sexta-feira, 18 de outubro de 2019

De um Mestre Contador de Histórias




Amigas, amigos,

a crônica de hoje é musical, de um mestre contador de histórias.

CLIQUE NO LINK e ouça  Gonzagão em grande forma. DELICIOSO.

Carolina com K



Karolinaaa.
Hahaa.
Karolina foi o maior estrupicio que encontrei na minha vida!
ahh.mulé bagunceira da mulesta, mulé cangaceira.
Conheci Karolina num forró que eu tava tocando.
quando eu avistei aquela mulézona diferente no meio do salão
sem dançar com ninguêm, só mangando dos matutos.
Eu pensei comigo.
-aquilo deve ser um grande pedaço de mal caminho!.
mulé bunita, morena trigueira, cabelo comprido, boa linha de lombo.haha.!
Ai eu começei a caprichar no Fole vei pra ver se ela dava fé de mim.
mais ela nem fé deu.
E eu pensei comigo.
-Destá danada.deixa aparecer um colega pra me da uma ajuda, eu vou ai pra
tu ver o que é bom pra tosse!.
Ai apareceu Ancermo.
-Ôh Ansermo!.pega essa sanfona aqui.
Ancermo pegou a sanfoninha, ai eu fui na banda de Samarica
-Samarica tem celveja?.
-bote um caliçe.
-cerrejinha é essa Samarica?.só tem espuma.
-Oxente?!.celveja quente é assim mermo!.
-Apois bote duas encangada ai no fundo do pote, que eu vorto mais tarde!.
ai me butei pro salão com mais de mil!.
xeguei perto dela e disse.
-Que mal pergunte.vois mi cê que é a Carolina?.
ela escorou na perna esquerda.descançou a direita.
botou as mão nos quartos.balançou, e disse.
-Perguntas bem.Karolina com K.
-Que dançar mais eu?.
ela disse.
-Só se for agora!.
abufelei!.e sai com essa mulé!.
jogue ela pras direita, ela veio.joguei pra esquerda, ela tava ia.
mulé era adivinhona!.chamei a mulé no vôo do karkará.
sabé comé o karkará né?.ele voa na vertical para no ar e fica penerando.
ai eu vim descendo com ela bem devagazinho nos meus braços.
quando ela triscou o chão.ela deu uma gaitada!.
-Hahaii!.eh hoje.
eu digo é hoje mermu!
ai saimos fazendo aqueles fuxico todo, a mulé pegou o cabelão enrrolou na mão.
ki nem o vaqueiro quando vai derrubar boi.pendeu a cabeça pro lado.
e saiu rodado.e eu rodando mais ela dando cheiro no kangote dela!
nessa altura nois ja tava fazendo era triato.era o maior burburi da mundo!
ai eu disse pra ela:
-Karolina vamu aculá?.
ela respondeu:
-Boraa.
Chegamo na banca de Samarica
-Samarica.cerrejinha.
ela butou uma.nois bebemu.
-Bote mais uma.
ela butou a outra.nois bebemu.
eu disse:
-Samarica.bote mais duas encangada no fundo do pote
que nois vamu vortar mais tarde!.
ai vortemu pro salão.
ai eu num tava fazendo akela mizera toda mais não.
ai nois ja tava sereno.nois ja tava dakele jeito.maior felicidade.
ai zé do bainha xegou bateu a mão no meu ombro e disse:
-Gonzaga.acabou a festa.
eu digo:
-oxente?.acabou a festa?.
-acabou pra você!.
-você agora vai tocar.
-você que é o tocador?
-você ta aqui fazendo arte.ta fazendo até triato.ihh.vá tocar!
