leitores. Era como se fosse uma vacina para a frustração dessa perspectiva de não ser lido. Em uma visão otimista, ter 1000 leitores; sendo realista, 100; no desejo megalomaníaco, 10.000. 

Por causa disso comecei a tatear, nos primeiros trinta dias o esforço foi em vão, pois eu não sabia o que procurar. Fiz um curso, Textos que Vendem Livro, depois fiz outro que tratava do Storytelling, achei um curso no Senac, também EAD, mas ao vivo e à partir daí eu comecei a ter um direcionamento. Comecei a transformar uma picada em um caminho, agora estou tentando chegar na rodovia.

Por exemplo: CANVA (www.canva.com.br) é uma plataforma de compartilhamento de criações - parte gratuita, parte paga - para Facebook, Instagram, anúncios, blogs e toda gama de veículos onde as pessoas podem se apresentar nesse mundo digital. 

Se houver necessidade, tem muita gente que divulga seus trabalhos de graça, outros que "monetizam". Isto é: se o que a pessoa postar tiver seguidores e audiência, ela pode ganhar com isto. Não são remunerados de imediato, primeiro compartilham centenas de vezes. Até tem muita coisa útil, mas há também armadilhas. 

Nessa busca para aprender como dizer e ser ouvido: "Olhe, sou escritor, meu nome é Marconi e meu livro é tal!". Nessa tentativa, no início de setembro ocorreu comigo uma habilidosa indução e só não tive a despesa porque o cartão bloqueou a minha compra de um curso. Importante, só vi depois que ele não serviria para os meus objetivos. O que aconteceu foi que eu entrei  para ver uma série de lives sob o título Maratona do Escritor (*).  Nelas uma consultora do mercado editorial e de marketing pessoal falaria de graça como poderíamos vender nossos livros, sermos um escritor de sucesso. 

Quatro noites. Na primeira, bom conteúdo, da segunda em diante a argumentação mudou e o conteúdo que interessava foi sendo cada menos oferecido, até que no final do quarto dia!!! Booom!!! Estava caído em uma espécie de armadilha. Estes quatros dias haviam criado em mim um desejo imenso de ser bem sucedido e o toque final para isto era comprar o treinamento, que começou a ser citado já no segundo dia e que finalmente foi oferecido, com desconto, no final do quarto dia. Tudo isto depois de criar uma expectativa crescente em todo o período. Tudo muito inteligente, bem aplicado e bem articulado.

No dia seguinte, não ocorreu a comum frustração de se achar que foi convencido a uma compra que não atenderia à necessidade. Bem, só o acaso não me fez comprar o curso e à partir daí eu comecei a pensar que é preciso conhecer melhor o que rola na internet e ter algum foco específico nesse mundo das redes sociais e seus negócios agregados, para não gastar os recursos de modo ineficaz. Isto ocorreu comigo em outras circunstâncias, agora estou usando essa experiência para quando eu tiver certeza do caminho a ser trilhado e poder empregar bem a minha grana curta. 

O marketing digital e os negócios da internet em geral pode ser um caminho para curiosos, mas não um caminho para amadores, pois o curioso vai achar o que deseja, o amador vai cair na mão de espertos experts, que usam as nossas próprias carências e deficiências para nos induzir a uma decisão que tende a não agregar tudo que desejamos ou, nada agrega.

Lembrou do anúncio no início da crônica? 


Abração, Semana Iluminada.
Marconi Urquiza




Sobre imagem de abertura. Criei no www.canva.com.br especialmente para esta crônica.








Veja este vídeo:
Narração de uma processo enganador, leia os comentários no link abaixo:

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

A MÁSCARA, será?

 

Preste atenção nos olhos das pessoas acima, quando terminar a leitura volte a observá-los.

Eu não sei se você é dado a prestar atenção no mundo, naquelas coisas que de tão corriqueiras não chamam mais a nossa atenção. 

Penso que a máscara agora não é mais estranha, ninguém olha mais para o outro com estranhamento, acho que se estranha quando vemos alguém não utilizando a sua, na realidade recifense. 

