sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

1978 - O primeiro desafio

 


        Spoiler

    Você vai ler um tema delicado. O contexto e a opinião são meus, a história e a percepção também, mas pode ser que arranhe a sua própria história de vida.  


        Meu primeiro voto e desafio foi em 1978, em eleição para deputados e senadores.  Naquela eleição poderia se votar para senador de um partido diferente dos votos para deputados estadual e federal. Eu, como muitos jovens naquele período queria votar no MDB. Papai que era da Arena já tinha dado o recado. Para senador eu estava livre para votar, mas para deputado tinha que votar nos que ele apoiava. Não lembro qual foi o candidato a deputado federal, mas o estadual foi Carlos Caribé. 

        No instante em que entrei na cabine de votação o mundo parou para mim. Fiquei dois, três minutos para votar, resistindo ao que papai queria e à minha própria vontade. Depois que o mesário me chamou à atenção, terminei de votar e saí do prédio e fiquei da rua parado, desapontado por ter votado no Carlos Caribé. E ali parado no meio do sol no rosto, "com aquele gosto de sabão na boca."

        Desde 1976 percebia um sentimento que crescia na cidade nas épocas das eleições e se espalhava feito água miúda, que a princípio é apreciada e depois afoga a terra. Não era um fenômeno explosivo, que surge como uma erupção vulcânica. Está mais para uma semente adormecida que viceja quanto a chuva chega. 

        Aquele sentimento vinha, sumia, ao sumir permitia que quase inimigos nas eleições pudessem se encontrar, conversar e até beberem juntos como pessoas civilizadas. Daqueles que admitem pensamentos contrários aos seus.

        Mas esse sentimento me parecia ser como uma erva daninha que ia tomando o coração de muita gente. Uma erva daninha imensamente resistente às secas, até que com um pouquinho de chuva voltava cada vez maior, até tomar conta do manancial de afeto que fica no "coração".

        Como leigo, tentar descobrir a causa disso foi o maior desafio, a partir das minhas reflexões sobre este sentimento e os comportamentos derivados dele na minha cidade. Isto enquanto por lá vivi e pude conviver periodicamente. Dos 15 aos 22 anos. Depois sumi da cidade.

        O tempo passou e comecei a escrever um romance, O último café do Coronel. Enquanto desenvolvia o texto o sentimento e a busca por uma explicação lógica, vou enfatisar: lógica. A busca por uma explicação voltou, achei uma, digamos assim. Depois li um livro, Guerreiros do Sol - o banditismo no Nordeste do Brasil, que deu-me outra ideia para o que ocorria em Bom Conselho (PE) na época das eleições.

        Com as minhas reflexões e a leitura do livro de Frederico Pernambucano de Mello entendi que a resposta para a causa daquele ressentimento entranhado na alma de muita gente da cidade estava explicada.

        Chega 2025, andei vendo vídeos onde o sociólogo Jessé Souza é entevistado. O primeiro e mais longo foi em Reconversa (You Tube), com entrevista de Reinaldo Azevedo e Waldrido Warde. A entrevista versou especialmente sobre o livro Pobre de Direita - a vingança dos bastardos. Comprei o livro.

        Li 80% dele, estou naquela fase de refletir sobre o contéudo para poder continuar com a mesma atenção e tentativa de neutralidde diante da leitura e do que contem o livro. A fase da leitura é a das entrevistas e reflexões que o autor coloca diante das respostas dos entrevistados.

        Durante a leitura voltei ao meu sentimento sobre as causas daquela mágoa poderosa, daquele ressentimento entranhado durante o tempo que vivi e convivi em Bom Conselho, e nessa última reflexão, a partir do que Jessé Souza observou, vi que estava ali parte da causa, o poderoso sentimento de Humilhação, que se tornou um catalisador político no Brasil. De certo modo que já estava lá em Bom Conselho há 60 anos. Menos a virada moralista que ocorreu a partir de 2018. 

        É um livro poderoso, que se puder, se deve ler com calma, tentando não deixar as impressões e preferência de voto interferirem na compreensão do texto. 

        Bem por hora, é o que tenho. 


        Abração, Marconi Urquiza

        

        

 

        

7 comentários:

  1. Bela reflexão Marconi! Vou seguir o "Bom Conselho" e comprar e ler

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  2. Boa crônica Marconi. É para uma boa reflexão, pois parece que continua tudo igual, guardada as devidas proporções.
    Nas entranhas da política e nos diversos rincões deste País, ainda hoje prevalece os acertos dos detentores do poder. Atualmente existe o "Coronelismo moderno" onde as forças procuram manipular as massas e os votos acabam acontecendo de acordo com as vontades maiores. Basta ver a bancada do Boi, bancada da Bala, bancada da Bíblia, etc...
    Simbora na esperança de que um milagre possa acontecer.

    Deixo abaixo a frase de Eduardo Bueno:

    "Somos a pátria do compadrio, do coronelismo, do nepotismo, da burocracia gigantesca e ineficiente, da falta de cidadania, de uma política tradicional podre, do jeitinho mais rasteiro. (...) Claro que existe um outro lado, telúrico, da terra, do corpo do Brasil, que eu amo, a energia geológica e geográfica. E também certos aspectos do povo brasileiro, suas cores e sons, o lance do futebol. Mas o Brasil institucional é brabo."



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  3. Bastante reflexiva, sua crônica, Mestre Marconi.
    Atualmente a situação política brasileira mantém bem vivos traços do coronelismo, apesar de com o passar do tempo ter perdido espaço, seus vestígios perduram até os dias atuais, através da troca de favores entre chefes de partido e a compra de votos.
    Segundo alguns historiadores, o “coronelismo teve seu fim com a Revolução de 30 (Era Vargas), mas seus vestígios perduram até os dias de hoje através da compra de votos, desvio de verbas, nepotismo, fake news, etc.".
    Até quando isso vai perdurar? Só o tempo dirá. Porém, o fundamental é que o voto seja consciente, pois esse é um fator preponderante para que se alcance um resultado satisfatório no pleito eleitoral.

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  4. Bom dia, Marconi! Excelente e reflexiva crônica. A respeito do "coronelismo", acredito que enquanto houver eleitores menos esclarecidos que ainda acreditam em políticos como Jader Barbalho, José Sarney e outros, dificilmente nos livrarmos dessa ditadura política de cabresto.

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  5. Ops, onde se lê ditadura, entenda-se DITA...

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  6. "Eu preparo uma canção que faça acordar os homens e adormecer as crianças." Drummond é preciso. Sua crônica, novamente, me faz pensar... lembrar meus votos, seus motivos, o clima politico à época, os pedidos de familiares, narrativas, fake News, etc etc. Lembrei dos versos Vandré, em "Disparada! que fala sobre "E nos sonhos que fui sonhando // As visões se clareando..." Ler bons livros e boas crônicas clareiam nossa visão de mundo. E os sonhos, as esperanças são necessárias pra seguir em frente. E os pobres? Os pobres eleitores, sem instrução, sem trabalho, sem vez e sem voz vão sendo comprados e manipulados pra votar em troca de 1 saco de cimento, uma promessa de emprego, uma cesta básica... Mas é preciso sonhar e esperançar! Não há mal que sempre dure!

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  7. Herdamos do coronelismo, da ditadura, a ideia de que "política não se discute". Assim nos alienamos, principalmente quando jovens. A maioria de nós não tínhamos noção de como funcionava a política. Para quem teimou, dá para ver com funciona esse "jogo de xadrez". É uma pena que não sirva para as gentes despertar e ver que são peças atuantes também, saber que são responsáveis pelas ações de cada vereador, deputado, senador.

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