quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Reflexões de uma conversa

       


        Estávamos viajando, um dia ruim, pois íamos  para o velório de um tio. Viagem comprida, 4 horas na estrada. Assunto rareando, se repetindo e em certo momento a pessoa que viajava comigo começou a se queixar de uma conhecida, depois se queixou de outra, se calou e voltou a reclamar. Nem eu tinha argumento, nem queria alimentar aquele papo, me mantive calado, tentando ser apenas um ouvinte.

        Na altura de Cachoeirinha, a uns 90 quilômetros do nosso destino,  ela voltou a se queixar. Das mesmas pessoas e mais umas duas. Quase replico, quase dizia que aquele assunto não me interessava, pois tais queixas não eram novidade.

        Deixei aquela cidade para trás e com a estrada boa, de curvas suaves tentei adiantar a viagem em alguns minutos. 

        O silêncio agora era só quebrado pelo som baixinho de alguma rádio. 

        Talvez alguma canção que tocou, talvez a busca de uma salvação, mas em algum momento lembrei de um poema e fiquei tentando declamar ele inteiro na minha mente, mas mantive-me calado, na moita.

        A viagem prosseguiu, o rádio baixinho continuava tocando alguma coisa, não prestava atenção, só olho na estrada e muita atenção. A velocidade passava dos 130 km/h. Estava até contente, as queixas tinham cessado, o poema tinha se escondido de novo na memória. Aí tive que diminuir a velocidade, uma fileira de caminhões estavam à nossa frente, veio a reclamação pela ansiedade, que iríamos chegar depois do corpo e daí o assunto queixoso voltoue e me salvei da ladainha declamando o que lembrava do poema:

Quem tem o mel, dá o mel.
Quem tem o fel, dá o fel.
...
Quem nada tem, nada dá.(*)

Repeti isso daí em diante, até a viagem acabar. 

É uma lição que aprendi e continuou aprendendo, nada espere, de quem tem nada a dá. Não se frustre.

Grande abraço,  Marconi Urquiza 


(*) Zé Ramalho.

quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

Do Carnaval ao Ano Novo

     
     Estava a cabular um assunto quando lembrei que
Gonzagão em uma canção se referiu às 4 festas do ano. Para mim, papai marcou claramente as suas quatro festas do ano.

    Até que saúde dele, dos amigos e a idade permitiu,  ele brincou demais no Carnaval. Várias vezes vi os seus amigos entrarem em nossa casa para festarem, comerem e beberem, depois saíam para a próxima parada na casa de outro amigo.

     A próxima festa,  bem demarcada,  era a Semana Santa, dois dias de convívio pleno com papai, quinta e sexta santa.  As refeições tranquilas,  sem pressa, sem faltar ninguém da casa. Ele parece que nestes dias desacelerava. Nunca esqueci,  era nessa época que ele me encarregava de ir no bar de João Presideu pegar uma garrafa do vinho Velho Macassa. Um antigo vinho tinto.

     Depois vinha  o Natal. A casa ficava bonita,  parentes iam lá cear,  mas era a festa nossa, dos filhos,  pois os nossos amigos iam para nossa casa. Papai vestia camisa de linho,  clara, manga curta, calça escura,  o sapato de cromo alemão (para as ocasiões especiais), as três gotas de um perfume francês. 
     Ele que não ficava muito em casa nas horas de folga, mas na véspera do Natal circulava pela casa com uma expressão de que estava feliz. 
      Logo chegava o Ano Novo, tudo era bem preparado para receber os amigos,  primos,  conhecidos.  Quem fosse era bem recebido. Peru,  whisky do bom, cerveja da boa, comidas variadas,  tudo abundante. Não era para faltar nada. Perto da virada do ano papai demonstrava alguma ansiedade para ver quantos amigos aceitariam seu convite.
    A casa, geralmente na penumbra, estava nessa época muito iluminada,  colorida, alegre. Até hoje,  quando recordo,  vejo em minhas retinas tudo brilhar. 
    Por fim, mesmo nos tempos de vacas magras, havia sempre o ritual de comprar uma roupa nova para o Natal e outra para o Ano Novo, e na semana das festas ganhávamos dois tostões para a gente se divertir no parque com os amigos. 
     Feliz 2024.

      Abraço,  Marconi Urquiza. 
     
