

Nesta semana o amigo Djalma Xavier teve a consideração de copiar e me enviar uma crônica da Folha de São Paulo em que o autor falava de futebol, das velhas e novas peladas. No seu post no Whatsapp ele comentou que a crônica o fez lembrar do meu estilo de escrever e da predileção pelo futebol. Foi muita gentileza dele.
O estilo era mesmo parecido, um jeito de escrever que o autor Ricardo Araújo Pereira foi trazendo na crônica Perigo: importantes lições de vida suavemente a saudade, em gotinhas da flor de laranjeira. Recordava dos seus 30 anos e das suas peladas dessa época e como enfrentou a descrença de jogar futebol já veterano, vencendo o medo de infartar, trazendo felicidade em forma de lamento por causa desse medo e do tempo perdido. Pois, como diz Alceu Valença, o tempo não tem parada, só o melhor aproveitamento nos fará não tem ter arrependimentos pelo mal uso.
Aquele momento narrado pelo cronista Ricardo deu um nó nas minhas reflexões, o momento de vida que ele colocou na sua crônica entortou minhas lembranças, inclusive do episódio ocorrido no final da pelada da última segunda-feira que arrebentou aquela portinha miúda que eu não queria abrir, que ela sempre esteja trancada, pois a força que segura pode ser muitas vezes maior que os freios que meu coração tem, os freios do controle, da bondade e do perdão. É quase um Vesúvio. Enfim, o Vesúvio voltou a correr no leito tranquilo da paz.
Essa portinha aberta e depois fechada a custo de muito esforço me fez lembrar de muitos momentos na vida onde a fleuma foi meu escudo contra o abuso. Mas sempre que penso no assunto, sempre que algo desencadeia algumas reflexões sinto como tive dificuldade de lidar com pessoas abusivas, que por mais que eu sinalizasse a minha irritação mais eu era provocado. Para muitos, a interpretação era de fraqueza, até que a portinha desse Vesúvio soltava as suas lavas incandescentes e felizmente, apenas, na forma de palavras. Ainda bem.
Este é um momento da minha vida, controlar firmemente o fluxo dessa lava vulcânica e viver feliz.
Mas a crônica não trouxe apenas esse processo de autoconhecimento, me fez viajar em mais de 20 anos.
Naquela época, naquela turbilhão que foi o Plano de Demissão Voluntária e "pressionado" de 1995. Em meados de agosto daquele ano e na maior pressa eu estava no Paraná, deixando em Pernambuco a esposa e os três meninos pequenos, nos encontramos apenas em dezembro.
Cheguei lá em uma terça-feira, fui tomando pé da situação do trabalho, logo sou perguntado se gostava de futebol, já me avisaram que nos sábados à tarde havia na Associação Atlética Banco do Brasil - AABB a pelada do final de semana. Aceitei o convite e ficou combinado eu pegar carona com Mário Yorinori.
No sábado pela manhã saí pelo pequeno comércio para procurar uma chuteira de futebol society, até que achei uma Adidas e completei o traje com o meião e caneleiras da mesma marca. Equipado esperei a hora da carona chegar.
Barbosa Ferraz é uma cidade quebrada, como se diz na gíria do Paraná. Quebrada significa ser uma cidade com morros.
Chegou três da tarde eu fiquei na frente do hotel onde estava hospedado, umas três e meia chegou Mário e nós seguimos para a AABB. Enfrentaríamos o melhor time de society da cidade, o Habilidade. Jogamos inúmeras vezes contra eles, tocavam tanta a bola que me fez comparar com o tic-taca do Barcelona. Acho que Guardiola veio tomar aulas com aquela turma do Habilidade.
Só para lembrar. Barbosa Ferraz é quebrada, o local da AABB tem também suas ladeiras. Mário parou o carro na rua ao lado e nós entramos no clube. Primeiro a gente subiu, passou pelo galpão onde ficava a churrasqueira e o pequeno bar, subimos só um pouquinho e começamos a descer por uma trilha, alguns metros adiante, por meio dos galhos das árvores comecei a ver o verde do gramado, parecia um tapete e era um tapete. Entrei nele e caminhei descalço um tempão. Não sentia a areia sob o pés, mas a umidade da grama e via a marca das minhas pisadas sobre ela.
Campo gramado, um luxo para mim, campo integral e em bom estado eu só havia jogado apenas na Universidade Federal Rural de Pernambuco em 1981. Todo o resto era "taco" de capim, pedacinho de mato que imitava grama de campo de futebol.
Uns dez minutos depois começaram a chegar os jogadores e Mário gentilmente foi me apresentando.
Feita a apresentação fomos nos arrumar. Sentei no gramado e fiz todo aquele ritual que até hoje faço. Coloco nos pés uma meia fina, social, a caneleira, o meião, a tornozeleira e depois a chuteira. Naquele dia a chuteira estava ali ao meu lado, novinha, com o couro e a lona ainda preto e cinza. Marca boa, produto bom. Parece que hesitei, mas não foi por pirangagem de gastar a chuteira nova, mas aí comecei ouvir o som dos chutes na bola. Era hora de calça-la.
Calcei, levantei, dei aqueles bicudinhos no gramado para melhor acomodar os pés dentro dela, nem precisava, nem efeito fez. Dei um corridinha, apertei mais o passo ao redor do campo, já estava razoavelmente aquecido e chegou a hora de organizar o time. "Tu joga onde?" Ao me perguntarem eu já tinha visto um jogador ocupando a faixa do campo preferida, "eu jogo de lateral esquerdo", assim fui caminhando para lá. Naqueles 15 metros de caminhada eu ainda tinha esperança de que os pés não reclamassem, só reclamou um pouco e como chegou a hora de começar a pelada, lá estava eu pertinho das grevílias, na parte mais macia do campo.
Finalmente a bola rola e eu, a cada corrida, parava e dava um picudinho na grama e assim joguei bem uma hora, quando a pelada acabou aquele número a menos havia mudado a cor dos meus pés, as unhas estavam roxas e o dorso dos pés encarnados. Assim inaugurei, pela secura de jogar bola, a chuteira 42 em um pé 43.
Abraço,