Pois bem, um amigo sugeriu escrever a respeito. Para não cometer a suprema indelicadeza para quem sugeriu o tema, não vou chutar o nome, mas agradeço de antemão. 

Bem, quando recebi a sugestão de olhar as pessoas mascaradas eu demorei iniciar a observação, tanto rememorando os encontros pessoais, quanto nos encontros nos quais passei a ter mais atenção.

Então no começo dessa semana eu me lembrei da sugestão e comecei a prestar atenção nas pessoas usando máscaras.

Deixa ver meus pontos de observação, somando-se os casos de memória ao desta semana: Lava-jato, duas vezes; supermercado, duas vezes; academia, quatro vezes; farmácia, uma vez; clínicas e laboratórios, quatro vezes; fisioterapia, quatro vezes. Andar na rua, dezesseis vezes. 

Voltei a fazer os exames de rotina, que estiveram retidos. São nesses ambientes onde ocorrem as maiores concentrações de pessoas, em termos de proximidade e de circulação de ar. Quase todos os locais foram projetados para ter ar condicionado, então a circulação do ar natural é bem restrita.

Um mês atrás, creio que no sabor da sugestão recebida, ao acordar, veio-me a ideia de escrever um conto, mas um conto a gente inventa uma situação. Observar a realidade dá mais trabalho, exige mais sensibilidade e saber o que se quer buscar. No nosso caso, os olhos, já que grande parte do rosto está coberta pela máscara. Como se sabe, o corpo fala, ele é tão expressivo quanto a voz, quanto os olhos. No meu caso, é mais difícil observar os sinais do corpo, alguns são mais fáceis, por exemplo: notar uma pessoa tensa, mas de modo geral não capto bem as suas mensagens.

Por um desses apertos da vida, eu comecei a prestar muita atenção nos olhos e nas expressões faciais das pessoas com as quais eu conversava. Hábito que se reduziu quando me aposentei, perdi muito da minha acuidade. 

A máscara, essa nova indumentária para o brasileiro, que se somou, neste momento, aos demais itens que vestem o corpo.

A diversidade de cores, modelos, tecidos, a variedade de máscaras é enorme. Tem gente que não faz a higienização das suas, vão acumulando. Algumas cores, as escuras, permitem à pessoa repetir o uso várias vezes, pois a sujeira demora a aparecer, quebrando o princípio fundamental para o uso de uma: a proteção; também pela higiene da mesma.

Algumas pessoas começaram a combinar as máscaras com as roupas, com a maquiagem, com o penteado, transformando-a em item de moda. Isso é muito legal, se vier acompanhado do cuidado com a sua higiene.

Várias pessoas não se adaptaram, e a que se deve? Tipo do tecido que não deixa a pessoas respirar bem? Especialmente os tecidos elásticos. Outro ponto, o modelo, o tipo do elástico que machuca a orelha, o tamanho, maior para o rosto, que faz a máscara arriar e as pessoas a colocam na posição pegando na parte frontal e não nos elásticos.

Tem um aspecto danado, nessa falta de adaptação:  a falta de aceitação do óbvio. 

Sabe, dias desses eu fui fazer uma reclamação na academia e ao falar os olhos da atendente brilharam, interpretei que ela havia absorvido a minha queixa, pois a empresa tinha lançado um aplicativo e eu não estava podendo usar por causa do meu cadastro desativado. Pedi, voltei uma semana depois e o cadastro continuava desativado. 

Erguer as sobrancelhas, olhar de lado, os olhos escurecem, ou não têm expressividade nenhuma e etc. Agora é possível observar melhor, mas creio que não ocorra com facilidade, pois estamos ainda presos aos aspectos de observação de antes da pandemia. Um sorriso bonito é sempre cativante, mas muitas vezes ele não chega aos olhos, fica ali mesmo, só nos lábios.

Mas esse amigo que sugeriu este tema, por ser dado a tiradas bem humoradas, disse que agora todo mundo é bonito, pois a máscara esconde a parte feia do rosto. 

Será?

Olhe a fotografia,  veja as diferenças nos olhares.  Se notar,  comente. 