      

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Espírito suave, coração bondoso, pessoa do bem

 

                        

                                           Tio Pedro, mamãe e Tio Zé Maria

        Na infância, entre os dois ou três anos até à adolescência convivi, passei todas as férias escolares no Barro, convivendo com os tios, primas, primos, o avô, os animais, andando no mato, chupando caju, comendo cuscuz com o leito ordenhado das vacas de Tio Serafim, vendo Tio Agenor ou Tio Genor, como o chamávamos, fumando seu cigarro de palha, conversar com a voz grossa, tomando o café forte, tomando conta da Mãe Centina, a minha avó Vicentina. E Tia Lídia, com a sua energia inesgotável, parecia feita de eletricidade, parecia não cansar.  Ainda a viva aos 98 anos.

        Menino de rua, me cansava em caminhar os dois quilometros do sítio Barro de Souza até a sede da cidade, que tinha o nome original de Barro e rebatizada de Saloá quando se emancipou em 1965. Nessa fraqueza física, subia no carro de bois e ia para cidade abastecer a pequena vila de água potável no chafariz da cidade. Ia e vinha ouvindo aquela toada do carro de bois andando. O gemido da madeira contra madeira. A dupla de bois fortes, que parecia não se cansar, os achava gigantes, imensos no tamanho e na força. Uns gigantes ainda mais na impressão da minha alma de menino.

        Quantas vezes acordei na casa de Tio Serafim e de Tia Lidia e estava vazia, só  ela. O tio e os filhos já cuidavam das produções do sítio. Muitas vezes descia e ia ver o primo Jaime cortando palma forrageira para alimentar as vacas e as crias. Uma habilidade imensa, uma velocidade e cortes na palma que pareciam milimetrados.

        E o rio, que corria no oitão da casa de Mãe Centina, magro e raso, mas capaz de me fazer simular um nado tocando com as mãos no fundo arenoso.  Gostava muito dessa brincadeira. Me divertia demais.

        Eram quatro irmãos e três irmãs. Tios Serafim, Tio Genor, Tio Zé Maria, Tio Pedro, Tia Iraci, Tia Jacira e mamãe. Só ela ainda vive.

        Com as irmãs de mamãe convivi pouco, os tios foi muito mais. Com Tio Serafim, Tio Genor e Tio Pedro. Tio Pedro foi para a casa do pai, faltando três para completar 91 anos e 68 anos de casamento. Estava no velório e comecei a recordar os dias que passava na sua casa, antes de ir para o sítio, das vezes que conversei com ele, de o observar conversando no seu negócio, de vê-lo conversando com as pessoas. Parecia ser uma pessoa dotado de paz de espírito. Um ser tranquilo que irradiava a sua bondade por todo lado.

        Tio Serafim também era calmo, uma pessoa que raramente vi se irritar, só uma vez que bateu no primo Jaime com a bainha de couro da faca, após ele responder ao tio meio abusado. Tio Genor, era mais alto que os irmãos, me impressiona que jeito vivaz e ao mesmo tempo sereno como os outros, igual perfil de Tio Zé Maria, parecia ter uma calma do outro mundo. Também irradiava uma energia boa, benfazeja.

        Hoje, hoje, sinto que pareciam que viviam em paz consigo mesmo.

        Aquele menino de ia ansioso tirar as suas férias escolares, no meio do ano e em janeiro, dezembro, muitas vezes, só voltando para o Natal e o Ano Novo, pois papai fazia questão que estivéssemos todos juntos. 

        A lembrança de muita coisa ia e vinha naquela hora que fiquei no velório, ainda com pouca gente, era o Pedro de Jaime, um homem de bem e bom homem, consciente, sem afetação.

        Nem sei como terminar esta crônica, talvez a melhor palavra seja: saudade.


        Abração, Marconi.

        

        

        

sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Merece - um trabalho eterno

 


https://exame.com/bussola/a-mulher-e-a-invisibilidade-do-trabalho-eterno/


        O nome dela não é Merece, muito menos o sufoco de sua vida de 90 anos. 

        Soube que ela chegou naquela família com 15 anos. Os pais tinham falecido e ela já havia sido rejeitada por outra casa.

        Ali, foi como se fosse a última chance de um teto e alimento, antes de virar uma mulher da vida. 

        Teve essa última chance e pode se dizer que  sua vida perdeu todo resquício de vida própria. Não teve forças para reagir.

        Cozinhar,  passar,  arrumar  casa e ainda servir de dama de companhia.  Uma vida absolutamente dedicada à sua senhoria. Outra mulher.

        A conhecemos com 75 anos. Andava cansada,  com a vista ruim e o máximo de sua parca liberdade era fazer compras para a casa no Supermercado Bompreço perto do nosso prédio. 