-Apois ta certu!
ai cheguei perto do Ansermo e disse:
-Ansermo.passa a sanfona pra cá, e vá dançar com karolina.
-mais não vão pra longe não viu?.fica dançando aqui em vorta de mim.
ai Ansermo axou foi bom!.
ai eu caprixei.
devez enquando.Ansermo passava por perto de mim assim.
karolina dava uma rabanada de vestido pra riba d'eu.
cubria a sanfona.ai eu só sentia aquele cheiro de fulô de amor.Haha!.
maior filicidade.
ai Zé do bainha gritou de lá.
-é 5 mi reis.ta na hora da cota.
-é 5 mi reis.quem nun pagar nun dança.
-é 5 mi reis.
-nãooo!.ta cunverçando homi!
-Oxente!
-num quero cocorê... nem xoro baixo!
-é 5mi reis.é 5mi reis.é 5mi reis.
Também foi ligeiro.fez a côta, xegou perto d'eu e disse
-o teu ta aquii!.
eu disse:
-Ansermo.passa a sanfona ai pra Pedro meia garrafa.
-Sanfona na mão de Pedro meia garrafa!
ai eu saii.zé do bainha ganhou os quarenta.
ai eu sai com karolina e Ansermo!.
-Vamu contar o dinheiro Ansermo! é 20 pra tu.e 20 pra eu!
-eu vou contar.prontu!
-Um pra eu.um pra tu.um pra eu.
-Um pra eu.um pra tu.um pra eu.
Ansermo besta.com as butuca ensima de karolina.
nem presta atenção na minha contage.e eu tô lá!
-Um pra eu.um pra tu.um pra eu.
-Um pra eu.um pra tu.um pra eu.
-Pronto Ansermo!
-aqui ta o teu.aqui ta o meu.
-agora tu vai vorta a tocar até de manhã, guarda minha sanfona
que amanhã eu vou buscar.
e eu já vou com karolina.hahaii.
xegamos na banda de Samarica.
-Samarica.
-Cerrejinhaa.cerrejinha.
Samarica passou a cerrejinha pra eu.
nois bebemu.
ota cerrejinha.bebemu a ota!
ai ja tava ali perto mermu do pé de sombrião
onde minha éguinha tava amarrada.
xeguei perto da éguinha, acoxei a cia, passei a perna,
joguei karolina na garupa, saimos escondidos pelos os fundos
e fomos simbora.
ai karolina disse pra mim:
-olha Gonzada, da uma buxa mermu que a cabruêira vem ai atraz.
parece que eles tão querendo butar gosto ruim no nosso amor.
-não diga issu karolina!.
sapiquei a espora do suvaco no vazii dessa égua.
ai a éguinha se abaixou.saiu danada chega saiu baixinha.
-piriri.piriri.piriri.piriri.piriri.piriri.piriri...
-êpa!...
parei memu na beira do rio, o riacho tava cheiro rapaz!
ai.a égua rifugou água.
-e agora karolina?
-vamu se esconder dentro das moitas!.ai por dentro dos matos.
ai nos entremo nos matos.a negrada vinha atraz, riscou também na beira do rio.
ai nos escultamos foi o cunverceiro deles:
-eh.sumiram.se encantaram.se escafedeucem.
-vamu caçar eles?
-hoomiii.vamu vortar pro samba, que ainda tem umas 2 horas de forró.
-é mesmo.vamu vortar.
a cabrueira vortou.e nois 3 ali dentro da moita.
eu.karolina.e minha égua.
e ali nois 3.escultando a cantiga das águas.
tirei a sela.e lavei a éguaaa!...
Hahaii...
Fonte: Musixmatch
Compositores: LUIZ GONZAGA LUIZ GONZAGA
Letra de Karolina com K © UNIVERSAL MUS. PUBLISHING MGB BRASIL LTD