Abração, 
Semana Iluminada.

Marconi Urquiza

Link da fotografia de abertura


sexta-feira, 16 de outubro de 2020

A RAINHA ESTÁ NUA - André do Rap

       

"Quem é o culpado? Naturalmente é o bandido por praticar crimes."

Na última terça-feira acordei querendo escrever sobre a soltura do traficante André do Rap. Os comentários à princípio criticaram o ministro do STF Marco Aurélio Mello e ainda continuam. Depois os comentários foram dirigidos ao relator da matéria, da lei anticrime, que se se desculpou dizendo que não era para soltar traficante ou bandido perigoso ou notório. Depois a crítica foi para o Presidente da República por não ter vetado o artigo 316 do Código Penal.

Agorinha eu pensei no mais artificioso e repetido dilema: "Quem nasceu primeiro, foi o ovo ou foi a galinha?" Quem criou o artigo, quem aprovou, quem não vetou e quem aplicou o artigo em um caso concreto?

Quem é o culpado? Naturalmente é o bandido por praticar crimes.

Ao se colocar o artigo na lei anticrime, eu imagino que o deputado relator e os que aprovaram pensaram em si mesmos. Ouso alegar que eles estavam ressabiados dos abusos ocorridos durante a Operação Lava-Jato. Das prisões preventivas intermináveis para forçar uma delação premiada. Só que a lei, para ser JUSTA, deveria ser aplicadas para todos e neste caso, o dano colateral estourou com a soltura do André do Rap. Segundo notícia do G1, o ministro Marco Aurélio já havia aplicado o artigo 316 do Código Penal em quase 80 casos.

Também se falou que o traficante tem duas condenações em segunda instância e que deveria está preso, não estava por causa de um artigo da constituição que o impede. 

A interpretação, de ontem, do STF, é que a soltura do preso  com base no citado artigo não pode ser automática. 

Creio caber outras considerações:
- Quantas pessoas estão presas com prisão preventiva a mais de 90 dias, cujos processos estão dormindo o sono dos mortos nas gavetas e arquivos físicos ou virtuais dos juízes? Ou do Ministério Público?

Vamos mais:
- E se o solto fosse um bandido chinfrim?
- E se o solto fosse um político sem influência?
- E se o solto fosse um inocente sem recursos?

Nestes exemplos ou outros  correlatos, haveria tanta repercussão?

Nestes dias em que o assunto anda em evidência, eu ouvi outro aspecto dessa quadra de gritas e reclamações. Se não interpretei errado, eu ouvi um entrevistado na tevê dizer que seria demais para a agenda dos juízes tomarem conta de todos os casos de prisões preventivas e também darem conta da agenda "normal". 

Com isto eu pensei em algumas hipóteses:
- Os casos são tão, assim, numerosos que tomaria a agenda dos juízes?
- Se são, assim numerosos, então a organização dos trabalhos está falha? 

Uma coleta sistemática em uma agenda eletrônica dos casos daria ao juiz todos os casos para tratar, - ou isto já faz parte da cultura jurisdicional brasileira, o uso da prisão preventiva e nela permanecer, mesmo quando as provas não são apresentadas ou são insuficientes? 

Mas ontem descobri a razão de se poder tornar a agenda inadministrável para as prisões provisórias, é que ela são 32% de todas as prisões realizadas no Brasil, segundo o secretário do sistema penitenciário de Pernambuco, Pedro Eurico*. Segundo ele, 250 mil presos deveriam ter seus processos revistos a cada 90 dias, até que as suas prisões se transformassem em soltura ou presos condenados. Usando a expressão do secretário: Prende preventiva e deixa o cara mofando na cadeia.

Depois de tantas indagações eu fiquei refletindo sobre todo o contexto. Não vi em nenhum lugar que houve uma motivação extra, do tipo subliminar, para o ministro Marco Aurélio Mello ter decidido sobre a soltura do notório traficante. Mas, sem dúvida, foi a sua notoriedade, o seu poder, a sua capacidade financeira e de articulação é que provocou toda esta discussão. Bandido do baixo clero nem daria aquela coceira discreta no saco.