        Certa vez comentei com a esposa que achava a caminhada de Merece um abuso. Hoje, após saber que as idas dela ao Bompreço era um dos poucos momentos de felicidade daquela mulher, que foi impedida de formar uma família. 

        Aquele passo lento, apesar da idade, era muito mais pelo pesar de voltar para uma casa onde a opressão a massacrava.

        Aí um dia minha esposa ouviu um pedido angustiado de Merece diante de mais uma humilhação: Meu Deus me leve embora daqui!

        Deus não levou, e ela viveu mais três anos proibidas de até ver tevê quando desejava. Às vezes se refugia ouvindo o rádio em som bem baixo para não incomodar à sua senhoria.

        Antes que o senso comum leve a imaginar a cor da pele.  Merece era branca e de olhos verdes. 

        Merece viveu uma vida sem amor.

        E morreu sem amor.

        Sem amor.

        
        Bem, por hora, é só.  Marconi Urquiza. 

domingo, 29 de outubro de 2023

Mãe esgotada

        


        Na última sexta-feira,  por volta das 17:30h, cheguei ao prédio onde o filho Raphael mora, passei pela saguão e sua ampla sala de espera. Dois sofás grandes em L, duas poltronas azuis e três poltronas cinzas, giratórias. 

        Passei direto, indiferente, como se passa por paisagens que se conhece.  Chamei o elevador ao térreo e fiquei olhando o visor por onde ele ia passando. Tudo muito comum nas minhas passagens por aquele ambiente, comum até demais. 

        Aí ouvi vozes, estiquei o pescoço vi duas crianças fazendo piruetas em uma das poltronas cinza.  Eles se penduravam e com os pés impulsionaram o giro, tudo acompanhando pela algaravia das crianças saudáveis. 

       Voltei a olhar o visor do elevador, aguardando ele chegar, pois descia do 26° andar, só que meu olhar captou uma quietude no meio da agitação das crianças. 

        Uma visão periférica que em geral não se dá importância. Digamos,  era uma quietude anormal para a animação das crianças com suas vozes altas enquanto brincavam.

        Desta vez à atenção era plena. A mãe estava sentada em outra poltrona, com as pernas em ângulo reto, o tronco derreado para trás e a cabeça encostada no alto do encosto, caída para trás,  com a boca levemente aberta.  Ela simplesmente tinha se desligado do que se passava.  Para mim aquela mãe estava esgotada. Um cansaço acima de suas forças fez ela apagar naqueles poucos minutos em que a observei. 

        Quando passei por aquele saguão de volta, após 10 minutos, ela e os filhos não estavam mais.

        Fui embora e não pensei mais no assunto,  até ouvir um comentário de uma das noras, ao dizer que naquela semana ela estava mais cansada por cuidar sozinha do filho, vez que Victor passou a semana trabalhando em outra cidade. 

        Aí eu viajei no tempo, lembrando do esforço de Cida para cuidar de 3 crianças serelepes, enquanto eu estava trabalhando, ou viajando a trabalho e da estratégia dela de fingir que dormia nos finais de semana para eu cuidar dos meninos, então com com 7, 4 e 1 ano.

        Confesso que me solidarizei com aquela mãe esgotada, que nada ouvia, via, sentia naquele cochilo de poucos minutos.

        Por dizer, por acompanhar uma mãe tanto tempo, que é um desafio brabo o trabalho full time de ser mãe. .

        Viva as mães!

        Por hora é só, ótimo final de semana.


        Abração, Marconi Urquiza

        




quinta-feira, 19 de outubro de 2023

O caramelo andarilho

Fez exatamente uma semana.

O nosso caramelo é branco retinto, pelos cedosos, focinho preto e olhos tão escuros que não se consegue ver a pupila. É calmo, mas late demais a qualquer ruído forte e quando um de nós chega em casa. Quer atenção.

De um tempo para cá todo cão marrom virou caramelo,  mas antes o dono de um apelidou seu travesso animal de Caramelo, o vídeo viralizou e o nome ganhou adeptos Brasil afora. 

Ontem vi vídeo de um animal quase todo preto, com as patas marrom. Mais um cão divertido, apresentado como caramelo, aí lembrei da minha história com um caramelo. 

Fez exatamente uma semana.

Saí de casa, mirei para o caminho de João Pessoa,  Avenida Rosa e Silva ficou para trás e entrei na Estrada do Arraial. Ia devagar. Quando as manhãs estão frescas me encanta dirigir com os vidros abertos para sentir o vento acariciando meu rosto.

