Tempos atrás eu comprei um livro cujo o título me atraiu mais que a resenha que havia lido sobre ele. O livro tem o criativo título de: O Negociante de Inícios de Romance. Acostumado a uma narração mais linear, a proposta do livro para mim se perdeu em uma narração intercalada que complicou a minha leitura.
Mas a complicação das narrativas anunciadas no título da crônica se baseia em dois artigos que andei lendo: A psicanálise da adesão ao fascismo e Complicando as Narrativas.
A leitura de textos desse quilate vem me chamando atenção desde o final das eleições de 2018, pois guarda estreita contextualização com dois aspectos na surpreendente campanha, do tostão contra o milhão, do tradicional para, o quase, novo uso da internet em uma campanha política vitoriosa e da utilização interminável de uma narrativa de simplificação e geradora de conflitos.
O primeiro destes textos foi produzido em 1951 pelo filósofo alemão Thedor W. Adorno e fui achar no site do blog da editora Boitempo. Li todo o artigo e ainda estou decantando o seu conteúdo, visto que o assunto, tão falado durante a campanha eleitoral parece ter entrando em hibernação, o fascismo.
Adorno no seu texto, A psicanálise da adesão ao fascismo, fez uma análise do contexto norte americano de 1951, trazendo as suas considerações sobre os fascistas daquele país, naquele momento histórico. A base do artigo é o livro de Freud, Psicologia das massas e análise do eu. Logo no início do artigo ele comenta, entre tantos outros pontos, que os discursos fascistas são tão monótonos, que se fica familiarizado com um estoque limitado de pontos em discussão e o que se encontra são intermináveis repetições e complementa, dizendo que "a reiteração constante e a escassez de ideias são ingredientes indispensáveis da técnica toda." Diz ele, no texto, que isto faz parte do método dos agitadores (fascistas) para mobilizar processos irracionais, inconscientes e regressivos.
Em outra parte do texto, Adorno fala da formação das massas, da psicologia dos grupos e diz textualmente:
É provavelmente a suspeita do caráter fictício de sua própria 'psicologia de grupo' que torna as multidões fascistas tão inabordáveis e impiedosas. Se parassem para racionar por um segundo, toda a encenação desmoronaria, e só lhes restaria entrar em pânico.
Aqui eu dou um corte nessa dimensão relacionada à política para trazer a lembrança de que há atitudes fascistas mesmo fora de um contexto político, os tribunais livres e sem magistrados da internet. Tal situação motivou o escritor brasileiro Michel Laub escrever o romance O Tribunal da Quinta-Feira.
Aí na semana passada vi em uma entrevista no Globo News com um dos criadores do Twitter, Ewan William. Ela agora criou uma plataforma chamada de Medium, onde os assuntos podem ser discutidos com profundidade. Foi nessa plataforma que eu achei o artigo, traduzido pelo Google como: Complicando as narrativas. Este artigo tem a finalidade de analisar e criticar as ações do jornalismo nos Estados Unidos e que o fez perder a relevância como fonte de informação confiável à população. Realidade aqui também no Brasil.
No início a autora do artigo, Amanda Ripley, faz um questionamento bem interessante: E se os jornalistas cobrissem questões controversas de forma diferente - com base em como os humanos realmente se comportam quando estão polarizados e desconfiados?
Ela diz que "muita antes de 2016 a grande mídia americana perdeu a confiança do público, criando uma abertura para a desinformação", dando margem para que "os demagogos nos usem, amplificando seus insultos em vez de expor suas motivações". Vamos dar outro salto, saímos do artigo e chegamos perto dos influenciadores digitais. Usam as vestais do servir ao público e ganham das corporações uma grana para nos influenciar conforme os interesses das mesmas. Uma contradição pouco percebida.
Voltando para o artigo, a jornalista traz um conceito bem interessante: Conflito Intratável, que vem a ser a divisão existente neste momento no Estados Unidos entre republicamos e democratas, a ponto de, por exemplo: se filho de republicano quiser casar com filha de um democrata e vice-versa, os namorados são praticamente impedidos pelos pais de se casarem. Aqui no Brasil o quadro de divisão começa a dar sinais de se aprofundar.
Diz a autora que tais conflitos se alimentam de si mesmos, quanto mais se tenta parar, pior fica.
Aí entra a complexidade, tornar a narrativa complicada, fazendo perguntas abertas para que os interlocutores possam compreender as motivações profundas de cada pessoa, expondo as rachaduras e inconsistências que haviam sido retiradas pelas narrativas maquiadas, se quebrando a falsa simplicidade.
Por exemplo. Vi nesta semana uma inserção de uma matéria jornalistica em que se ouvia: é cartão vermelho direto. Simples, comunica bem, dá o recado para todo mundo que tem algum conhecimento rudimentar do futebol. A maioria das pessoas sabe o significado do cartão vermelho. Mas a questão da Educação é mais ampla e crucial para o futuro das pessoas, o que vem se discutindo sobre a educação no Brasil?
Este é um exemplo, das muitos necessidades que a gestão pública precisa agir para o bem da população no Brasil.
A simplificação gera desconfiança e muitos conflitos, faz as pessoas se posicionaram em suas redomas, se fechando a qualquer entendimento. É preciso em ir em busca dessas motivações profundas, pois elas são mais importantes para o debate do que os fatos dos conflitos e assim, possibilitar o inicio de algum entendimento.
Mas é na simplificação que vem o alerta de Adorno, é por meio dela que a comunicação viciante e do pensamento dominador sobre o raciocínio sensato entra e toma conta, gerando conflitos intratáveis, mais e mais conflitos, tornando as narrativas mais pobres.
Segundo a autora, é preciso agir perguntando: Como você chegou a isso? Por que essa história é importante para você? Como você se sente quando me conta?
Para Amanda Ripley ao se desestabilizar as narrativas, as pessoas tendem a exalar; elas continuam discutindo, mas guardam as armas e serão capazes de iniciar uma conversa maior do que elas mesmas, criando interações mais construtivas.
Abraço,