Outro fator, de minha livre manifestação, é que o que ocorreu foi uma lição para todos. O ministro, pode não ter desejado, mas mostrou que a lei tem falhas, mostrou também que há defeitos no sistema judicial em manter sem nenhum andamento, sem nenhuma atenção, muitas ações criminais, justas ou injustas. Mostrou, querendo ou não querendo, que o assunto merecia atenção das autoridades judiciais e da sociedade, e foi o que ocorreu. 

Revelou, para quem quiser ver, minúcias do sistema judicial criminal brasileiro para que haja uma atenção plena para as execuções penais, pois tem muito preso que deveria ser solto e, estão presos, tem crime que poderia ser punido com penas alternativas de pequeno delitos e há a prisão, compulsória na nossa cultura.  Sem esgotar o tema, realidades que o sistema judicial e o estado brasileiro deveriam cuidar adequadamente.

Enfim, eu torço para que a justiça seja justa e que as imperfeições sejam corrigidas em um processo de melhoria contínua.

Este caso mostrou que a rainha está nua.


Semana Iluminada,
Marconi Urquiza

Noticiário a respeito:

Marco Aurélio mandou soltar quase 80 presos usando o mesmo critério de André do Rap. 

Promotor diz que a fuga de André do Rap era esperada e critica Marco Aurélio

(*) PASSANDO A LIMPO - Parte final do áudio  - Após o minutos 40.

(*) Passando a Limpo, Super Manhã, Geraldo Freire. Rádio Jornal FM, 90.3 - Recife (PE).


sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Cheiro de pão francês







Dia 02, ao passar à noite pela frente da padaria da frente de casa, me surpreendi, ela havia se mudado.  Perdi o cheiro de pão sendo assado que eu sentia do apartamento, quando vento mudava de direção. 

Adoro e evito comer pão.  Gosto tanto de pão que já  comi pão como tira-gosto da cerveja. De pão assado na chapa nem se fala. Do pão faiscando na manteiga, Deus do céu!!!

Tem horas que eu vou na área de serviço e vez por outro sobe do apartamento do andar debaixo o cheiro do pão na chapa e não tem uma vez que não comento com minha esposa: estão assando pão no apartamento do João. 

Tanta afinidade com pão,  francês, principalmente,  me fizeram o favor de comprar uma passagem para a estrada da saudade.

No final dos anos 1960, Delzuite Tenório abriu uma padaria em Bom Conselho.  A farmácia do meu pai ficava a uns 50 metros dela e toda tarde eu ia para lá ajudar nos negócios. 

Depois de um tempo, a simples compra de um pão virou quase um vício,  duas e cinquenta da tarde eu me levantava e caminhava para a frente da farmácia. Lá,  como se tivesse bisbilhotando a rotina lenta da cidade, eu ficava de narinas bem abertas.  Só esperando o cheiro do pão quentinho escorregar pela ladeira e me chamar. 

Quando o cheiro invadia a minha alma, eu saia baixeirinho, naquele galope miúdo e sincopado, para comprar o pão e, ansioso, dar algumas pernadas ligeiras para me debruçar sobre a mesa da minha casa e aproveitar o pão quente derretendo a manteiga.  Dois pães,  vinte minutos,  e eu voltava para a Farmácia Confiança contente.

Tem um detalhe que não sei até hoje: se era pão com manteiga ou manteiga com pão?

Por hoje,  vou de café coado e pão  quentinho. Que tal saborear?

Grande abraço, Semana Iluminada. 
Marconi Urquiza 


sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Você se lembra?

 



O expediente se encaminhava para terminar quando Marco Antônio viu se aproximar da sua mesa Genilton, que sentou e puxou conversa. Como faltavam cinco minutos para Marco Antônio dar saída no ponto e ele ficou ouvindo o seu colega falar.

Às vezes gostava de conversar com Genilton, mas quando o assunto era sobre política ou futebol, evitava. Tempos atrás, ao fazer um comentário de uma notícia na internet sobre um político famoso, se surpreendeu com a agressividade do colega, desde então apenas ouvia, quando dava, mudava de assunto. 