sábado, 12 de outubro de 2019

Encantado por estar aprendendo

É fazendo que se aprende a fazer aquilo que se deve aprender a fazer.... Frase de Aristóteles.

Encantado.

Amanhã, se o divino permitir, eu serei sexagenário. Encantado. 

O que posso conversar com os mais jovens? Pois a vibe deles, naturalmente, é bem distinta da minha. 

Em 2007 eu acordei com 25 anos de trabalho e me questionei: O que vou fazer com estes conhecimentos? Comecei, sempre que possível, conversando com meus filhos, tentando sincronizar a minha experiência profissional à deles, que iniciavam à vida no trabalho. Foi útil para mim, principalmente.

Parece que nesta idade, a gente vai recordando as dores, os amores, as aventuras, deixando de lado, sempre que possível os percalços, e tentando, essencialmente, ser nós mesmos. Sentir saudade é natural, mas é um pecado que não se deve cultivar por longo tempo, pois a velha deprê ronda o sexagenário feito uma ave de rapina. "Vai para lá urubu do cão!" Coitado do urubu, que tem a sua nobre função na natureza.

Três anos e meio atrás eu  comecei uma jornada. A jornada de escrever um romance, como muitos já sabem. Era escrevendo e lendo, estudando, até formei um pequena biblioteca de livros sobre o bom português. Dicionários de termos, dicionários de regências, gramáticas, pequenos livros sobre as técnicas de escrever uma ficção. Dois cursos à distância. Tudo no plural. 

Foi tudo misturado e realizado ao mesmo tempo em que eu escrevia o livro. O resultado, é que melhorei em alguma coisa e gerei uma enorme confusão ao tentar aplicar aqueles conhecimentos durante a escrita. No fim, bem, ao final saiu o livro.  Agora o esforço é para transformar a sua história um texto capaz de encantar o leitor.

Se quisermos, continuaremos a aprender. Fora do trabalho e de suas exigências a tendência em quem se aposenta é se acomodar.  Acomodação que acomete até no físico, e vamos criando tantas cancelas, que vão nos impedindo de viver. Quantas cancelas teremos para o resto dos dias? Muitas? Pois bem, conscientes que teremos que abrir todas, só penso que em como vou abri-las, na ida e na volta da viagem.

Foi assim que comecei a jornada de escrever A Puta Rainha, cansado dele, dois meses atrás, eu disse: Vou tirar férias de Dora. Aí fui ler alguns livros, pois há meses não conseguia ler nada. Li três, queria desopilar meu fígado cerebral. 

Duas semanas atrás peguei um presente, como um lindo bordado construído ao longo de dois meses, e com ele voltei ao livro. Uma bela revisão gramatical. Vocês não imaginam como eu fiquei encantado com aquele trabalho. 

Comecei a transcrever as correções e logo no início eu pensei: Se tem tantos erros de pontuação, eu preciso aprender a pontuar.

Aí em vez de apagar o erro e colocar no lugar a correção eu fui corrigindo e deixando o errado de lado, tachando o erro e colocando-o em vermelho. Assim foi feita a correção, naquela pisadinha miúda, como deve ser uma boa revisão. Andei mais de cem páginas de A4, em torno de 400 palavras por página.  Para quem gosta de precisão. Pelos menos 40.000 palavras.

Quando passei da centésima página eu comecei a perceber uma mudança em mim. Em um processo de aprendizado lento, foi chegando à compreensão de como é meu estilo de escrever as cenas. Ainda era uma coisa embaçada. Toquei a viagem, restavam mais 52 páginas daquele presente valioso. E, fui ficando cada vez mais encantado com a atenção empregada pela revisora.  

Quando faltavam menos de 10 páginas para eu transcrever as correções, o presente da revisão se transformou em autoconhecimento. 

A compreensão, o saber como era de fato o meu estilo de redigir deu-me, quase a cura, para a maior deficiência que havia no livro, milhares de erros de pontuação. Então passei a semana encantado. Encantado.

Passei a semana feliz por estar aprendendo a pontuar, não apenas conforme os ensinamentos da técnica tradicional, mas para atender às minhas características de escritor.

Sabe, eu me encantei, pois, quase aos 60 anos, fui capaz de aprender algo inteiramente novo e difícil para mim, graças à boa vontade de Ana Karine. 


Abraço,
Marconi.



sexta-feira, 4 de outubro de 2019

10 de novembro - Visões de um dia

A imagem pode conter: 8 pessoas
  Fotografia, presumo de 1977. Sou o único de calção, do lado está meu pai.

10 de novembro de 1982.

Nesse dia eu acordei cedo para tomar banho. Morava em uma república, onde os três moradores eram todos bancários e o trabalho começava às sete horas da manhã.

Foi um dia normal de trabalho.  Calor, ainda mais na agência do Banco do Brasil de Afogados da Ingazeira, que não era climatizada.  Por volta de uma hora da tarde saí para almoçar na pensão de dona Duda.

Um dia onde a rotina se repetiu, inclusive o estudo que fazia sentado no chão para um concurso interno do Banco e que utilizava uma mesa improvisada, feita com duas caixas enormes de papelão.

Já há alguns meses eu fazia este estudo. Na maior parte do tempo era um estudo solitário,  em uma casa desprovida de conforto, estranhamente fria para ser uma morada d
o sertão.