No sinal da Estrada do Arraial com a rua da Harmonia o trânsito parou.  Um minuto, minuto e meio. Parado na faixa da esquerda, vizinho à faixa de ciclista, olhava para o lado, esperando a de vez de seguir viagem, aí apareceu o caramelo. 

Ele caminhava faceiro, cheio de confiança,  passou pelo cruzamento vazio e veio em minha direção. Andava com um rebolado, uma passada,  com jeito e expressão dos seres felizes. 

Veio se aproximando,  passou ao meu lado, naquela pisadinha ritmada dos bons dançarinos e seguiu na direção do Sítio da Trindade, parque urbano que existe nas imediações. 

Segurei o carro o quanto pude, pois o acompanhava pelo retrovisor. Em poucos segundos o perderia de vista.

O que veio depois foi imaginação.  Ele era um cachorro com os pelos viçosos, estava com o peso normal, não tinha no olhar nenhum traço de medo.

Então Caramelo seguiu pela faixa de ciclista, passou por corredores de rua, uma bicicleta veio em sua direção,  ele deu um drible.  O seu rebolado seguia encantando.  Passou pela esquina do Consulado da China e parou 100 metros adiante em uma rua que só dá passagem para pedestre. Encostou-se em uma árvore gigante, deu uma coçada no dorso,  depois ergueu a perna e batizou o tronco daquela árvore. 

Ficou um tempo por ali parado. Levantou a cabeça e pareceu medir a réstia do Sol. Ficou uns minutos olhando o filete de luz se alongar até um meio da rua, então balançou o rabo e saiu rebolando, imaginando como iria se explicar tá chegando tão cedo, ou tão tarde,  vez que não dormiu em casa na noite passada.

Então de fininho e com carinho começou a arranhar a porta da casa, que foi sendo aberta e uma voz carinhosa foi dizendo: Caramelo, nem dormi direito preocupada com você.  Venha garoto, sua comidinha eu já coloquei. 

Caramelo entrou,  passou se arrastando na perna de sua dona, tocou com o focinho frio na mão dela, lambeu a sua pele, deu dois grunhidos de gratidão e foi comer.  Cinco minutos depois dormia com as patas para cima sobre um sofá que lhe servia de cama.

Bem, acolha com carinho quem lhe procurar. 

Por hoje é só. Abração. 

Marconi Urquiza 

domingo, 24 de setembro de 2023

Domingo

        


        Domingo,  não sei há quanto tempo acordo cedo, tipo cinco da manhã.  Tomo o primeiro remédio do dia, fervo a água e faço uma xícara de café. 

        Um café  quente que tomo muito devagar.  Na maioria das vezes, enquanto água aquece eu vou na área de serviço escorar o peito na parede e ficar olhando a rua, as piscinas do Náutico e as pessoas, as poucas,  andando para seus destinos.

        Daqui a pouco,  a chaleira apita, é hora do café.  Comer só após meia-hora. Recomendação da bula do medicamento. 

        Também não sei quando começou.  Aproveito o silêncio para ler, aproveito o silêncio para escrever. Parece que meu espírito se ligar nas ideias que voam soltas pelo universo e puxa uma para fazer um texto,  só que muitas vezes elas estão tão agoniadas para trazerem as suas palavras que entram nos textos aos bobotões. É um atropelo.  Pior que eu topo essa peleja.

        O pior do Domingo é que as vezes é um dia de tédio.  Muitas vezes sinto esse tédio como um vazio e que aumenta quando nenhuma ideia vem me socorrer, quando não me ocupo, quando a leitura que faço é fraca, quando o jogo de futebol é ruim ou simplesmente por que me espírito está muito inquieto para achar algo que acalme.

        Até o meio dia, até a hora do almoço há um certo calor na alma, quase sempre tomo três latinhas de cervejas leve, depois da refeição quase sempre durmo. 

        Dormir à tarde é saboroso. É como se fosse um alimento daqueles feitos com "tempero caseiro". 

        Já ouvi diversas vezes que o melhor tempero é a fome, é não.  A fome com o melhor tempero deixa a comida leve, a fome com uma comida sem gosto entra pelo desespero que a fome causa.

        É assim, Domingo é rico ou pobre, enfadonho ou animado. Quase sempre busco um filme e acabo o dia vendo o Fantástico. 

        Por hora é só.  Ótima sexta e feliz semana. 

        Marconi Urquiza. 

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