Foi o que ocorreu naquela tarde, com o papo sendo chato, sem querer opinar e nem expulsar o seu colega da sua mesa, Marco Antônio estava para fazer cara de paisagem quando sentiu que Genilton havia esgotado os assuntos do momento. Achando que a sua história caberia na conversa de ambos, ele começou:
- Sabe, na semana passada eu recebi aqui no trabalho um xará, Antônio, só Antônio. Ele sentou aí onde você está, se apresentou, melhor, disse que era amigo do chefe. Mostrou o seu álbum de fotografias do seu trabalho. Rapaz, eu estranhei as roupas coloridas.
- De palhaço?, - perguntou Genilton.
- Não. Poderia ser ... – e Marco Antônio parou de falar, pensava.
- De palhaço Marco? Só pode ser.
- Não, de Drag Queen.
- Drag Queen!!, - Genilton falou tão devagar, o estranhamento do exotismo da profissão de Antônio só não foi maior, por que ele via vez por outra um na tevê.
- Pois é. Nem deu tempo de pensar em algo, ela já foi contando o seu problema ...
- Qual problema esse bicha tem? Não é para ter nenhum.
- Mas tem ...
- Ignora, irmão. Ignora.
- Não consegui ...
- Você tem o coração mole. Mole demais.

Marco Antônio olhou para Genilton já arrependido de ter falado, mesmo assim sustentou o olhar de condenação do seu colega de trabalho. Cuidadoso, escolhendo as palavras, falando com um tom de voz ameno, disse:
- Genilton, eu tinha que ouvir. Olha, no estado dele, dez reais para mim não custa nada. Nada. Nada ...
- É que você é rico, mas também é muito besta!

Marco Antônio já tinha resolvido parar aquela conversa com Genilton. Estava procurando a palavra mais educada para interromper o papo, que havia se tornado desagradável, mas de repente Genilton mudou de tom, já crítico, rosnou:
- Você gosta é de bicha! Não é?

Marco Antônio ia levantando, foi quando se lembrou que estava na sua própria mesa. Por muito pouco não disse: “Meu velho, levanta daí que você não é bem-vindo!”

A expressão de Genilton era agressiva, até arrogante. Marco Antônio viu, mas fixou o pensamento em uma conversa diferente daquela.

Esperando uma resposta ríspida, que não veio, Genilton, ao não ver alimentada a sua vontade de brigar, relaxou, nisso Marco Antônio voltou a falar:
- Genilton, dia desses um cliente sentou na minha frente e começou a conversar.
- Eu sei, você tem paciência.
- Aí esse cliente me pediu socorro. Não tinha forças para subir essa escada.
- Lá vem você com seu coração bondoso, - disse Genilton, irônico.
- Eu chamei Zezé e ele desenrolou, - desta vez não houve réplica. 
Marco Antônio continuou:
- Sabe, um mês depois ele voltou, mas dessa vez não pediu ajuda.
- É capaz de ser o tal de Drag Queen.
- E ele contou uma história linda. Disse que um dia estava na aula quando uma colega chamou parte da turma para rezarem juntos.
- Agora vem você com religião.
- Pois bem, ele disse que durante mais de mês ele rezaram no intervalo do recreio a favor de um colega, que ele não tinham tanta intimidade.
 
Nesse momento, Genilton tinha parado de se mostrar irritado e prestava atenção.
 
- Sabe, Genilton, eu fui ficando acanhado com a fé dele. Teve uma hora que eu disse que não era de rezar e ele disse, sorrindo: “Olhe, não se preocupe, eu rezo por você e por mim”. Sabe, eu dei um sorriso chocho. Chocho demais. Nisso ele já tinha se levantado e foi no cafezinho, quando voltou veio trazendo um para ele e outro para mim. Tomamos, então perguntou: Onde eu estava?
- Falando da oração para o colega, - respondeu Genilton.
- É verdade. Foi quando ele disse que quase dois meses depois, aquele colega voltou curado e depois de uns quinze dias ele se aproximou do rapaz e disse a ele: “Nós rezamos toda noite quando você estava em doente.”