Nesse dia nem havia me dado conta de um pensamento que me perseguia, que se repetia diariamente muitas vezes ao dia, meses a fio. Tanto que, em certo momento, eu pensei que estava endoidando. Hoje posso dizer que ele trazia uma certa premonição.

Bem, mas certo dia ele sumiu e eu não notei.

Por volta do final da tarde daquele dia chegou na casa onde eu morava o colega Paulo Williams e me disse que meu pai havia sofrido um sério acidente,  mas que estava bem.

Quando eu ouvi recado dei um tapa nas caixas de papelão e me levantei.  Segui para a agência do Banco do Brasil,  na agência encontrei os quatro gerentes das agências da região. Além de Afogados da Ingazeira estavam, o de Tabira, Carnaíba e Iguaraci.

Assim que sentei Ronald Teixeira, que era o meu gerente, fez alguns comentários e, eu, penso que falei alguma coisa. 

Em um pouco mais de cinco minutos dois telefones de Garanhuns-PE. No primeiro a conversa foi feita em tom baixo. Depois disso eu disse que sabia da morte de papai. Então chegou outro telefonema e desse eu ouvi claramente Ronald dizer: Ele está consciente. Ali mesmo já recebi a informação que um carro viria me pegar em Arcoverde.

Em certo momento, creio ter dito, da minha consciência da sua morte por causa da situação que havia transformado aquela campanha política em uma guerra e principalmente, por causa daquele pensamento que se arrastou, ininterrupto, de março a outubro de 1982. Uma realidade que foi excruciante, como disse antes, eu pensava que estava endoidando. 

" Marne, morte". Esta era a mensagem que rodava em minha cabeça.

Uns minutos depois eu dei uma fungada, mais outra, chorei um pouco e controlei o choro. Na melhor medida da praticidade eu disse que não tinha como ir para Arcoverde. Paulão se dispôs e me levou. Do percurso de 125 km eu lembro pouco. Chegamos lá por volta da sete da noite e o acordo era para me levar para o quartel da Polícia Militar de Pernambuco.

O oficial do dia me recebeu, um rapaz jovem, oriundo do Exército. Conversei um pouco com ele. Fiquei sentado um tempão, até que ele me ofereceu a cama do oficial do dia e fui lá me deitar.  Mas não consegui cochilar,  apenas li a Evangelho Segundo o Espiritismo. Lia, repetia,  tentava encontrar conforto naquelas palavras. Um pouco achei, mas a minha mente estava vazia.  Havia apenas em mim a dor,  que de tão doída, não doía mais.

Perto da meia noite chegou um Ford Corcel II, nele veio Olinto, amigo de papai, o motorista de Manoel da Pedra e dois policiais. Me sentei no meio do banco de trás e seguimos para Bom Conselho por Belo Jardim. 

Em São Bento do Una, o motorista reclamou de sono.  Menos eu, todos estavam mortos de sono. Eu disse a eles que podia dirigir e dirigi duas horas, quando às duas da manhã de 11 de novembro eu entrei em Bom Conselho e vi a Igreja Matriz do Alto do Colégio as lágrimas voltaram.  Umas poucas.

Cheguei em casa, ainda tinha muita gente,  que só encheu ainda mais durante o dia. Minha mãe veio me receber e disse, entre lágrimas: Viu o que fizeram com ele?

Após o enterro, às sete da noite nos reunimos para jantar.  Eu olhei em direção à porta de entrada da nossa casa e vi todos os móveis afastados para os lados, era um vão enorme.  Mas o vazio, um silêncio que nos engasgou, foi uma sensação tão forte, que quando eu consigo consolar alguém por causa de uma perda, sempre me lembro que essa pessoa pode estar sentindo a mesma coisa.

Por volta da meia noite é que me deitei, quatro horas depois acordei com uma puta cãibra nas duas pernas. Havia ficado 44 horas sem dormir.

Voltei para Afogados da Ingazeira no dia 15 de novembro,  cheguei lá a meia noite. 

No dia 16 eu fui trabalhar.  Cheguei cedo, recebi os cumprimentos e sentei para trabalhar.  Trabalhei uma meia hora. Acho que tentei.

Em certo momento eu pensei em papai e me desliguei de tudo que estava ao meu redor.  Nem notei que silenciosamente eu chorava, as lágrimas desciam forte pelo meu rosto. 

