Poema de Ademar Rafael Ferreira
E a praça feito bala
Entrava no quarto escuro
Passando rápido na sala.
Pra mexer com marimbondo
Nunca lhe faltava gás
Pra caçar dentro do mato
Ele tinha um pé atrás.
Com suas pernas de garça
Corria como se andasse
As “perninhas de abelha”
Não tinha quem
Aquietasse.
O natal do menino buliçoso começava quando a prefeitura
esticava os fios das lâmpadas no quadrado da praça. Esse era o sinal que as
festas estavam perto.
Na sua casa, a iluminação simples do natal na cidade era o
início para se organizar o da família. O peru gordo já estava encomendado, a
árvore de natal desencaixada, os enfeites limpos e pendurados na portas. Na virada para o mês de natal a corrida para Garanhuns. Era hora de comprar as
roupas novas.
Toda noite ele descia para a rua, ia olhar as poucas barracas
com jogos, a roleta de ficha e a barraca de tiro ao alvo, tiro que nunca
acertava.
O Natal ia chegando, as casas das ruas se enfeitando como
podiam. O menino gostava de correr as ruas de perto e olhar as casas com as
suas árvores de Natal acesas. Parava numa casa, geralmente de porta aberta para
as pessoas da rua as verem. Trinta segundos, olhava, corria para a outra, mais
trinta segundos ou quanto o tempo a timidez permitisse.
Era tempo de brilho na costumeira escuridão da cidade.
Quando estava parado na pequena praça, perto da praça grande os seus olhos se
enchiam da luz das lâmpadas amarelas incandescentes.
Naquele ano a prefeitura criou um presépio e o colocou no
meio da fonte da praça da matriz. O menino agitado, era como se tivesse uma
bateria extra, parecia não gostar de andar, corria como se andasse. Como se
tivesse pressa para tudo. Era a energia extra deixando-o elétrico.
Em um final de tarde ele parou perto do presépio da praça grande
e ficou olhando os bonecos. Viu o jumentinho, não gostou dos olhos pidões do
Menino Jesus e prometeu que no dia de Natal, com a cidade toda dormindo, ele
entraria na fonte para alisar a estrela grande.
Promessa feita, olhou para o céu e esticou a mão para uma
estrela que pulsava forte. Tá longe. Deu dois pulos e saiu correndo, atravessou
a rua na diagonal e parou perto da calçada. Deu um giro sobre o corpo e olhou
tudo ao redor. Cada casinha, cada comércio, a imensa igreja. Tudo estava
iluminado.
Se voltou para a calçada e olhou a casa à sua frente. A
varanda estava às escuras, não tinha enfeite, as portas cerradas e a árvore de
natal não havia sido montada. A casa do coronel estava triste.
Pisando devagar desceu mais alguns metros e subiu a calçada
da casa do seu padrinho, esticou o pescoço e ficou na ponta dos pés para ver o
corredor da rica casa, estava doidinho para entrar, mas não tinha intimidade.
Nisso viu o seu pai subir a rua, dirigindo devagar a Ford Rural
verde e branca. Era hora do jantar. Correu e quando o seu pai entrava na casa,
ainda da calçada da casa vizinha, ele gritou:
- Pai?
- Já tomou banho?
- Não.
- Vá logo, que hoje é natal.
O
menino correu dentro da casa, quase tromba em Maria Preta, escorregou na
entrada do quarto, a prima Fina encostou e soprou no seu ouvido:
- Vai logo, se não, você perde a
vez. Agora de noite tem muita gente para tomar banho.
Era Natal e só tinha um banheiro com
água morna na casa.
O menino deu meia volta, correu
para o quintal pegou a sua toalha, arrastou uma cueca do varal e voando entrou
no banheiro. Saiu dele na mesma ligeireza que havia entrado. Ali perto,
Maria Preta arrumava a mesa para a ceia do natal, quando seu rosto surgiu na
porta, ela avisou:
- Cuidado menino, tem prato
quente!
Pra correr era dotado
Só mesmo muito doente
É que ficava parado.
Tinha turbina nas pernas
Igual asas de avião
Por sempre viver correndo
Sempre chamava atenção.
Com suas pernas de garça
Corria como se andasse
As “perninhas de abelha”
Não tinha quem
Aquietasse.
Só um pouquinho devagar, andou como corresse, chegou na porta do seu quarto e estancou. Viu sobre a cama o seu traje completo: calça curta, camisa xadrez e as meias. Esticou os olhos e viu perto da cabeceira da cama o brilho dos sapatos e o cinto enroladinho dentro do pé direito. Paralisado, toda a sua agitação cessou, a prima Fina encostou mais uma vez:
-
Vai logo, já então todos na mesa. Só falta você.
Feliz Natal,
Ano Novo Iluminado.
Marconi Urquiza
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"A imensa igreja"
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A praça Dom Pedro II, em Bom Conselho, no tempo
narrado pela crônica.



Todos nós, criados em cidades pequenas com liberdade plena, fomos um pouco desse menino. Belo e oportuno conto. Viva o Natal, viva os meninos que "andavam correndo", sem celular.
ResponderExcluirObrigado.
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