sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

A paz desejada

 A PAZ DESEJADA


Algum dia, em algum momento, France acordou com um sonho que dizia que seu pai morreria. Foi forte, naquela manhã não se assustou.

Vivia em um turbilhão no emprego novo, diferente do ambiente de camaradagem que vivera até então.

Regras escritas não faltavam, regras a ser aprendidas também não. Regras, as quais só à custa de tempo, reflexão e experiência viriam a ser conhecidas.

Sentia uma dificuldade enorme no novo emprego, em certo momento, depois de muitos meses pensou em desistir. Era um sobrevivente e tentava sobreviver naquele mundo novo, briguento e brigado.

Nada do ambiente amigo que havia experimentado era presente nesse mundo novo, ela pensava que um trabalho com base na amizade, cordialidade e diálogo produzia mais. Estava se enganando.  Os patrões não queriam isso, trabalhavam para que a disputa entre seus empregados produzissem riqueza para a empresa. Se alguém abusasse, fora. Se alguém se tornasse inconveniente, fora. Se alguém se tornasse um arquivo vivo, virava alvo. Se não destruíssem a sua alma, valia o físico. Zero de risco.

France, depois de muito tempo se adaptou, tanto que que progrediu. No entanto, manteve em sua alma aquela porção de ingenuidade: confiar nas pessoas.

Mas essa confiança a traiu, quando viu que estava ferrada disse para si que era preciso fazer alguma coisa: sobreviver.

Arrumou as coisas e foi trabalhar em outro lugar. “Preciso olhar para frente. As coisas lá de detrás já foram”. Isso foi se transformando em um mantra: olhar sempre para frente.

Um dia a chamaram. No meio da conversa uma frase parecendo solta foi dita. Ela tocou na mente de France. Pensou em indagar, só pensou. Pensou e engoliu. Nesse tempo a teimosia santa já fazia parte do seu kit para sobrevivência.

Se alguém mais chegado a chamava de teimosa, ela dizia: “Não sou teimosa, sou persistente”.  Quando ouvia: “Mas como persistente?” Ela se calava, não queria dar munição a ninguém.

Um dia, sabe, um dia ela ouviu: “France, você tem que se reinventar”. Ela olhou para a interlocutor e ficou pensando: “Ele não me conhece, nada sabe da minha vida. Me reinvento há dez anos”.

Tais reinvenções nada tinham a ver com a percepção daquele seu chefe. Tudo que tinha feito era demonstrar que não estava obsoleta. Mas ela tinha um problema. Os seus valores eram considerados arcaicos. A sua adesão aos valores novos era seletiva. Travava quando achava que alguma atitude seria desonesta, mesmo sacrificando algum ganho.

Certo dia disseram que ela estava fora, France afundou. Ficou meses perdida nos seus pensamentos. A sua ingenuidade a impediu de se defender. A raiva deu lugar para a tristeza e lambeu a porta da depressão.

Depois de muito tempo, ela disse: “Não posso ficar nessa tristeza mais três dias”.

Fez uma escada no barranco e foi levantando degrau a degrau. Quando o buraco ficou para trás, ela se encontrou com seu algoz. O impulso fez ela querer agredi-lo, foi salvo por que aquele homem percebeu o perigo e saiu sorrateiramente.

“Ele tem costas largas, eu tenho raiva”.  Pensou em se vingar. Era preciso mostrar o seu valor. Planejou tudo. Tudo. 

Um tempo depois ela se sentou no sofá da sua casa. Estava agitada, agradecendo a Deus não ter agredido a quem achava que sido o ordenador da sua desgraça.

O seu viver, a duras penas estava se reorganizando. Lutava com poucos recursos, usava toda a sua inteligência e os seus conhecimentos para tocar a nova vida.

Aos poucos o ódio foi sendo domado, aos poucos France foi percebendo a sua força. A sede de vingança foi sendo controlada, até que um dia se encontrou com seu desafeto. Olhou para ele, fez questão de cumprimentar, desejou dizer toda a raiva que sentiu, apenas disse: Bom dia.

Selou para o seu coração a paz desejada.

Marconi Urquiza

31/01/2021 – 15:32h

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