As rugas de contrariedade que existiam no rosto de Genilton foram suavizando, ficaram apenas as dos anos, então ele deu uma fungada e disse:
- Era para mim. Esse homem é o Drag Queen?
- É.
- Eu não agradeci. Onde ele está?
- Morreu ... estava bem doente. Pegue esse papel, ele deixou esse poema que um amigo havia feito naquele tempo.

Genilton pegou, desembrulhou o papel amarrotado como quem abre um pacote de pão e se pôs a ler:
Muitas vezes nos
damos por vencidos
ao ouvirmos
de alguém um
diagnóstico.
Porém Deus nos
prepara o prognóstico
Atendendo com amor
nossos pedidos.
Os problemas são
todos removidos (no áudio errei e gravei resolvidos)
quando a fé se torna
cristalina.
E a resposta que
vem da mão divina
nos devolve por inteiro
as emoções.
Ao notarmos que
nossas orações
Alteram as razões da
medicina.
Genilton baixou o olhou e viu: 
Ass. Ademar Rafael Ferreira
 
Então Genilton olhou para Marco Antônio e apenas disse:
- Não sei o que dizer.
- Depois que ele saiu de vez da vida, eu só penso nele assim: Meu amigo, um certo Antônio, - falou Marco Antônio.
- É, - disse Genilton, e o silêncio se fez ouvir.


Grande abraço, Semana Iluminada
Marconi Urquiza

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Inspirador de personagem

 

                              
Quem aprende
prevenir
nunca vai remediar.
Quem não amola a
foicita
Pouca cana vai cortar.
Ao caminho fique
Atento
Pra não gritar por São
Bento
Depois que a cobra
picar.

(Por Ademar Rafael Ferreira)

Sabe uma daquelas perguntinhas que coloca a gente para pensar? Foi o que me ocorreu, quando me perguntaram como eu havia criado os personagens do romance  A Puta Rainha

Pois bem, meses atrás conversando pelo Instagram com uma leitora prévia do romance, ela disse que assim que tivesse oportunidade queria conversar sobre os personagens do livro, como os havia criado. A pergunta me fez pensar, eu criei mesmo ou foi a intuição que me conduziu? 

No início confesso que fui tudo intuição. Tudo saiu de supetão da minha mente.

Quando pensava nessa crônica, eu recordei de um livro de Mário Vargas Llosa, cujo título é: Cartas a um Jovem Escritor. Em certo trecho deste livro ele observa que toda ficção começa autobiográfica. Em miúdos, um escritor começa um livro à partir de um ponto da sua própria vivência.

Não fugi a esta regra. Eu comecei A Puta Rainha por causa uma lembrança que me deu o motivo e o impulso naquele início*. Durante semanas esse impulso me conduziu, a história parecia que era ditada, no entanto, em certo ponto dessa trajetória da criação do livro eu me vi perdido, sem saber como encaminhar o livro para o final. 

Então, em certo dia, eu fui para a Livraria Cultura do Paço da Alfândega, aqui em Recife. Agora fechada. Saí zapeando entre as estantes e em um dos móveis, que expunham as capas dos livros, eu vi A Jornada do Escritor (Christopher Vogler). Comprei e fui ler, na medida em que lia, eu fui remoldando a narrativa. Nesse livro descobri que um bom personagem, além de um conflito que precisa resolver, precisa de um mentor.

O mentor, também um personagem de ficção, que tem a função de ajudar  o personagem principal a ser forte, valente, superar a si mesmo, superar as dificuldades e chegar no fim do livro diferente. Bem, tudo isso dentro de uma lógica chamada de verossimilhança, e que significa que tudo que está escrito no livro parece ser uma história verdadeira. Olha!!

Imagine amigo, pense no dilema. "A mentira" precisa ser bem contada, se a narração parece irreal pode cair no descrédito e o livro fracassar. Agora imagine, um escritor cair em uma situação de descrédito na era do cancelamento, das redes sociais viralizando tudo.

Com base no livro de Vogler eu comecei a pensar em um mentor para Dora. No perfil de uma pessoa que fosse capaz de dar um rumo para uma jovem de 14 anos.