De repente eu comecei a ouvir meu nome distante.  Marconi, Marconi, Marconi.  Até que senti nas minhas costas a mão de Socorro Góes e de novo, Marconi.

Passei a mão no rosto e olhei para ela,  nem sei se agradeci, voltei a trabalhar. 

Se ela não me chama, acho que teria chorado horas a fio sem sentir nada do que se passaria ao redor.

Nos meses seguintes começou,  quase como uma ideologia de sobrevivência, a determinação de olhar sempre para frente. De se lastimar o menor tempo possível. De dizer e repetir sempre quando algo ruim ocorria: "Hoje já foi, amanhã tem mais! " Amanhã tem mais para fazer.

Ainda há o amanhã para ver uma luz diferente. 


Se não puder voar, corra. Se não puder correr, ande. Se não puder andar, rasteje, mas continue em frente de qualquer jeito.... Frase de Martin Luther King.

Abraço,
Marconi.

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

37 anos


Não há nada como regressar a um lugar que está igual para descobrir o quanto a gente mudou.... Frase de Nelson Mandela.

Em 2007 eu comecei a escrever um romance, meio histórico, meio ficção. Meio fácil e muito difícil.  Fácil na parte não emotiva, difícil quando exigiu um distanciamento objetivo, que não fui capaz de ter.

Eu tinha uma parte dos fatos, tinha uma visão parcial dos atores e expectadores daqueles momentos e, fui buscar ouvir algumas pessoas para preencher as muitas lacunas daqueles fatos, fatídicos. Queria conversar com muitas, na verdade, nem cheguei a falar com cinco contemporâneos dos acontecimentos de 1982.

Eu desejava corroborar as opiniões que diziam ter havido sacrifício, entre várias hipóteses. Mas o quadro ficou embaçado.  Algumas das pessoas, com as quais eu conversei, se emocionaram e isto me impediu de continuar conversando com elas.

Mas, antes destas conversas, eu já havia começado a escrever um livro, havia pesquisado sobre o coronelismo político no Brasil, havia inventado detalhes para os conflitos da eleição de 1911 em Bom Conselho-PE.

Até nome para o livro eu já havia criado: O último café do coronel.

Agora em 2019, depois de 12 anos, eu pensei em retomar este projeto, coloquei sobre a mesa todas as anotações e decidi preencher as lacunas através da seguinte indagação:
     
O que ocorreu com meu pai poderia ter sido diferente?
     
Com este espírito eu fui visitar a redação do jornal A Gazeta, em Bom Conselho, e, principalmente, Luiz Clério, no último dia 20.  Para minha surpresa encontrei vários contemporâneos dos acontecimentos de 1982 e entre eles, alguns amigos do meu pai.
    
Em certo momento, após eu ler uma curta crônica, em um livro de um autor local, onde o nome de Marne Urquiza, meu pai, é citado, eu fiz alguns comentários.  Por causa disto o assunto ganhou impulso. Em mais uma meia hora veio uma informação que eu desconhecia, o meu interlocutor disse que queriam que meu pai dissesse o destino de dois dos envolvidos naquela confusão, que culminou com seu assassinato.
    
Sim, esta era uma questão nova para mim e para ela cabia um bocado de reflexão.  Muita, muita e muita.
     
Enquanto a conversa prosseguia eu fiquei imaginando se o jeito de ser do meu pai lhe permitiria dar tal informação, se ele soubesse. O que não foi dito naquela oportunidade.
    
Às vezes, nós somos tão leais às nossas crenças e aos nossos valores que a gente se quebra todo para NÃO se desviar destes valores e das nossas crenças.
    
Tal dúvida a respeito do perfil do meu pai perdurou todo o dia, perdurou todo o final de semana e me deu a convicção que irei escrever o romance "O último café do coronel" com viés todo ficcional.
    
Escrever a memória daqueles acontecimentos cabe a um historiador. Eu não me sinto capaz de suportar o reviver de anos de dor e saudade, de raiva e frustração, não depois de ter conseguido lidar com aqueles fatos e ter obtido paz de espírito, conquista que não desejo renunciar.
    
Assim, deixo o desafio aberto para um historiador que queira fazer esta pesquisa histórica. É possível que vá encontrar uma história rica, cheia de nuances, com o melhor enredo que só a vida, vivida, é capaz de propiciar.

