- Sabe, na semana passada eu recebi aqui no trabalho um xará, Antônio, só Antônio. Ele sentou aí onde você está, se apresentou, melhor, disse que era amigo do chefe. Mostrou o seu álbum de fotografias do seu trabalho. Rapaz, eu estranhei as roupas coloridas.
- De palhaço?, - perguntou Genilton.
- Não. Poderia ser ... – e Marco Antônio parou de falar, pensava.
- De palhaço Marco? Só pode ser.
- Não, de Drag Queen.
- Drag Queen!!, - Genilton falou tão devagar, o estranhamento do exotismo da profissão de Antônio só não foi maior, por que ele via vez por outra um na tevê.
- Pois é. Nem deu tempo de pensar em algo, ela já foi contando o seu problema ...
- Qual problema esse bicha tem? Não é para ter nenhum.
- Mas tem ...
- Ignora, irmão. Ignora.
- Não consegui ...
- Você tem o coração mole. Mole demais.
- Genilton, eu tinha que ouvir. Olha, no estado dele, dez reais para mim não custa nada. Nada. Nada ...
- É que você é rico, mas também é muito besta!
Marco Antônio já tinha resolvido parar aquela conversa com Genilton. Estava procurando a palavra mais educada para interromper o papo, que havia se tornado desagradável, mas de repente Genilton mudou de tom, já crítico, rosnou:
- Você gosta é de bicha! Não é?
- Genilton, dia desses um cliente sentou na minha frente e começou a conversar.
- Eu sei, você tem paciência.
- Aí esse cliente me pediu socorro. Não tinha forças para subir essa escada.
- Lá vem você com seu coração bondoso, - disse Genilton, irônico.
- Eu chamei Zezé e ele desenrolou, - desta vez não houve réplica.
- Sabe, um mês depois ele voltou, mas dessa vez não pediu ajuda.
- É capaz de ser o tal de Drag Queen.
- E ele contou uma história linda. Disse que um dia estava na aula quando uma colega chamou parte da turma para rezarem juntos.
- Agora vem você com religião.
- Pois bem, ele disse que durante mais de mês ele rezaram no intervalo do recreio a favor de um colega, que ele não tinham tanta intimidade.
- Falando da oração para o colega, - respondeu Genilton.
- É verdade. Foi quando ele disse que quase dois meses depois, aquele colega voltou curado e depois de uns quinze dias ele se aproximou do rapaz e disse a ele: “Nós rezamos toda noite quando você estava em doente.”
- Era para mim. Esse homem é o Drag Queen?
- É.
- Eu não agradeci. Onde ele está?
- Morreu ... estava bem doente. Pegue esse papel, ele deixou esse poema que um amigo havia feito naquele tempo.
Genilton pegou, desembrulhou o papel amarrotado como quem abre um pacote de pão e se pôs a ler:
Muitas vezes nos
damos por vencidos
ao ouvirmos
de alguém um
diagnóstico.
Porém Deus nos
prepara o prognóstico
Atendendo com amor
nossos pedidos.
Os problemas são
todos removidos (no áudio errei e gravei resolvidos)
quando a fé se torna
cristalina.
E a resposta que
vem da mão divina
nos devolve por inteiro
as emoções.
Ao notarmos que
nossas orações
Alteram as razões da
medicina.
Ass. Ademar Rafael Ferreira
- Não sei o que dizer.
- Depois que ele saiu de vez da vida, eu só penso nele assim: Meu amigo, um certo Antônio, - falou Marco Antônio.
- É, - disse Genilton, e o silêncio se fez ouvir.