Matutei, matutei para lá, para cá, passeie pelas minhas lembranças, pelas dezenas de livros que li, pelos exemplos do livro A Jornada do Escritor, até que um dia acordei pensando em um, o Coronel Zélio.

Veja o que ocorreu. 

Nos primórdios do site Estante Virtual eu fui à caça de um livro antigo que tinha ouvido falar, de um uma pessoa real da nossa cidade - Bom Conselho. Uma liderança política que se manteve ativa mais de 50 anos, até falecer aos 84 anos. Essa pessoa era o coronel Zé Abílio - José Abílio de Albuquerque Ávila. Ao caçar, eu achei dois exemplares do seu livro: Um Coronel do Sertão. Era a sua autobiografia. Em 2010 eu li o livro, há uma frase nele que me soou  como um aviso que o coronel dava aos seus desafetos: Não adianta o cabra gritar por São Bento depois da cobra picar.  Achei tão significativa que incorporei no romance A Puta Rainha.

Por causa da leitura desse livro eu comecei a lembrar de um monte de comentários sobre o coronel Zé Abílio, da sua inteligência agregadora, da sua liderança pessoal e política,  do seu jeito ardiloso de fazer as campanhas, do seu famoso cafezinho das cinco horas da tarde, mantido toda a sua vida. Aí, aos poucos, com base nesse personagem histórico eu comecei a imaginar quem seria o mentor para Dora, então fui construindo-o na medida em que escrevia, assim surgiu o Coronel Zélio. Ele não é o espelho do coronel Zé Abílio, mas tirei dele, o que mais me impressionou, a sua sabedoria de vida.

Bem que eu poderia incorporar uma chamada bem humorada para quando o coronel Zélio mandasse um aviso, frase costumeiramente dita pelo Padre Arlindo de Tamandaré quando encerra os seus vídeos: Mas menino! 

Pois então!

Mas menino!
Ao caminho fique
Atento
Pra não gritar por São
Bento
Depois que a cobra 
picar.


Mas menino!
Semana Iluminada.
Marconi Urquiza


     

Coronel Zé Abílio          Um coronel do Sertão

* Entenda lendo a última crônica: 










sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Escritor .... Hum !!!!!


Capa de Milena Carvalho

O ideal nesta vida
É poder filosofar
E com imaginação 
Aprender e ensinar.
Jamais ficar deprimido 
Em tudo buscar sentido
Ser dinâmico sem surtar.
(Por Ademar Rafael Ferreira)

Algumas vezes fui perguntado o que eu sou nessa quadra da vida e após juntar a coragem do mundo, eu disse:
- Sou escritor. 
Alguns olharam e não disseram nada, outros exclamaram:
- Ah! Escritor! ... Hum!!!

Escritor por aqui, é como sonhar em monetizar o impossível, por isso quero compartilhar essa fascinante aventura de fazer da imaginação o dia a dia e não perder  o juízo.

Há quase um ano venho adiando o lançamento do livro A Puta Rainha, sonhando com o impossível, sonhando que um editora de porte de uma Companhia das Letras se interessasse pelo livro. Não tinha ilusões, mas tinha a esperança do verbo esperar, agora estou transformando a esperança para o verbo esperançar. Resolvi agir. Meses atrás criei uma marca: Galo Prosador e ela foi contestada pelo Clube Atlético Mineiro. Desisti dela e criei outra: Prosa Books, imaginando ir além. Vamos ver o que vai dar.

Diante do dilema de me dedicar durante quatro anos ao livro e o risco de não ser lido, me vi tentado a estudar como fazer o lançamento e a sua divulgação nas redes sociais. Sou modesto nas minhas expectativas, a leitura do livro por alguns amigos deu-me a convicção que há uma boa história para o leitor, com um personagem interessante. Mais de um, na verdade.

E a divisão do livro? Em capítulos, com partes, sem partes, e a escrita, como começar o livro, as primeiras frases, como encerrar o livro. Se o cara não cuidar, fica uma viagem que se sabe como começa e não se sabe qual destino que ela vai chegar. Em suma, escrever o fim do livro: é tão difícil quanto começar.