Abraço,
Marconi Urquiza


Recife, 25 de setembro de 2019.

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

No princípio era a Palavra*

Pensei que era castigada pela palavra; não,  não era, era pelo que ela representava.   

                      *  *  *

Trago um recorte do mais recente livro de Raimundo Carrero, Colégio de Freiras, tão pequeno e tão encorpado.  Denso até umas horas. Trago pela razão típica desse mundo atravessado pelas redes sociais.  Das palavras fortes, fortes ou rudes?

Rudes ou fortes?

Diz a personagem Vânia no recorte: Pensei que era castigada pela palavra; não,  não era, era pelo que ela representava.

Eu li por aí, acho que é de Jean Paul Sartre, não nesta ordem, mas no significado: As palavras têm consequência.

Hoje, mais do que nunca, com a velocidade das redes sociais é tanta gente arrotando,  bem que poderia ser vomitando palavras, sem se preocupar com as consequências e, o pior dos fenômenos,  há inúmeras  pessoas que que sequer lêem o que está escrito,  basta vir de algum conhecido já espirra no ventilador.

Voltando ao pensamento da personagem Vânia: Palavra,  pelo que ela representa.

Sabe, muitas pessoas, bem antes de agirem, em algum momento expressaram pensamentos malévolos. 

     Agora imagine!

     Alguém tem um séquito ansioso para ouvir a sua palavra (uma revelação!!??) e é seguido nas redes sociais,  dentre os seguidores a quem o admira. Tais revelações chegam como se autorizasse liberar toda a ruindade de dentro de si, depois dana-se a fazer maldades com outras pessoas.

Todos sabemos: palavras machucam.

Quem estimula outro a agir, no mais das vezes sai ileso,  para àquela pessoa que agiu a palavra tem enorme consequência, ainda mais, para a vítima.

Já pensou que se esse monte de gente que é  atingida pela maledicência intencional ou inconsequente resolvesse, em vez de se vitimizar, ir atrás do agressor?

Ainda bem que ainda resta alguma civilidade no Brasil.

Abraço,
Marconi.

(*) João: 1.1

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Se mentir mais, o tambaqui muda de cor


Resultado de imagem para tambaqui cor de rosa
Lembrança do Amazonas.

Nada ocorria, nem havia aquelas marolinhas de algum peixe peidando. Para não ficar muito monótono peguei a vara e lanceia-a no rio. Minutos depois começou a brincadeira.

Senti um leve toque na vara e fiquei atento, a linha deu um leve esticão e depois afrouxou e aí pensei: Porra, perdi a isca e quando puxei a vara vi que o anzol havia sumido, a linha estava cortada.

Olhei ao redor com toda a atenção, não havia perigo à vista, mas ainda me preocupei se uma sucuri ou um jacaré não estavam a fim da minha carne, então, magra. 

Desapontado amarrei outro anzol, coloquei de novo na água, olhei para todo lado e tudo estava muito calmo, calmo demais, minha atenção só foi crescendo, desconfiava como burro teimoso e já estava crente que voltaria para casa sem nenhum peixinho e sem nenhuma história, o que era pior.

Anzol na água, redes esticadas, voltei a aguardar a boa sorte para ver se um peixe fisgava a isca, mas nada, nada de peixe.

Mas naquela preguiçosa expectativa eu olhei para a linha da vara, ela começou a esticar, esticou mais, então eu dei linha para o peixe, mais, só que o peixe não se mexia na água, então comecei a recolher o anzol, dei um pequeno puxão e a linha não se moveu. Dei nova olhada ao redor, me enchi de coragem. Sem ver nenhum sinal de um animal grande amarrei a vara no barco, mergulhei pela frente dele e segui a linha.

Meio metro dentro do rio, vi que a linha estava presa no motor, no outro lado de onde estava sentado, aí eu senti algo me olhando, quando me voltei vi o peixe paradinho debaixo da proa, em um cantinho, se protegendo da rede e dos anzóis.

Fiquei alguns segundos mirando ele, ainda com um restinho de folego vi quando mexeu a boca e começou a falar.

Como eu não disse nada, a assistência quis saber o que o peixe havia falado:
- Falar, ele não falou, mas olhe Rubem, quando o peixe piscou o olho esquerdo nadou mais um pouquinho, ficou meio de lado, levantou a nadadeira e me deu o dedo e gesticulou como se dissesse: "Vai tomar no cú".

Aquilo foi estranho, aí eu tive certeza que aquele tambaqui rosa tinha amarrado meu anzol no motor do barco.

- E tem tambaqui rosa? Saiu a pergunta em coro.
- Ter, não tem, mas com aquela inteligência é capaz do pai daquele desgramado ser um boto cor de rosa.


Inspirado em uma conversa de um pescador.

Abraço, Marconi,

terça-feira, 27 de agosto de 2019

Saudade à prestação


         Zefinha, Cida e Tonca (filha de Zefinha e Basto)

Você prefere uma saudade matadora ou uma saudade à prestação?



Lá pelo distante 1995, precisamente em 15 de agosto eu cheguei em Maringá - Paraná, era um dia quente, contraditório para mim, crente, piamente acreditando que encontraria um dia torando de frio, estava com 30 graus. Dia 16 eu entrava, como gerente geral do Banco do Brasil, no prédio da agência de Barbosa Ferraz, Paraná e fui descobrir que eu era visto com o biotipo baixinho e de cabeça chata, bem, virei O Nordestino Big Size (título de uma crônica).

Tudo era novo, toda novidade era possível. Eu olhava atentamente para todo o que via, a geografia, o plantio que parecia não ter fim foi o que primeiro chamou a minha atenção, também carregava nos meus ombros o recado do meu chefe, contrariado por ter perdido a indicação de quem seria o gerente daquela agência. Talvez, talvez carregasse em sua alma todo o preconceito contra o nordestino, então aquele saco que poderia ser um fardo foi um alerta. Olhe o que ouvi: Aqui é assim, se em seis meses não der certo volta do mesmo jeito para lá (o nordeste). Até pensei naquele dia, "o que é isso, não dei em minha mãe." 

Quatro meses depois eu fui buscar a minha família em Curitiba e os levei para Barbosa Ferraz, aqui começou um convívio intenso e amigo. O caseiro da AABB  nascido em Palmeira dos Índios-AL e estava lá desde 1959, a sua esposa, paulista, era filha de cearenses.

Em pouco tempo, minha esposa já tratava Zefinha como a "minha mãe paranaense". Ela e Basto foram inestimáveis para a nossa adaptação naquele começo no Paraná. Cuidaram dos nossos filhos com todo o carinho e atenção. 

Neste mesmo período travamos amizade com outra família, Madalena e Adão. Amizade perene como a de Zefinha e Basto.

Saí de Barbosa Ferraz para poder estudar, de lá seguimos para Terra Boa e o convívio sumiu e os contatos foram ficando cada vez mais demorados, até que se encerrou, aí a internet religou Madalena e Zefinha com Cida, minha esposa.

Em 2003 eu voltei para Pernambuco, os filhos uns meses depois e Cida voltou no final do ano. Em 2004 foi a última visita que fizemos ao Paraná. Mais de 15 anos.

Tivemos amizades intensas nas três cidades que moramos no Paraná, Barbosa  Ferraz, Terra Boa e Araruna. 

Tivemos jantares, almoços,  caronas,  uma enorme atenção e carinho sem fim e uma saudade de todos matadora. 

Não posso esquecer dos inúmeros amigos e amigas que Cida fez com os colegas da faculdade em Cianorte, os quais nos receberam imensamente bem neste retorno. Algumas pessoas das três últimas cidades citadas já nos encontramos desde que saímos de lá, menos a turma de Barbosa Ferraz. A fotografia que ilustra esta crônica espelha o carinho e o afeto que temos por aquelas pessoas amadas.

Até que um convite para um casamento da filha de outro casal muito amigo, Maris e Sérgio nos tirou do imobilismo. 16 anos depois da nossa saída a gente voltou para o Paraná e fomos rever amigos muito queridos, com uma inadimplência feroz, pagamos a primeira prestação dessa saudade.



Abraço,
Marconi 



O poder revela ou transforma uma pessoa?

  imagem: Orlando/UOL.            Um papo na última segunda-feira entre aposentados do Banco do Brasil que tiveram poder concedido pela empr...