Nessa aventura, cujo custo mais barato foi o meu tempo, foram horas de pesquisa, dinheiro gasto em alguns cursos mixurucas, horas em lives que me enganaram nas boas intenções, queriam me vender outros cursos. Achei uma consultora, que não me consultou em nada, disse o que eu já sabia. Frustrei-me com ela. 

Um escritor auto publicado, é antes de tudo um belo sonhador, é por conta do seu sonho, um empreendedor em potencial. Por causa dos custos de arrumar um livro, para tê-lo pronto para o leitor apreciar, eu decidi fazer tudo sozinho. Então fui aprender, pedi socorro, gastei o couro sentado em busca de entender como deve ser um livro de qualidade. 

Levei muitas horas, muitos dias para escolher a melhor tipografia, digo, a melhor e gratuita fonte e fazer a capa? Não deveria dizer, foram três meses. Três meses para acertar um esboço que me parecesse profissional, só pareceu. Mais estudo. Imitação, peguei uns dez livros com edições caprichadas por editoras de renome e fiquei olhando como ele faziam. Aprendi alguma coisa e copiei demais.

Achando que o livro estava pronto, imprimi um enorme catatau de quase 400 páginas de papel A4 e pedi para cinco amigos lerem. Depois de alguns dias, eu fui reler, estava tão ruim, mas tão ruim, que eu compreendi ligeiro que a falta de feedback era a péssima qualidade daquele texto gigantesco.  Então voltei a trabalhar no livro, sabe, tive um desespero. Mas uma alma bondosa corrigiu 152 páginas e me fez entender, que tudo o que tinha imaginado precisava de muitas "vírgulas" para virar uma história apreciada.

Eita, é agora, esse agora foi em novembro do ano passado, agora vou lançar! Parei, descobri que estava cansado do livro e ele ainda não estava pronto. Ainda assim fui aprender a usar o site KDP, da empresa Amazon, para publicar como e-book. Foi só o começo. 

O livro como experiência de uma boa leitura, ainda estava longe. 

Tentei ser eu mesmo o revisor, o copirraite, o leitor crítico. Toda a cadeia de produção de um livro, faltou uma coisa, ser o diagramador, além de ser seu próprio editor. Capista! 

Se o ser não for dotado da extrema autoconfiança ou um rematado arrogante, ele vestirá a insegurança como segunda pele. No meu caso, acho que já virou a quarta pele. 

AÍ veio a pandemia, tudo que era gasto extra foi sendo reduzido e sobrou algum dinheiro no orçamento, que andava apertado. Quando vi a sobra, contratei duas professoras de português especialistas na Leitura Crítica e na revisão e copirraite. Bom, agora eu tinha o livro arrumado.

Voltei para treinar as capas, nessa altura o livro original tinha virado, três, voltou a ser um, e já tinha terminado um romance iniciado em 1999 e escrito um livro com 22 contos.  Mas o dilema continuava e continua: Como promover o livro para que os leitores se interessem por ele?

É agora sair da criação de uma história para criar um plano de ação para promover o livro, ampliar meu horizonte de criador para o de empreendedor, de certo modo retornarei ao horizonte que me vestiu durante mais de 23 anos como gestor do Banco do Brasil, planejar como vencer os objetivos e executar as ações para que eles sejam superados.

Agora estou esperando o orçamento de um profissional de marketing digital, se não couber no bolso, agregarei mais uma função ao meu ofício recente de ser escritor, o de marqueteiro digital e aí incluirei na minha Bio no Instagram: escritor, capista, diagramador de livro e marqueteiro digital de livros. Como no real, a nossa unicidade como pessoa é cheia de facetas, ganharei essas de quebra.

Serei uma pessoa com um "moi" de personas. Bem, falar disso, fica para outro dia, é melhor me concentrar em D. Santinha, em Dora, no Coronel Zélio, Antônio Carlos e outros personagens que estão doidos para se apresentarem aos amados leitores.

Abração, Semana Iluminada.

Marconi Urquiza





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